Seu tolo. Que cabeça-dura. Completo idiota.
Mesmo a cura de Yangchen sendo impecável como sempre, a mão de Kavik ainda latejava. Dores fantasmas, misturadas com vergonha. Aqui está o novo agente da Lótus Branca, fazendo uma birra na frente do Avatar. Você a fez perder a chance de seguir Kalyaan.
A conversa no abrigo secreto chegou em suas orelhas. Uma bolha de barulhos que pareciam ser seu nome.
— Ei. Ei!
Kavik voltou a prestar atenção.
— Qual o problema? — Yangchen perguntou. Ela olhou para ele do outro lado da mesa do mapa. Ela falou de forma séria mas a preocupação em seus olhos era gentil.
O resto do time, nem tanto.
— Não. — Ele colocou seus braços atrás das costas para que ela não o visse esfregando suas juntas de novo. Jujinta seguiu o movimento com seus olhos, como se estivesse tomando notas para uma futura luta de boxe. Mãos delicadas. Bom saber.
Os dois já haviam informado os outros da visita de Kalyaan e da presença do Rei da Terra em Taku. Eles até que lidam bem com a situação, considerando tudo que aconteceu.
— Toda sua família pode apodrecer na mesma cova que Feishan. — Tayagum disse.
Kavik esqueceu que o Rei da Terra foi o responsável pela prisão de Tayagum e Akuudan.
— Retire o que disse. — Ele respondeu. — Meus pais são muito legais.
Yangchen passou a noite toda, depois da visita de Kalyaan, analisando as anotações que eles roubaram dos livros de Iwashi no barco. A novidade e a utilidade da informação deterioravam rapidamente já que quanto mais eles esperavam para capitalizar, maior a chance de Chaisee perceber que a sequência de infortúnios de Iwashi não foi nenhum acidente — presumindo que ela ainda não descobriu.
Por isso, Yangchen pediu a reunião logo após o amanhecer. Kavik foi despertado pelo som daquele gongo infernal que parecia penetrar todos os cantos de Taku. Ele estava cansado.
Mas as bolsas escuras debaixo dos olhos de Yangchen indicavam que ela não conseguiu nem cochilar e Kavik percebeu pelo cheiro e pela temperatura que ela não estava bebendo o mesmo chá que eles. Algo mais forte.
Ela virou seu preparo especial e deixou o copo de lado.
— Como eu estava dizendo. Os registros que pegamos da Eterna Bênção diminuiu a possibilidade de locais para o Thapa de se esconder em um número acessível. — Yangchen pausou e inclinou sua cabeça, um breve momento para reconhecer que algo estava dando certo, pela primeira vez. — Mais uma coisa que eu aprendi. Chaisee não aluga propriedades só de Iwashi, ela também freta seus barcos. De acordo com as documentações, pequenas embarcações ocasionalmente deixavam Taku carregando suprimentos e voltavam vazias. Eles nunca ancoraram em qualquer outra cidade shang.
— Parece que ele está só negociando às escondidas para evitar pagar suas dívidas com as receitas aduaneiras. — Kavik disse. — Como os shangs de Bin-Er estavam fazendo.
— Os produtos não são tão valiosos assim. — Yangchen disse. — Estamos falando de produtos alimentícios baratos, roupas, as necessidades básicas de sobrevivência. Tenho um pressentimento de que esses barcos fornecem um local secreto onde Chaisee treinou os Dobradores de Fogo.
Tayagum franziu a testa.
— É um grande palpite. Eu não cheguei nessa conclusão quando transcrevi as anotações.
— Você não passou o mesmo tempo que eu estudando os nomes falsos que Iwashi usa para suas contrapartes. — Yangchen disse. — Eu estava pensando sobre isso dia e noite. Demora tempo e esforço para desenvolver a destreza de Dobras. Trabalhos amargurados de ambos, o estudante e o professor. Transformar Thapa, Yingsu e Xiaoyun em armas teria exigido um compromisso proporcionalmente grande de recursos.
Yangchen abriu um mapa diferente em cima do primeiro, uma representação do Mo Ce e seus mares vizinhos.
— O porto de teste Tuugaq que eu descobri pouco tempo atrás não foi estabelecido para abrigar ninguém por um longo período de tempo. Chaisee deve ter isolado uma operação de grande escala em outro lugar sob seu controle e uma ilha desconhecida dentro de seu território seria o lugar perfeito.
Ela começou a marcar o papel. Seus traços atravessaram águas entre as cidades shangs, para lá e para cá, as linhas engrossando com cada volta.
— Os ventos predominantes mantêm barcos de mercadores que saem de Taku principalmente nestes corredores. E essas são as rotas de voos mais comuns do Nômades do Ar. Odeio admitir isso, mas nós raramente desviamos delas porque conseguimos viajar em percursos retos. A conveniência também nos domina.
Quando ela terminou de rabiscar, um trecho distinto do mar no formato de um triângulo estava sem rabiscos.
— Aqui. — Ela falou, batendo no centro com a ponta do lápis dura o suficiente para quebrar a ponta. — Processo de eliminação.
— O que você está propondo, que nós abandonemos o plano e deixemos Taku para procurar em mar aberto por uma ilha que pode ou não existir? — Kavik disse.
— Sei que parece insensato. — Yangchen falou. — Mas depois de Bin-Er, não consegui perseguir Chaisee como queria porque ela usava a ameaça de mais Dobradores de Fogo para me impedir e ontem de noite Kalyaan disse a mesma coisa. Ainda deve ter outros membros da Unanimidade no mundo. Eu preciso saber se esse infortúnio termina em Thapa e não posso deixar passar a chance de descobrir.
— Eu concordo com o Avatar. — Jujinta disse. — Nós deveríamos olhar.
— Você sempre concorda com ela. — Kavik falou grosseiramente. — Você é tão útil nessas sessões de planejamento como um papagaio iguana.
Akuudan calmamente botou sua mão entre eles, para bloquear a visão um do outro e lembrar a eles o quão grande seu punho era, comparado com eles.
— Onde teríamos tempo? — Ele falou para Yangchen. — Você é necessária em Taku.
— Com um pouco de sorte, eu tenho praticamente o dia todo de folga. Um mensageiro veio no amanhecer. Iwashi pediu uma suspensão temporária da convocação. Ele não está se sentindo muito bem e precisa descansar.
— Ha! — Tayagum sorriu na direção de Kavik. — Você quebrou o espírito de outro homem tão gravemente que ele teve uma reação física. Bom trabalho.
Kavik deu um sorriso falso e flexionou seus dedos atrás das costas.
— Ainda precisamos ficar de olho em Thapa. — Akuudan falou. Ele tirou o mapa do mar para examinar o mapa da cidade de Taku de novo. — Do jeito que esses locais estão dispostos, nós podemos nos dar bem com duas pessoas na tocaia. Como vocês querem separar o grupo?
Yangchen pausou, Kavik entendia que a decisão não era tão trivial quanto soava. Mais proteção e segurança nessa aventura ao mar improvisada significava menos olhos em Taku. Ela respondeu envolvendo ele e Jujinta com um braço em cada, como fardos de palha.
— Nós cuidamos da busca pela ilha. Eu e os garotos. Vai ser um exercício de união.
Elas os apertou tanto que os olhos de Kavik se encheram de lágrimas.
— Vocês vão se comportar bem, não é mesmo? — Ela falou, com um sorriso mais ofuscante do que o sol da manhã.
Eles precisavam sair assim que possível, Yangchen falou para eles. Muito oceano para cobrir e pouco tempo.
A razão real para uma partida imediata era mais complicada. Yangchen precisava examinar os segredos dessa suposta ilha antes que Kavik tivesse a chance de se encontrar com a Lótus Branca e lhes dar as informações. Seu status de agente duplo forçava-a a se apressar, nada que ele falasse poderia retardá-la.
Todos se separaram para se preparar para a próxima tarefa. O Avatar flutuava de um lado para o outro entre os membros da sua equipe, dominada por uma energia frenética. Quando estavam na cozinha, Kavik sugeriu discretamente para que ela descansasse e deixasse que eles trabalhassem, mas ela rejeitou.
— Iwashi e a Lótus Branca estão errados. — Ela disse, sua voz baixa para manter a conversa confidencial. — Nem o Sparrowbones e nem o Pai Sho resumem a vida, porque inimigos na vida real não esperam a vez do outro.
Ela entregou a ele os copos vazios que tirou da mesa.
— Chaisee está me forçando a ficar parada e outras pessoas pagaram o preço pela minha inércia. Não mais. Nós precisamos determinar sua força verdadeira de vez por todas e não vamos conseguir fazer isso se ficarmos parados.
Kavik queria lhe dizer que ela estava se culpando injustamente e consequentemente forçando a si mesma em um ritmo nada saudável. Mas era tarde demais para expressar suas preocupações a essa hora do campeonato, quando o Zongdu de Jonduri sentava-se do outro lado da mesa e Kalyaan passando para uma visita amigável. A hora certa teria sido bem antes da convocação. Poderia ter falado se tivesse ficado do seu lado, como um companheiro de verdade, ele pensou com uma pontada no coração.
— Agora, o jogo é a corrida. — Yangchen falou. — Nós não podemos determinar o que achamos ser uma velocidade apropriada e então se manter nela. A resposta do quão rápido devemos ir é: mais rápido.
Ela saiu para checar os outros. Talvez ele tenha imaginado a fadiga dela. As pistas fornecidas pelos livros de Iwashi devem tê-la revigorado.
Kavik jogou os copos em um balde para que pudesse lavá-los. Ayunerak tinha enraizado nele o hábito de limpar sua bagunça por segurança operacional, um prato sujo poderia revelar a quanto tempo o ocupante de um abrigo secreto estava lá. Mas então ele parou.
Um dos recipientes de bebida de cerâmica continha os restos do chá do Avatar. Ela encheu o copo com folhas quase na borda, certamente não era a forma de ser servido. Um pressentimento próprio começou a se formar, demandando sua atenção.
Kavik olhou em volta, sem querer ser acusado de uma conduta escandalosa e tomou um gole da borra dela. Tinha o gosto de chá normal. Com folhas demais, até mesmo apimentado, mas não desagradável. Ela gosta dessa mistura, o que quer que seja, ele pensou. Ele estava suspeitando de nada-
Entre um batimento cardíaco e outro, o pulso de Kavik começou a vibrar.
Suas mãos tremeram. Sua face ficou quente. Ele estava mais alerta, por conta da infusão. Ele sentiu que estava enlouquecendo. A bebida dela era dez vezes mais forte que a dele, e ela a estava virando por toda noite e pela manhã.
— Quando você terminar, pode trazer as rações de viagem do depósito? — Yangchen falou com ele do quarto que estava. Ela parecia estar normal e não como se suas veias estivessem prestes a explodir.
Kavik não podia responder com sua voz trêmula. O melhor que ele conseguiu foi um gargarejo de resposta antes de se apoiar contra a parede. Ele bateu sua mão algumas vezes até que sua pose voltou e vomitou bile úmida de folhas no balde de lixo, como se fosse veneno.
O Avatar estava colocando uma pressão física e mental em si mesma que levaria uma pessoa normal para a cama de um hospital. Ele precisava contar ao outros para fazê-la desacelerar e parar antes que ela – antes que-
Ela nunca te perdoaria. Impida seus planos de novo e veja o que acontecerá. Veja se ela vai mantê-lo por perto.
Kavik esfregou suas mãos em seus olhos pulsantes. Ela não era um ser humano comum, ele falou a si mesmo. Ele precisava acreditar nela, do mesmo jeito que Jujinta e os habitantes no Templo do Ar do Norte acreditavam.
— Primeira porta à esquerda. — Ela avisou de novo, irritada por não ouvir seus comandos serem seguidos com prontidão.
A visão dele clareou o suficiente para ele achar o depósito. Kavik tropeçou lá dentro e tateou pela escuridão, procurando pelos suprimentos. O Avatar deixou perfeitamente claro o que ela queria. Não seria ele que a criticaria.
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