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O Legado de Yangchen: Territórios Conhecidos

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Aquela noite pode ter sido a primeira, em todas as viagens que compartilharam, em que a Avatar dormiu mais do que Kavik. Ele não se lembrava de ter se acomodado pacificamente na sela de Nujian, no Templo do Ar do Norte, no esconderijo de Jonduri, em nenhum lugar onde eles tivessem descansado próximos. Apesar da leveza de seus passos, Kavik sempre a ouvia correndo até tarde da noite.

 

Ele ficou acordado dessa vez, preocupado com o que tinha ouvido. Será que o Lótus Branco sabia que havia pelo menos um Avatar do passado que esteve tão perto de dar as costas à humanidade? Será que isso foi mesmo uma vida passada? Mesose poderia ter sido alguém nascido nesta era, talvez um sobrevivente de Tienhaishi. Se assim fosse, a violência em sua garganta poderia ter sido direcionada às Quatro Nações de hoje.

 

Isso significava que essa era a pessoa com quem ele teria que cruzar uma segunda vez.

 

Ele manteve distância dela enquanto voavam, sentando-se o mais longe possível na sela. Ele não tinha certeza de que aquele tipo de raiva poderia se dissipar em uma única noite. Era mais parecido com uma maldição geracional, uma assombração que tornava tabu a entrada em grandes extensões de terra.

 

— Esse pode não ter sido o único Avatar decepcionado conosco, pronto para acabar com tudo. A maior parte de um iceberg permaneceu sob a superfície, sua forma e massa nunca foram descobertas. — O pensamento o gelou mais do que o vento. Seus dentes se chocaram uns contra os outros.

— Você disse alguma coisa? — perguntou Yangchen, virando a cabeça para trás bruscamente.

 

— Não. — ele chiou. Ele não queria perguntar quem era Mesose, caso o nome a fizesse lembrar de confiança perdida e punições apropriadas.

 

O desconforto entre eles fez com que a viagem fosse tranquila. Eles passaram pelo estreito sem incidentes e voaram para as montanhas Taihua. Yangchen começou a descer cedo, passando por entre os picos cinzentos e contornando as encostas rochosas.

 

A trajetória de voo baixa e sinuosa pode não ter significado nada. Mas também poderia ter sido um sinal de que ela não queria dar a Kavik uma visão panorâmica do terreno. Como se ela estivesse mantendo os dobradores de fogo em algum lugar nos arredores, como Ayunerak havia teorizado.

 

Ou ela simplesmente gosta de passar pelos vales e a Unanimidade está do outro lado do mundo. Ele precisava ser paciente. A Lótus Branca queria certezas, não suposições incompletas.

 

Quando o vilarejo que sustentava o Templo do Ar do Norte apareceu, Kavik reconheceu imediatamente o hospital de pedra aninhado na encosta. Mas ele não era mais a única estrutura grande no assentamento. Vários projetos de construção apressados haviam surgido desde a última vez em que ele esteve aqui, armazéns inclinados de madeira e barro, novas cabanas com telhados de palha, poços escavados tão profundos e largos que deviam ser porões comunitários de raízes. As estreitas trilhas de caminhada estavam cheias de pessoas se espremendo umas contra as outras.

 

Ele observou uma equipe de trabalhadores descarregando tábuas de madeira das costas de um bisão voador, uma exibição incomum. — A aldeia está movimentada. — disse ele.

 

— Há um décimo a mais de pessoas vivendo aqui do que a terra arável pode suportar, e o número continua crescendo. — disse Yangchen. — Em nosso ritmo atual de coleta de esmolas, as reservas de grãos se esgotarão em dois anos. As fontes rochosas não fornecem água suficiente para todos, o que significa que os recém-chegados precisam depender do derretimento da neve. Um inverno seco será um desastre total.

 

Yangchen se virou e lhe deu um sorriso duro que era um olhar apertado. — Mas sim. É movimentado, como você disse.

 

Kavik olhou para baixo novamente. Ela não teria escondido essa informação de ninguém que tivesse vindo para as montanhas para viver em uma cidade que crescia sob os auspícios de um Avatar que trabalhava duro. Mas ela também não os teria rejeitado. Mesmo à distância, a maioria dos rostos parecia feliz e satisfeita, despreocupada com um pesado saldo de tempo emprestado que estava vencendo. Porque o Avatar deles pensaria em algo. Kavik a observava mastigar o lábio com mais força à medida que se aproximavam do centro da aldeia. O quebra-cabeça em que ela trabalhava talvez nunca fosse resolvido.

 

As pessoas na rua a viram, ou talvez tenham reconhecido o padrão de pelo na barriga de Nujian. Houve uma grande alegria. Os habitantes da cidade interromperam seu trabalho, pararam em seus caminhos, largaram seus fardos. Lentamente, a princípio, e depois rapidamente, eles seguiram o bisão do Avatar, correndo para encontrá-lo quando ele desceu à terra. O fluxo de cabeças pela rua lembrou a Kavik os grãos de areia se espalhando pelo gargalo de uma ampulheta.

 

Yangchen respirou fundo entre os dentes. — Vou ser atacada. Você tem que sair antes de chegarmos à área de pouso.

 

— Sim, claro. Como vou esperar não, não, não…

 

O domínio do ar, tão seguro e forte quanto um par de mãos sólidas, agarrou Kavik pelo meio e o lançou sobre a borda da sela. Como estavam muito próximos da encosta, ele não teve muito tempo para falhar nem para gritar. Em vez de um forte impacto contra as rochas, ele ricocheteou em uma almofada de ar e deslizou até uma moita de arbustos, com os pés mais altos do que a cabeça.

 

— Fique escondido! — Yangchen gritou, sua voz se esvaindo enquanto ela voava para longe. — Eu o encontrarei mais tarde!

 

Kavik soprou um tufo de folhas caídas de seu rosto. As coisas estavam voltando ao normal mais rápido do que ele pensava. Navegar pelas ruas sem chamar a atenção era fácil, pois quase toda a cidade havia se esvaziado para ver o Avatar. Kavik passou por barracas e carroças estacionadas, com o capuz puxado sobre a cabeça. Era a maior liberdade que ele tinha para se movimentar em um longo tempo e valia a pena desobedecer ao Avatar. Ele examinou as novas linhas de construção que subiam as encostas. Uma casa de chá com beirais suspensos no estilo do Reino da Terra do Sul. Isso era novo. Ali, uma cozinha com a chaminé soltando uma fumaça espessa de um forno aceso. Teria parecido uma cena promissora, mas Kavik sabia o custo dessa fumaça. Era difícil conseguir combustível no Norte, e eles não estavam muito longe do Norte, relativamente falando. Com certeza, a pilha de lenha ao lado da cozinha rapidamente passou de troncos cortados a feixes de galhos finos e galhos dos arbustos pequenos e irregulares que cresciam ao longo da estrada para a aldeia. Os habitantes da cidade estavam desnudando a encosta da montanha em busca de coisas para queimar.

 

Ele podia ver as sementes da angústia de Yangchen. O lugar estava começando a se parecer mais com Bin-Er.

 

Perdido em seus pensamentos, ele esbarrou em uma criança que havia corrido em seu caminho. Kavik olhou para baixo, meio que esperando ver o pequeno monge que o havia enganado e lhe tirado uma prata inteira por uma pequena torta de frutas. Em vez disso, era um garoto do Reino da Terra olhando para trás, queimado de sol e curioso.

 

A mãe do garoto se apressou. — Lan, não entre na rua —, ela repreendeu. A jovem se inclinou para puxar o filho para longe. Quando ela olhou por baixo do capuz de Kavik, franziu a testa. — Eu conheço você?

 

Kavik prendeu a respiração. Essa era a mulher que ele havia ajudado Yangchen a salvar da beira da morte no hospital na primeira vez que o visitou. Ele balançou a cabeça.

 

— Não, tenho certeza de que já nos conhecemos. — Ela se endireitou e tentou observá-lo melhor, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. Ela mordeu o lábio. — Você não mora no vilarejo, mora? Nós teríamos nos esbarrado um no outro.

 

Nem Yangchen nem Ayunerak queriam que ele fosse notado por moradores locais que não fossem Nômades do Ar. Ele tinha que encurtar a conversa. — Estou com pressa —, ele grunhiu antes de se virar e fugir para a casa de chá. A placa dizia que estava fechada, mas a porta não estava trancada. Ele poderia ficar esperando com os proprietários até que a mulher fosse embora. Lá dentro, ele raspou os pés em um tapete da entrada e deixou os olhos se ajustarem à luz fraca. O Avatar poderia ter se lembrado de dizer a ele que os monges haviam encontrado o garoto, ele resmungou para si mesmo. Durante todo esse tempo, sua lembrança persistente da mulher que eles haviam salvado juntos tinha sido manchada pelo fracasso e pelos gritos de um pai que havia perdido um filho. Não era algo que ele queria ouvir novamente.

 

— Posso ajudá-lo? — O ruído profundo do lojista foi abafado pelo capuz de Kavik.

 

Certo. Ele estava fingindo ser um cliente que não tinha visto a placa. — Chá, por favor —, disse ele. Ele puxou o capuz para trás da cabeça.

 

Kavik decidiu que ele tinha ficado sem graça. Esconder-se em Bin-Er, sem trabalhar, fez com que ele perdesse o jeito. Ele deveria ter reconhecido a voz do proprietário mesmo através das camadas de pele.

 

Porque ela pertencia a Akuudan. O homem grande estava atrás do balcão. Ele estava limpando o balcão com um pano encharcado, mas, ao ver Kavik, sua mão parou.

 

Tayagum e Jujinta estavam sentados em uma mesa perto da parede, como se tivessem uma tradição antiga de se encontrarem para comer algo e conversar. O queixo de Tayagum caiu de surpresa. — Mas o que… o que você está fazendo…?

 

Kavik havia desperdiçado seu tempo de ensaio. Ele deveria ter bolado um plano para encontrar as três pessoas com as quais ele havia trabalhado tanto quanto com o Avatar. Ele estava sem saber o que fazer.

 

Jujinta, por outro lado, devia saber exatamente como trataria o momento, pois, sem hesitar ou mudar sua expressão, sacou uma faca e pulou sobre a mesa, atacando Kavik com a lâmina.

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Capítulo 8