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O Legado de Yangchen: Identidade Trocada

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Kavik tinha sofrido um rebaixamento. Da última vez que a Avatar o tinha levado para fora de uma cidade, tinha-lhe dado uma identidade falsa, um emprego falso plausível e arranjado transporte através dos pontos de controle de segurança. Uma demonstração de perícia em viagens clandestinas. Desta vez, ela enrolou-o num tapete.

 

Explicou-lhe que a sua partida ao nascer do sol ia ser celebrada à vista do Chefe Oyaluk e dos seus conselheiros mais próximos. Teria sido rude e suspeito sair de fininho sem uma despedida formal. O vasto leque de presentes que ela era obrigada a aceitar, segundo o costume, seria a única hipótese de o levar no bisão.

 

Por isso, Kavik voltou a fazer o jogo da espera, escondido entre as pilhas de tesouros, tão apertado como o recheio de um temaki. Com tantas camadas de lã de búfalo, o calor era insuportável. Ele não conseguia nem coçar o nariz com os braços presos de lados.

 

Através do abafamento do tecido, ele conseguia ouvir pouco das conversas de despedida de Yangchen com o chefe. Na altura em que ela chegou a desejar boa saúde à nova ninhada de crias de leopardo-caribu das neves nos estábulos reais, era evidente que estava a arrastar os pés de propósito.

 

— Oh, atirem-no para qualquer lado da sela — disse ela aos carregadores quando lhe perguntaram sobre o tapete.

 

Kavik teve de sofrer uma forte pancada nas canelas e uma extensa ronda de bênçãos finais antes de levantarem voo. As suas instruções eram para contar até quinhentos antes de se revelar, mas ele não ia esperar por isso. Ele sabia exatamente o quão rápido Nujian podia subir ao céu.

 

Ele se contorceu e balançou para a frente e para trás, saindo do rolo de carpete, e ficou preso no meio do caminho.

 

— Eu poderia usar um pouco de ajuda aqui.

 

Yangchen sentou-se na posição de piloto, apresentando suas costas rígidas.

 

— Rédeas — foi tudo o que ela disse.

 

— Você pode voar com ele sem suas mãos! Já vi você fazer isso!

 

Ela não respondeu. Kavik se espremeu na amarra e desabou na sela larga. Pik e Pak imediatamente se acomodaram em seu rosto, um em cima de sua testa e o outro agachado sobre sua traquéia. Talvez porque ele ajudou Yangchen no Espírito Oásis, eles tagarelaram com ele em uma série de cliques calmos e amigáveis, em vez de tentar arrancar suas narinas.

 

— Senti saudades de vocês dois também — ele murmurou. Uma mentira descarada.

 

Ele afastou os lêmures e ficou de joelhos.

 

— É o mais próximo que já estive perto do Chefe do Norte. Meus pais nunca acreditariam na minha sorte se eu contasse a eles.

 

Ele esperou que ela dissesse uma piada sobre como era uma sorte ser considerada parte do mobiliário, ou algo que remetesse ao primeiro encontro deles, quando ele estava preso no gelo do Blue Manse.

 

— Entre você e ele, eu conheci muitas pessoas famosas até agora. Talvez eu possa me aproximar furtivamente do Senhor do Fogo enquanto ele está dormindo e…

 

— Vamos esclarecer uma coisa — Yangchen inclinou a cabeça para trás, olhando para ele de cabeça para baixo sobre a cortina de seu cabelo escuro em cascata. Apesar de sua postura boba, havia apenas um frio desprezo em sua expressão. — Estou tolerando sua presença por enquanto. Não vá presumindo que tudo voltou ao normal.

 

Seus olhos se enrugaram em um sorriso tão acolhedor quanto uma rachadura na lama do deserto.

 

— Como está seu irmão?

 

— Não sei — Kavik passou a mão sobre a testa. — Não sei onde ele está. Supondo que ele ainda esteja trabalhando para Chaisee, ele terá que continuar fingindo. Se ela descobrisse que Zongdu Henshe o plantou dentro de sua organização, ela iria…

 

Ele tinha visto o que a associação de Chaisee fazia com os espiões. As vítimas cujos corpos ele foi forçado a se livrar em Jonduri provavelmente nem levaram o pior.

 

Yangchen deixou cair o sorriso e se virou para encará-lo normalmente. Ele sabia que ela só mencionou Kalyaan como uma farpa, um lembrete de que ela não havia esquecido por quem Kavik a havia traído.

 

— Ayunerak disse que vai me ajudar a procurá-lo quando for a hora certa — disse ele. Não havia desvantagem em contar ao Avatar essa parte da verdade. — Mas eu não tenho como mantê-los em sua promessa.

 

Um grunhido profundo veio do peito de Yangchen, o som mais simpático que ela deu a ele desde o reencontro.

 

— Então você pode descobrir que sua barganha foi adiada até a próxima era. A única coisa em que o Lótus Branco é bom é esperar.

 

Kavik acreditou nela. Muitas noites ele ficou acordado sob o santuário, pensando nos diferentes empregadores que teve ao longo dos anos. Se Yangchen tivesse dado sua palavra a ele, ela teria se movido rapidamente e não parado até que o trabalho fosse feito. Para o Avatar, a hora certa de agir sempre foi agora.

 

O vento soprou mais forte e transformou seu suor em alfinetadas. Ele encontrou sua parca escondida entre os suprimentos e a vestiu.

 

— Não sou um piloto experiente, mas não estamos indo na direção errada para Taku?

 

Yangchen reprimiu um bocejo.

 

— Temos que parar no Templo do Ar do Norte para deixar esses presentes de Oyaluk; eles ajudam a financiar a vila e o hospital.

 

Kavik teve que evitar parecer interessado em seu destino. Ele observou Yangchen, tentando dizer se sua indiferença era fingida.

 

— Estou ansioso para ver as montanhas novamente — disse ele, tagarelando o mais alegremente que pôde. — Pegue outro pôr do sol.

 

Este Templo do Ar do Norte passou a ser o lugar mais provável para encontrar pistas sobre os dobradores de fogo.

 

— Conveniência — explicou Ayunerak. — Comodidade e logística. Os Templos do Ar são o território sobre o qual o Avatar tem mais controle, e o do Norte é o mais próximo de Bin-Er. Eu diria que há uma chance de sete em dez de que ela esteja mantendo os dobradores da Unanimidade em algum lugar nas proximidades. Nesse caso, seu trabalho seria identificar suas localizações exatas. A gama Taihua é muito grande para procurar manualmente.

 

Para alguém que gostava tanto de Pai Sho, Ayunerak certamente gostava de falar em termos de jogadas de dados em vez de certezas.

 

— Ela é do Templo Ocidental — disse Kavik. — Ela poderia tê-los trazido para sua casa.

 

Uma carranca se abriu no rosto de Ayunerak.

 

— Devido a um erro não forçado de minha parte, ela não considera mais o Templo Ocidental à prova de vazamentos.

 

Havia outro destino possível para Thapa, Yingsu e Xiaoyun.

 

— Você não… Você não acha que ela os matou, acha?

 

Kavik perguntou puramente como uma hipótese. Ele realmente não acreditava que o Avatar tomaria o caminho conveniente para sair de seu dilema. Ele estava apenas considerando todos os ângulos.

 

Mas Ayunerak respondeu a ele seriamente. Não da perspectiva de alguém que olhou para Yangchen e viu um Nômade do Ar, mas como alguém que avaliou o Avatar como uma potência mundial.

 

— Ela não faria isso. Você não desperdiça ativos neste jogo. Punição e retribuição são para amadores.

 

Os três estão tão sãos e salvos quanto possível.

 

Justice parecia não ter lugar na conversa. Thapa, Yingsu e Xiaoyun destruíram um quarto de Bin-Er e aterrorizaram seus residentes. Seus crimes importavam? Ou os erros de alguém poderiam ser eliminados, desde que fossem valiosos o suficiente?

 

O sol rastejou mais alto. Kavik passou a maior parte do dia observando a sombra de Nujian passar sobre o mar e o gelo abaixo, enquanto Pik e Pak surfavam na esteira invisível do bisão, deslizando e balançando no ar. Esta parte, as horas tranquilas e tranquilas entre os destinos, ele não sentiu falta.

 

Yangchen continuou pressionando o ritmo sem parar. À noite, ela havia encolhido dentro de suas vestes de cansaço. Ele a ensinou a cochilar duas vezes e se ofereceu para tomar as rédeas, mas foi recusado todas as vezes.

 

— Temos que montar acampamento — disse Kavik assim que a luz começou a diminuir.

 

— Podemos continuar. Nujian ainda não está cansado.

 

— Mas você é. Você dormiu na casa segura ou ficou acordado o tempo todo desde então?

 

Nenhuma resposta. Kavik suspirou. Ela não mudou seus hábitos, pois Kince a observou se debater durante a noite no Templo do Ar do Norte, em queda livre através de uma floresta de pilares de bolas de ar.

 

— Vamos. Até a Grande Yangchen precisa descansar.

 

Ela bufou e fez um clique com os dentes. Nujian respondeu ao sinal descendo em direção a uma série de ilhotas, pousando na mais plana sem precisar ouvir um comando. Kavik baixou a lona da sela e saltou para o gelo. Ele montou um abrigo, mas não antes de fazer algo muito importante.

 

Ele deu a volta para enfrentar Nujian, deixando o bisão vê-lo e cheirá-lo.

 

— Sinto muito — disse ele. Ele acariciou o focinho do bisão e recebeu um resmungo apreciativo. — O que eu fiz não foi certo. Estou feliz por estar de volta cavalgando com você.

 

Yangchen zombou.

 

— Isso foi mais sincero do que você foi comigo.

 

— Não consigo ouvir você, estou ocupado fazendo as pazes — Kavik pressionou o lado de sua cabeça contra o pelo do companheiro do Avatar que ele mais gostava. Nujian o derrubou, mas apenas para conseguir espaço suficiente para uma lambida afetuosa.

 

Eles montaram barracas e uma pequena fogueira no meio. A conserva de raiz do mar que eles comeram no jantar era insípida e mastigável, mas havia peixe seco para Kavik, um sinal de que ela havia pensado nele enquanto fazia as malas. Apesar de si mesma, Yangchen não pôde deixar de considerar as necessidades dos outros.

 

Ele a observou olhar fixamente para as brasas após a refeição, o queixo apoiado nos joelhos, o brilho refletido em seus olhos. O calor não foi suficiente para afastar o frio.

 

— Pode me ajudar a limpar? — ele perguntou.

 

— Não.

 

— Está bem então.

 

Ela nunca o tratou como um servo durante sua primeira missão, mas se ela precisava tirar alguma mesquinhez de seu sistema, que assim fosse. Ele derreteu um lençol de água para jogar sobre as brasas, mas antes que pudesse apagar o fogo, Yangchen falou novamente.

 

— Terminei, Mesose — disse ela. — Eu terminei de limpar depois deles.

 

A água pairava entre suas mãos. Sua voz tinha envelhecido décadas, soava como se alguém tivesse ajustado o calibre errado de corda.

 

— Eles pegam com as duas mãos e pagam apenas com culpa. Eles encontram suas bordas e então habitam lá. Operar cem milagres? Você não vale nada por não realizar cento e um.

 

Sua postura também havia mudado. Ela não estava mais enrolada e tensa como uma jovem problemática. Ela olhou por cima do nariz para o fogo, a cabeça inclinada para o lado, um guru prestes a banir um aluno permanentemente sem pensar duas vezes.

 

— Yangchen? — O nome saiu de sua língua com dificuldade, um lembrete de quão raramente ele o dizia em voz alta. Ela sempre foi ela, você, o Avatar. A presença muito próxima em seu rosto ou por cima do ombro.

 

— Avatar Yangchen. Isso é você?

 

Nenhuma resposta.

 

Ayunerak o havia informado sobre o cenário.

 

— Ela não tem uma parede forte entre ela e suas vidas passadas. Ela pode escorregar em uma memória, e a coisa pode ficar feia. Jogue junto se puder, mas contenha-a se precisar.

 

Como se ele pudesse lidar com o ser mais poderoso do mundo perdendo o controle a poucos metros de distância. Ele estava fora de sua profundidade aqui.

 

— Estou tão perto de desistir deles — anunciou Yangchen. Ela puxou os lábios para trás e passou a língua pelas gengivas como se descobrisse o quanto gostava do sabor sangrento da verdade.

 

Kavik poderia jurar que seus dentes estavam mais afiados e mais tortos do que momentos atrás, mas isso tinha que ser o brilho das brasas pregando peças nele.

 

— Estou tão cansado de lutar em nome deles. Os seres humanos escolhem sua própria miséria, repetidamente. Diga-me por que a humanidade merece um Avatar, Mesose. Eu poderia lidar com a culpa, o dedo apontado, se eu soubesse o porquê.

 

Kavik xingou para si mesmo. Ele teve que assumir o disfarce dessa pessoa Mesose, mas nunca tinha ouvido falar deles antes. Ele tentou freneticamente pensar em qual grupo, qual nação, qual facção seu antigo companheiro poderia ter pertencido, antes de perceber que o exercício era discutível.

 

A verdade aplicada através das eras.

 

— Eu não posso — disse ele. — Não sei dizer por que somos dignos de um protetor. Você tem que acreditar que somos.

 

Imediatamente ele desejou ter feito melhor. Ele não era um poeta. Yangchen, ou a pessoa dentro dela, riu.

 

— É isso? Essa é a única razão? Fé cega de que as pessoas podem mudar?

 

Sua risada ficou mais alta e entrecortada até se tornar um uivo glotal. Ela jogou a cabeça para trás, rolando como se fosse cair da beirada de uma plataforma. Ela bateu no peito com o punho forte o suficiente para que ele pensasse que ela poderia quebrar o esterno.

 

Apavorado, Kavik jogou a água que ainda segurava sobre a fogueira, apagando as brasas. Ele não tinha certeza se era seguro arrancar o Avatar de suas memórias à força, mas não suportava vê-la naquele estado. A vida que a tinha aprisionado estava cheia de dor.

 

O assobio do vapor silenciou Yangchen rapidamente. Ela piscou e tossiu, limpando a espuma dos lábios.

 

— O que… oh.

 

Ela viu Kavik congelado no lugar e suspirou.

 

— Acho que você foi informado sobre o meu ‘presente’.

 

Ele assentiu lentamente.

 

— Bem? — ela estalou, interpretando seu medo como desprezo. — Quão embaraçoso foi? O que eu disse?

 

— Você não se lembra?

 

— Nem sempre.

 

— Você, uh, choramingou muito. Você estava jogando algum tipo de jogo que eu não reconheci, e deve ter sido uma competição porque você estava reclamando e reclamando com um juiz oficial — Ele deu um sorrisinho. Kavik pode ser um papel tanto quanto qualquer outro às vezes. — Foi muito patético, tenho que te dizer. Você continuou indo e indo.

 

Yangchen expôs os dentes em uma carranca, e ele semicerrou os olhos para eles, mas ao luar eles eram os mesmos de sempre, perolados e retos.

 

— Esse pode ser novo — disse ela. — Acho que não posso ser um bom esportista em todas as vidas.

 

Ela tentou se levantar e tropeçou. Kavik a pegou pelos cotovelos.

 

— Você precisa descansar — ele disse. — Nós dois temos.

 

— Apenas me leve para dentro da minha barraca.

 

Ela apoiou mais peso sobre ele, ameaçando cair em seus braços. Kavik conseguiu passar pela entrada e facilitar sua descida em seus cobertores.

 

Yangchen puxou as cobertas sobre os ombros. Algo sobre o gesto a fez parecer doente, como um dos pacientes em seu próprio hospital, e os pés de Kavik se recusaram a se mover por um tempo.

 

O que exatamente ele estava fazendo? Guardando-a de pássaros hostis? Era estranho que ele não tivesse ido embora e ainda mais estranho que ela não o tivesse dispensado.

 

— Estou indo — disse ele, caso ela ainda estivesse acordada.

 

Ele se virou para sair, mas parou quando sentiu um leve puxão na perna. Kavik olhou por cima do ombro e abaixou o Avatar.

 

— Obrigada, Se-Se — ela murmurou baixinho, com os olhos fechados.

 

Antes que ele pudesse responder, a mão de Yangchen caiu no chão, mole, e ela começou a roncar.

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Capítulo 7