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O Legado de Yangchen: Má Companhia

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Chaisee não apreciava observar maus modos à mesa.

 

Thapa comia como uma besta voraz, pegando pedaços de carne assada do prato com suas mãos e removendo a carne do osso com suas mandíbulas. Ele limpou seus dedos em pãezinhos fofos antes de consumi-los também e bebeu grandes goles de vinho para ajudar a engolir os pedaços de comida não mastigados

 

Ele olhou para cima com um dos olhos, com seus dentes ainda envoltos na perna de um ganso-grilo, e viu o desdém de Chaisee.

 

— Me dê uma folga — disse ele. — Essa é a primeira vez que saboreio carne em meses.

 

Chaisee empurrou uma pilha de guardanapos sobre a mesa. Era bom que o antigo zongdu Dooshim não estava vivo para ver sua pousada abrigando um convidado tão grosseiro. O resort luxuoso, construído sobre palafitas no meio de um rio corrente, atendia clientes exclusivos, o tipo rico o suficiente para contornar as restrições impostas pelo Acordo Platina. Ela comprou secretamente o negócio após a morte de Dooshim e desocupou toda a instalação para assegurar a segurança de sua posse.

 

Uma vez livre de outros visitantes, a pousada era uma boa localização para reuniões clandestinas. A cachoeira da região garantia um baixo nível de ruído para frustrar bisbilhoteiros casuais, e o ar fortemente perfumado poderia desestabilizar um animal farejador não muito experiente. Os únicos pontos de acesso eram duas longas pontes abrangendo as margens do rio, e aquelas eram facilmente protegidas.

 

— Me contam que você exerceu alguma iniciativa. — Chaisee reabasteceu a taça de vinho de Thapa e se permitiu uma pequena quantidade também. Agora que seu filho havia nascido, ela podia tomar a bebida ocasional. — Eu odeio iniciativa.

 

— Desculpe, Mãe. — Até onde Chaisee sabia, eles tinham aproximadamente a mesma idade. Thapa aguardou. — É isso? Achei que estaria mais brava.

 

— Você não sabe o que estou.

 

Ele puxou para perto de si uma travessa de peixe defumado coberto com gengibre e cebolinha.

 

— Sei que você está com duas posses a menos — disse ele ao partir para a ação com um par de colheres. — Veja por esse lado. Te poupei o trabalho penoso e o custo de pagá-los. Agora você tem a hora e o prazer de me pagar. Mais um bônus por mostrar… uma atitude empreendedora.

 

Então seu tempo com os dominadores de Ar não tinha vingado. Uma pena. Chaisee possuía muito respeito pela cultura dos nômades do Ar e era uma leitora dedicada de seus filósofos. Ela se perguntou se a jovem Avatar havia terminado os Trabalhos de Shoken que a presenteou.

 

Ela piscou enquanto Thapa virava descuidadamente o peixe para comer o outro lado.

 

— Acho que trinta vezes nosso acordo original vai dar — disse ele. — Por um começo.

— É isso que Henshe prometeu quando divergiu vocês a Bin-Er?

 

— Não, precisei extorquí-lo. Você e eu, por outro lado, somos verdadeiros parceiros de negócios. Sou o único que pode prover os serviços que precisa no momento que requere. E você é a única que pode me pagar… Ah, espere. Não é.

 

Ele enfiou colheradas de peixe em sua boca e a encarou.

 

— Suponho que o Rei da Terra ou o Senhor do Fogo podem estar interessados em meus talentos, o suficiente para começar uma pequena guerra de lances. O Chefe da Tribo da Água também, mas espero que não. Odiaria ficar preso no frio.

 

Thapa diminuiu o ritmo da sua mastigação e engoliu. Não por preocupação com espinhos de peixe, mas para ter certeza que ela estava olhando de volta para ele. O ponto era causar repulsão.

 

— Encare isso. Se você quer faíscas voando sobre Taku, então não tem outra escolha a não ser negociar comigo.

 

Chaisee decidiu que prisioneiros aproveitando a liberdade recém-obtida se alimentavam da mesma forma que marinheiros deixando a costa. Qual preocupação tinham com a bagunça que criaram? Ela lembrou da vontade de erguer a voz para os visitantes deselegantes naquele dia decisivo na ilha de sua terra natal, mas seu pai havia dito a ela que não era direito deles comandar um convidado. Tradição requeria que eles se mantivessem presentes, provedores.

 

Alguns dos marinheiros festejaram sem noção, incentivados pelo ar aberto e o estilo de vida simples de seus anfitriões a jogar ossos na areia e seus modos para o vento. Outros, quando perceberam-na observando em reprovação, aplicavam uma provocação ainda maior como Thapa estava fazendo agora, um show para a garotinha. Quanto maior a bagunça que alguém causava, maior era o poder que essa pessoa exercia. Uma atitude que ela via sendo adotada por muitos nas Quatro Nações, até quando não percebiam.

 

— Não — disse Chaisee. — Não haverá nenhum acordo novo. Não porque não tenho condições de pagar, mas porque não vou permitir. Não negocio com pessoas com falta de caráter.

 

Thapa arrotou alto.

 

— Que pena. Estava esperando ficar até terminar a sobremesa. Os monges faziam assados melhor do que qualquer um no mundo, e acho que desenvolvi um vício por doces.

 

Ele se levantou e jogou a mesa inteira para o lado com um único movimento de seus braços. As pernas da mesa derraparam pelo chão. Uma cachoeira de pratos caiu no canto.

 

Nenhuma barreira a separava de Thapa. Havia ordenado que seus guardas os deixassem sozinho. O dominador de fogo desmedido olhou para a porta, alguém acostumado a verificar por testemunhas antes de agir, e depois para ela.

 

— Última chance.

 

Chaisee não se levantou.

 

Gordura escorrendo por queixos, a luz das chamas de fogueiras a fazendo brilhar. As cinzas frias da cabana de sua família peneirando em seus pés. Que tipo de casa poderia desaparecer tão facilmente? Absolutamente nenhuma. A única fundação em que podia confiar era aquela que você mesmo construiu. Thapa se moveu com um passo para frente.

 

Com capricho inconstante, a mente convida seus mestres — Chaisee disse.

 

Ela estalou os dedos.

 

Seu trunfo parou de se mover.

 

Os olhos e ouvidos, quatro portões para bloquear a verdade conquistadora — Thapa respondeu.

 

Por um tempo, Chaisee não disse nada. Então Thapa não agiu. Ele ficou lá, em pé, em silêncio, aguardando um comando.

 

— Abaixe a cabeça — disse ela. Ele fez como ordenado, se curvando. — Mais para baixo. — O grande idiota possuía toda a altura que faltava em Chaisee. Uma vez que suas cabeças estavam niveladas, ela o olhou nos olhos, abrindo suas pálpebras com o dedão e o indicador. As pupilas dele estavam dilatadas; não parecia estar fingindo.

 

Chaisee suspirou. Ela considerou que Thapa podia muito bem ter feito um favor ao assassinar os outros dois dominadores de fogo. Ele sempre havia sido o melhor dentre os três a ser levado ao condicionamento, sua natureza traiçoeira não importava quando ela podia forçar sua docilidade. Henshe não possuía essa garantia da lealdade da Unanimidade, e por isso estava destinado a falhar em Bin-Er. O idiota mereceu qualquer traição que Thapa cometeu contra ele.

 

O plano estava de volta aos trilhos. Mas ela precisava ter certeza completa de que não haveria mais exercício de iniciativa.

 

— Pegue aquela faca e finque-a na sua coxa — Chaisee comandou. — Não acerte uma artéria. E você pode falar naturalmente. — Ela ainda não havia testado se ele era capaz de passar despercebido nesse estado ou se as pessoas perceberiam algo de errado em seus padrões de fala.

 

Thapa fez um gesto com seus dedos, um sinal para suborno.

 

— Farei isso, mas terá um custo.

 

Chaisee encarou ele,

 

— Tô brincando, tô brincando — disse Thapa. Seu trunfo achou a faca ao lado de seus pés. Ele a tomou do chão e a segurou de forma invertida, com o lado afiado para baixo e em direção à carne de sua própria perna.

 

— Quantas vezes?

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Capítulo 14