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O Legado de Yangchen: Reverberações

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Kavik começou sua rota de fuga na mansão do Avatar. Ele partiu em uma hora da manhã que não era nem especialmente cedo nem tarde e juntou-se à crescente multidão de residentes de Taku a caminho do trabalho.

 

Onde Bin-Er se preocupava primariamente com bens brutos, Taku parecia trafegar em itens refinados, produzidos na ponta do cinzel de um mestre ou destilados até a essência em cadinhos, resultados do calor concentrado, esforço e ferramentas. Medicamentos e óleos, três diferentes curas para cada enfermidade, papel compatível apenas com um tipo de tinta — quem saberia dizer que tipo de desastre ocorreria se as fibras tocassem a cor errada —, vestimentas tecidas para graus de tempo entre perfeito e demasiadamente perfeito.

 

Após várias curvas e uma rápida mudança na maneira como seu cabelo estava amarrado, Kavik entrou em uma casa de bolinhos que atendia idosos que tinham tempo para passar a manhã saboreando chá e lendo boletins. Ele não entendia por que o prato mais popular parecia ser envoltórios simples sem recheio, enrolados em pequenos cilindros e apenas tocados com molho de feijão preto. Talvez o gosto dos cidadãos fosse tão iluminado que o sabor fosse uma distração desnecessária da verdadeira alimentação.

 

Ele deslizou para um banco já ocupado por duas pessoas. Sentando-se do mesmo lado que Do, oposto a Ayunerak, os três podiam de certa forma fingir ser uma família, dois primos muito distantes que vieram prestar respeitos à sua matriarca.

 

A Executora do Lótus Branco havia chegado pessoalmente. Entrar em Taku era menos árduo do que escalar as Montanhas Taihua para alguém de sua idade, mas a presença de Ayunerak também marcava o fato de que estavam ficando sem tempo. O chefe tende a aparecer uma vez que você está com as costas contra a parede.

 

— Você deveria pedir alguma comida — disse Ayunerak a ele. — Temos um orçamento de despesas, limitado como possa ser.

 

— Não estou com fome. — Kavik não havia comido muito desde que perderam Nujian, havia evitado certos alimentos. Ele queria lamentar da maneira limitada que podia sob as circunstâncias.

 

Mas as demandas do mundo não haviam cessado. Ayunerak levantou sua xícara de chá, e o sopro de seu nariz dissipou o vapor. — Então relate.

 

Ele pensou que poderia ter problemas para relatar os eventos. Certamente os espinhos ficariam presos em sua garganta e o cortariam ao sair. Mas os fatos derramaram-se dele rapidamente, cada um tão distante e gerenciável quanto um número em um livro-razão. Falar como um historiador distante diminuía a dor. Ajudava o fato de Yangchen já saber que ele compartilharia informações com o Lótus Branco. Um nível básico de deslealdade era esperado.

 

A única parte que ele omitiu foi Hsien. A garota havia ficado contente pela chance de deixar sua vida para trás e ficar no Templo do Ar do Oeste por um tempo, talvez indefinidamente. Kavik queria dar a ela um respiro de ser tratada como um ativo, e havia pouco risco em deixá-la vagar livre sem o conhecimento do Lótus Branco. Era improvável que o equilíbrio estratégico das Quatro Nações fosse algum dia influenciado pelo combate corpo a corpo.

 

Uma vez que ele terminou, houve uma pausa. De que lado sua audiência se posicionaria? Kavik se perguntava. Mostrar um pingo de humanidade sem custo, ou ir direto ao assunto?

 

— Você… — Do massageou as têmporas. — Você perdeu o último Dobrafogo da Unanimidade. Você descobriu um ativo inestimável, um que poderia ter mudado todo o jogo, e você o perdeu no mesmo dia. Você, pequenos sangue-sugas, deixaram cair a única bola que não podiam se dar ao luxo de perder.

 

Talvez as expectativas de Kavik fossem altas demais. Apesar de todos os pecados de Raitei, ele era uma pessoa, com suas próprias necessidades e decisões. Se o tivessem considerado um pouco mais como tal, talvez pudessem ter evitado sua morte e a de Nujian. — Uma criança está morta, seu carrapato sugador de sangue. Ele não é um it.

 

Ayunerak levantou os dedos, como se pudesse ordenar uma trégua de um garçom próximo. Kavik teve que assumir que este local era seguro, já que o Lótus Branco o havia escolhido. — As circunstâncias do garoto são trágicas, certamente. Mas se você tivesse conseguido mantê-lo vivo e convertê-lo para o nosso lado, teríamos tido mais opções. Poderíamos ter ajudado a desenvolver as habilidades desta criança de maneira segura.

 

Eles acabaram de ouvir Kavik explicar longamente como o desenvolvimento de tais habilidades dependia de tortura fria. Ele bateu na mesa com as palmas das mãos. — Vocês se importam em parar a Unanimidade? Ou vocês só querem possuí-la? — O Lótus Branco parecia puramente invejoso da Chaisee.

 

— Ambos — disse Ayunerak. — Eu sei que você não gosta, mas essa é a realidade do mundo. O melhor resultado que podemos esperar é que este tormento termine com uma parte neutra firmemente no controle. E para o bem ou para o mal, não há um conjunto de líderes mais imparcial e experiente do que o Lótus Branco.

 

Kavik não se deu ao trabalho de esconder seu resmungo. Ele poderia ter sido um membro pleno, mas não devia aos seus empregadores a devoção de um bajulador.

 

Eles tinham Do para isso. — Você acha que o Avatar é uma escolha melhor — disse o homem mais velho. — Você não é tão difícil de ler. Você acha que tudo seria livre e fácil com o Avatar no comando.

 

Kavik esperava que ele falasse mal de Yangchen como havia feito nas montanhas e já estava pensando em quais líquidos jogar nele como desprezo. Ou talvez ele pudesse simplesmente dar-lhe um soco no maxilar por cima da mesa.

 

Mas a abordagem de Do mudou inesperadamente. — Você não pode colocar tanto peso em uma única pessoa — disse ele, em um tom que se aproximava da gentileza. — Uma única pessoa quebra. Uma única pessoa sofre a perda de um companheiro querido e fica perturbada. Um ser humano sozinho nunca pode ser verdadeiramente racional ou desapegado.

 

Quão razoável sua explicação das deficiências do Avatar. — A grande vantagem do Lótus Branco é que ele não tem forma ou aparência externa — disse ele. — O Avatar tem que agir de acordo com sua forma, o que limita suas opções. Você acha que sua fé não é um fardo para ela?

 

Kavik pensou nas multidões adoradoras, no chefe da vila insistente. Mingyur na maca, precisando de cura. Ele havia imposto Jujinta a Yangchen sem sua aprovação. E se ele tentasse considerar como sua própria presença contínua pesava sobre ela…

 

De uma maneira distorcida, será que o Lótus Branco era o único grupo de pessoas no mundo tentando facilitar o trabalho de Yangchen? Ele não tinha certeza. Ele não estava certo de nada nos últimos tempos.

 

— Nossos próprios esforços para encontrar Thapa não estão dando frutos — disse Do. Ele fez um pequeno gesto buscando crédito com os ombros. Veja? Eu posso admitir que não somos perfeitos. — Localizá-lo pode depender de você e do Avatar, mas prendê-lo é nossa tarefa sozinhos. Assim como a custódia.

 

— E quanto a Feishan? Vamos apenas deixá-lo vagar pelas ruas brincando de investigador? Ele é um dos possíveis alvos da Chaisee.

 

— Ela o fez antes de nós — disse Ayunerak, franzindo a testa. Outro deslize da equipe de casa. — Ela teve tempo de sobra para fazer-lhe mal, mas optou por não fazê-lo, o que significa que ela está contente em explorar sua presença até o momento certo. Para ela, ele é o meio perfeito para atrapalhar nossas operações.

 

Isso explicaria por que Kalyaan deu a identidade do Rei da Terra de graça. Armar a ameaça de uma perda mútua só funcionava se ambos os lados estivessem cientes da possibilidade. — Chaisee não é Henshe — disse Ayunerak. — Ela não será descuidada com seus ativos. Ela sabe que realisticamente tem apenas uma chance de causar destruição máxima, especialmente agora que Thapa é o único membro restante da Unanimidade.

 

O fim da convocação, quando o Senhor do Fogo e o Chefe da Tribo da Água chegaram em capacidade oficial. Presumivelmente, Feishan teria que jogar fora seu disfarce e assumir novamente o manto de Rei da Terra, momento em que os alvos de maior valor dentro das Quatro Nações estariam publicamente reunidos.

 

Cada jogador na mesa estava assistindo a mesma ampulheta esvaziar. Isso enlouquecia Kavik que eles pudessem esperar. Ele queria quebrar xícaras, arremessar uma cadeira, espirrar tinta. — Meu irmão.

 

— Seu irmão, o fantasma — disse Ayunerak. — Nós também gostaríamos de tê-lo encontrado. Mas sua habilidade é impecável. Melhor que a dos nossos melhores.

 

Kavik só pôde rir. De alguma forma, após tudo o que aconteceu, Kalyaan ainda acabou imune.

 

Abençoado. Seu irmão era simplesmente abençoado. Não tinha sido sempre assim?

 


 

Kavik soube que a atmosfera estava errada no momento em que entrou na casa segura. Ele ergueu o saco de pãezinhos cuidadosamente como um escudo. — Trouxe café da manhã. — Uma cobertura fraca para sua saída, mas o melhor que ele poderia fazer.

 

Akuudan estava sozinho na entrada, o primeiro guardião dos portões para um reino de punição. Ele pegou o saco de Kavik e o jogou de lado. — Vamos — disse ele. — Ela quer ver você.

 

A casa segura não era grande. Mas andar pelo corredor com Akuudan atrás dele, bloqueando seu caminho para a saída mais fácil, deixou Kavik em alerta. O grandalhão sempre havia sido o membro mais gentil da equipe com ele. Talvez esta fosse uma tentativa de fazê-lo baixar a guarda. Se fosse, não estava funcionando.

 

Antes de Kavik deixar o restaurante, Ayunerak havia perguntado como o Avatar estava aguentando. Ele achou uma pergunta tremendamente injusta. O vínculo vitalício entre um Nômade do Ar e um bisão era sagrado e famoso nas Quatro Nações. A perda de seu companheiro fiel? Ah, ela está aguentando, uma verdadeira guerreira, essa. Obrigado por perguntar; vou passar seus pêsames. — Eu não sei — ele se contentou em dizer.

 

Seus verdadeiros sentimentos sobre o assunto eram mais difíceis de explicar. Ayunerak foi quem o informou sobre a tendência de Yangchen de se refugiar no manto de suas vidas passadas, mas apenas nos termos escassos de alguém que leu relatórios. Ele foi quem viu Yangchen perder sua bondade em um momento de distração, fogo e exaustão como gatilhos.

 

Nem ele nem a Executora realmente sabiam como os mistérios da Avataridade funcionavam. E em sua ignorância, Kavik secretamente temia que Yangchen, de todas as pessoas no mundo inteiro, tivesse uma solução para seu luto. Retirar-se e deixar “alguém mais” cuidar dos assuntos. Ela não está bem, e estou com medo de que ela se transforme em uma pessoa completamente diferente.

 

— Não ali — disse Akuudan quando Kavik alcançou a porta da sala de planejamento.

 

A única porção restante da casa era os próprios aposentos de dormir do Avatar. O beco sem saída. Todo instinto profissional gritava para ele não entrar em um quarto com as rotas de fuga cortadas. Essas são pessoas com quem você trabalhou, com quem você comeu. Mas o que isso contava no final? Yangchen podia ver cadeias de eventos se estendendo para o passado como nenhum outro ser humano, falava sobre sua significância frequentemente. E não havia como seguir o caminho para a morte de Nujian sem traçar sobre o nome de Kavik várias vezes.

 

Ele entrou e ficou surpreso ao encontrar o chão lotado, cada membro da equipe presente. O espaço apertado fez com que ele percebesse quão incomum era o privilégio que havia desfrutado desde que invadiu o Manse Azul, de estar sozinho com o Avatar onde ela dormia. Mesmo enquanto ela dormia.

 

Não mais. Tayagum e Jujinta flanqueavam Yangchen enquanto ela sentava em sua cama, meio vestida, seus longos cabelos emaranhados. Ela segurava um cobertor ao redor dos ombros apesar do clima quente de Taku. Seu estado desleixado parecia menos como o autoabandono do luto e mais a negligência de uma governante entre seus servos. Você não vale o esforço de parecer apresentável.

 

Ela levantou a cabeça e Kavik estremeceu. Pensar que ela se retiraria completamente, seja de Taku ou de si mesma, era uma ideia desprovida de fé. A pessoa fria e vazia diante dele ainda era Yangchen.

 

— Eu continuo pensando no que seu irmão nos disse aquela noite. — Sua voz estava rouca como se ela tivesse chorado, embora ele não tivesse ouvido um único pio dela através das paredes da casa segura. — Deixe Chaisee vencer. Ela exalou pelo nariz em suas mãos fechadas. — Foi isso que ele te disse em Jonduri quando você se voltou contra mim? Para deixá-la ter o que ela quer?

 

Está tudo bem. Nada de ruim vai acontecer. Kavik havia permitido que os produtos daquela ilha amaldiçoada entrassem no mundo porque havia cedido à persuasão de Kalyaan de que a tentativa do Avatar de parar a Unanimidade era, no final das contas, sem consequência, não valia a pena arriscar a família. O nó em sua garganta era grande demais para falar. “Mais ou menos” foram as palavras que deveriam ter saído. Ao concordar com seu irmão, ele concordou com Chaisee. Ele permitiu que seu investimento abominável desse frutos.

 

Kavik lutou para responder. A fúria dos outros era ensurdecedora. Ele se perguntou se Yangchen havia contado a eles sobre o Lótus Branco.

 

Não, ele decidiu. Eles todos tinham motivos de sobra por conta própria para odiá-lo. Cada membro do grupo havia renunciado a uma parte de si mesmos nesta luta. Lar. Honra. Um amigo de toda a vida.

 

Apenas uma pessoa na sala não havia pago o preço pesado. Ele. E olhando nos olhos cinzentos do Avatar, que de repente se tornaram muros de pedra erguidos contra qualquer tentativa de sondar seus pensamentos, Kavik tinha certeza de que isso estava prestes a mudar.

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Capítulo 26