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O Legado de Yangchen: Evidências Circunstanciais

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Discutiram os méritos de uma inspeção aérea de reconhecimento e rapidamente decidiram contra ela.

 

— O local pode estar infestado de Dobradores de Fogo como o Thapa — disse Yangchen. — Não temos certeza.

 

Assim, optaram por uma abordagem baixa, rasante às ondas. A ilha foi se aproximando, expandindo, um espesso traço verde sobre a areia vulcânica preta, a perspectiva do pintor. Kavik segurou o corrimão da sela, seus nós dos dedos quase rompendo a pele enquanto Nujian oscilava de um lado para o outro em um padrão serpentino. Ele pensou que era o movimento que o estava deixando tonto e nauseado até perceber que estava segurando a respiração e contando até que o barulho viesse. A unanimidade havia incutido um terror em seus ossos que ele ainda não havia superado.

 

Yangchen pousou Nujian em um trecho de praia mal mais largo do que ele era.

 

— Você não pode vir carregando se ouvir explosões — disse ela ao seu bisão, uma vez que seus pés estavam firmemente no chão novamente. — Entendeu? Nada de heroísmos desta vez. É muito perigoso.

 

Kavik não tinha certeza se seu companheiro havia entendido tudo aquilo, mas melhor prevenir do que remediar. A floresta de palmeiras de lava de troncos grossos chegava até a borda da praia, densa como dedos entrelaçados, e bloqueava qualquer visão do interior. Para se aventurar mais longe, teriam que se abaixar sob um arco coberto de vinhas.

 

— Sinto como se estivéssemos invadindo o domínio de um espírito — disse ele, enquanto enchia uma pele com água do mar e a pendurava no ombro.

 

— Não estamos — disse Yangchen. — Não há seres vingativos nesta ilha em particular.

 

— Tem certeza?

 

— Absoluta.

 

Eles caminharam com cautela sobre a teia de raízes que cruzava o chão da floresta, lado a lado, ele e Jujinta protegendo os flancos do Avatar. Kavik encontrou conforto em se moverem juntos. Sua coordenação física quase os fazia parecer uma equipe de verdade.

 

A caminhada foi lenta. Por causa da umidade, musgo havia crescido sobre todas as superfícies, cobrindo árvores e pedras com uma pele de jade. O sol, peneirado pelo dossel acima, salpicava as formas dos companheiros de missão de Kavik enquanto eles se esgueiravam pelas árvores, dando-lhes as formas claras-escuro-claras de tigredilos.

 

Ele notou, sobre a cabeça de Yangchen e um pouco atrás dela, em seu ponto cego, um par de pássaros de plumagem verde e preta que ele não sabia o nome. A ideia de que estavam seguindo o Avatar teria sido ridícula, não fosse o fato de estarem se movendo em completa uníssono com ela. Sempre que ela dava um passo, eles davam um pequeno salto pelos galhos para acompanhar. Passo. Salto.

 

Kavik acenou para Yangchen.

 

— Esses pássaros estão te seguindo? — ele sussurrou. — Você tem comida nos bolsos ou algo assim?

 

Assim que ela olhou para trás, os pássaros voaram de seus poleiros e pousaram em seus ombros. Eles gorjearam docemente e abanaram suas caudas, revelando um padrão de manchas que se assemelhava a um rosto piscando.

 

A visão da natureza se agrupando ao redor do Avatar era divertida, mas também não. Perturbar os animais ao redor deles poderia denunciar sua presença. Yangchen franzia a testa para seus novos discípulos até que eles captassem a mensagem e voassem para dentro da floresta.

 

— Não se preocupe — disse Kavik. — Não vou contar para Pik e Pak que você está traindo eles.

 

Ela revirou os olhos para ele e continuou andando.

 


 

Yangchen de repente ergueu o punho novamente. Não para repreender Kavik, mas para pedir uma parada.

 

— O que foi? — perguntou Jujinta, em voz baixa.

 

— Há uma clareira à frente.

 

Kavik tentou olhar o mais longe que a vegetação densa permitia.

 

— Como você pode saber?

 

— O vento sopra diferente. Cuidado agora.

 

Jujinta alcançou por baixo da parte de trás de sua camisa e sacou uma longa e sinistra adaga. Kavik removeu a rolha de sua bolsa de água e colocou o polegar sobre a abertura. Pela primeira vez, eles não estavam tentando se superar. Sua líder, que tinha os sentidos mais aguçados, tomou a frente e eles a seguiram.

 

Com efeito, a floresta eventualmente deu lugar a uma extensão aberta, uma faixa de terra penteada e cuidada no meio do emaranhado de árvores. Cerca de uma dúzia de longas cabanas estava disposta em fileiras. Kavik notou vários telhados em desuso, as frondes tecidas roídas até revelar varas de bambu projetando-se como as costelas de uma carcaça.

 

Eles esperaram para ver se alguém vinha ou ia. Ninguém o fez. Yangchen ergueu uma pedra e a dobrou com velocidade escaldante em uma árvore distante. Um baque oco reverberou pela clareira.

 

Ainda assim, nada. Ninguém veio verificar o barulho.

 

— Fiquem perto de mim — sussurrou Yangchen. Eles se aventuraram em direção à cabana mais próxima e espiaram pela porta. Dentro estava vazio, exceto por um andaime interno de bambu que revestia as paredes.

 

— Armazenamento? — Kavik adivinhou.

 

— Alojamentos, — disse Jujinta.

 

O resto das cabanas continha os mesmos conjuntos de estruturas. Supondo que Jujinta estivesse certo sobre as camas, esse complexo poderia ter acomodado cem pessoas. — Não pode haver tantos Thapas por aí — disse Kavik. Simplesmente não podia. As Quatro Nações perderiam suas mentes coletivas. Não haveria base estável se a Unanimidade pudesse ser obtida às dúzias por um preço baixo.

 

— Vamos continuar procurando antes de tirarmos quaisquer conclusões, — murmurou Yangchen. Vamos não mergulhar no cenário de pesadelo antes de precisarmos. O mundo poderia permanecer inteiro e intacto por um pouco mais de tempo.

 

Apenas um prédio no acampamento se destacava, um alojamento de comprimento duplo que encabeçava as fileiras de cabanas. Uma metade do interior era claramente um piso de treinamento onde lutadores e dobradores poderiam praticar formas e duelar. A outra extremidade era uma confusão de estantes vazias, jarros quebrados, varas de madeira de comprimentos variados. Ele pegou um caco de pote e cheirou a superfície curva e manchada por dentro.

 

O odor havia desaparecido, mas ele ainda podia detectar o bajitian e a semente de mostarda outrora pungentes. Ingredientes para dit da jow, “medicina de impacto” usada para anestesiar e endurecer os nós dos dedos arruinados por socos. O mesmo tipo de feridas que o Avatar havia tratado nele, mas com o dano temperado nos ossos em vez de desfeito. Baseado no lixo restante, os ocupantes haviam passado pelo remédio herbal como água.

 

Kavik olhou para a sala novamente, com olhos diferentes. Um piso de treinamento era nominalmente um espaço respeitado onde os alunos poderiam fazer um esforço nobre para aprimorar suas habilidades. Até mesmo seu porão sujo em Gidu contava como uma sala de aprendizado, sob a tutela de Ayunerak.

 

Este lugar lhe dava a impressão de uma fábrica, em vez disso. Uma linha de montagem que fabricava pessoas feridas. O produto poderia ser movido de uma extremidade do prédio para a outra para máxima eficiência.

 

Não havia dignidade no toque de um sifu que ele pudesse discernir aqui. Apenas produção.

 

— Olha isso. — Jujinta segurou um grande pedaço de papel. O canto restante de um pergaminho que provavelmente havia sido arrancado da parede às pressas. Nele estava a representação de um braço humano, nu, marcado com linhas como um guia de açougueiro de onde cortar. O desenho terminava no ombro, ao longo da lágrima.

 

Yangchen pegou o papel dele e examinou-o de perto.

 

— Este é um mapa muito antigo e muito arcaico de acupuntura dos Nômades do Ar. Os caminhos de energia seguem nossas teorias ancestrais sobre o movimento do chi. Há muita sobreposição com o conhecimento médico comum, mas algumas diferenças importantes também. — Ela jogou-o de volta como um velho lendo um boletim informativo durante o chá da manhã. — Chaisee não deveria ter isso.

 

— Você nos disse que ela coleciona livros raros, — disse Kavik.

 

— Ela não deveria ter isso, — repetiu Yangchen. — Nunca vi um desses diagramas fora de um templo antes.

 

— Há mais terreno para pesquisar, — disse Jujinta, seu olhar se desviando para a porta.

 

Eles circunavegaram a clareira em fila única, em vez de pisar na terra macia onde poderiam deixar rastros. Quando Kavik fechava a marcha, viu que não havia imaginado mais cedo — Jujinta estava inquieto. Nervoso até. Seus movimentos eram incomumente rígidos e lentos. Kavik conseguiu tocá-lo no ombro sem ser cortado, um sinal preocupante por si só. — O que houve? Você parece que engoliu um inseto-cavalo.

 

Jujinta fez uma careta. — Este é um lugar amaldiçoado, — disse ele em voz baixa, não querendo que Yangchen ouvisse. — Não deveríamos ter vindo.

 

— O Avatar disse que não há espíritos por perto.

 

— Espíritos, não. — As narinas de Jujinta se dilataram enquanto ele olhava para as árvores. — São os ecos das pessoas que me preocupam…

 

Ele falou com tal certeza silenciosa que os pelos do pescoço de Kavik se arrepiaram. As camas vazias. De repente, o vento através dos galhos assumiu o sussurro de vozes. Os pássaros estavam em silêncio há tempo demais.

 

Psst.

 

Kavik quase pulou fora da pele. — Eu disse para ficar perto, — Yangchen sussurrou novamente. Ela os chamou para um caminho que levava mais fundo na floresta. Não havia sido usado há algum tempo; novos brotos de grama brotavam na terra desgastada.

 

Eles seguiram a trilha como as margens sinuosas de um rio. A selva aqui era tão densa que eles tinham que se espremer pelos árvores às vezes. O caminho se tornou uma linha de vida. Se perdessem de vista o fio, talvez nunca conseguissem voltar à entrada do labirinto.

 

O Avatar, ainda na liderança, desapareceu atrás de uma curva de um matagal. Então Jujinta desapareceu. De repente, Kavik estava sozinho. Em sua pressa para alcançá-los, ele escorregou ao virar a esquina e por um breve momento as mãos que o agarraram pareceram que o arrastariam para o céu.

 

Felizmente, a palma sobre sua boca pertencia a Yangchen. Ela a manteve lá para que ele não fizesse nenhum barulho de surpresa ao ver o grande templo de pedra negra bem na frente deles.

 

A vegetação havia camuflado a edificação tão bem quanto qualquer predador de emboscada. Blocos gigantes de lava endurecida, sem juntas, erguiam-se mais altos que um apartamento em Taku. Nenhuma vinha ou galho desgarrado tocava a construção, como se a selva reconhecesse a aberração em seu meio.

 

Jujinta estava certo. Costumes haviam sido criados para lugares como esses. Evite os bancos de areia. Mantenha-se afastado dos buracos. Não se aproxime do prédio preto.

 

— Precisamos olhar lá dentro, — disse Yangchen.

 

Kavik sabia disso, apesar dos gritos de protesto vindos do fundo de seu âmago. Eles procuraram por uma porta.

 

A pedra esburacada dificultava ver as bordas na alvenaria. Quase perderam a entrada na primeira passagem. Um túnel baixo o suficiente para forçar uma agachada. — Por que dar-se ao trabalho de construir essa estrutura e não se preocupar com uma porta de tamanho completo? — Kavik se perguntou em voz alta.

 

— Porque você não quer que nada escape, — disse Jujinta. — Luz. Som. Pessoas. Talvez o Avatar devesse esperar do lado de fora para sua segurança.

 

— Talvez o Avatar devesse virar este prédio inteiro com dobra de terra e sacudir o conteúdo como se fosse uma cesta, — disse Kavik. — Para a segurança de todos nós.

 

Uma piada fraca, para manter a inquietação à distância. Mas Yangchen respondeu honestamente. — Ainda não sei se isso é necessário. — Ela abriu a mão e uma chama surgiu de sua pele. Carregando-a como uma tocha, ela se abaixou e entrou no túnel de pedra.

 


 

As paredes do túnel eram desconfortavelmente úmidas, como se a pedra respirasse e transpirasse. Eles avançaram rapidamente; não havia vantagem em demorar em uma posição tão vulnerável. Os membros de Jujinta bloqueavam a preciosa luz do Avatar. Como retaguarda, Kavik tinha que frequentemente olhar por cima do ombro para a entrada encolhendo atrás deles. Ele imaginava que alguém que tivesse caído em um poço poderia desfrutar de uma vista semelhante.

 

De repente, o túnel se abriu em uma sala maior, e eles puderam ficar de pé novamente. Yangchen enviou a chama em sua mão para um ponto na parede. Uma tocha montada, usada pela metade, mas com madeira suficiente para queimar.

 

O fogo revelou que eles tinham a sala só para si, exceto por uma grande pilha de sucata de metal sentada no centro. A luz refletia em ângulos salientes. Kavik se aproximou e se inclinou mais perto sem tocar.

 

Aros de ferro. Em tamanhos variados. Alguns dos anéis eram apenas tão grandes quanto uma abóbora, e outros eram tão grandes que haviam sido quebrados em quartos para caber pelo túnel. Embora tivessem sido jogados na pilha sem cuidado, como uma coleção de pulseiras baratas, Kavik notou que as peças poderiam ter sido arranjadas em uma linha contínua do menor para o maior, sem duplicatas.

 

— O que você acha disso? — ele perguntou aos outros. Talvez um fabricante de barris estivesse procurando o tamanho ideal de barril por tentativa e erro.

 

— Não sei, — disse Yangchen. — Mas há algo embaixo.

 

Ela estava certa; enterrado sob o metal havia um objeto coberto por um pano, provavelmente uma cadeira, a julgar pela forma. Yangchen começou a tirar os anéis e jogá-los no canto, pausando apenas para examinar suas mãos com desgosto. — Eles estão gordurosos.

 

Kavik a ajudou. O ferro estava realmente escorregadio com gordura animal, como se as peças tivessem que deslizar contra um componente móvel. Uma vez que o último anel foi empurrado para o lado, ele limpou as mãos em um canto do pano antes de puxá-lo.

 

Ele precisou de um momento para compreender totalmente o objeto que acabara de revelar. — Oh não, — murmurou Kavik. — Não, não, não.

 

Era de fato uma cadeira. Mas os pés estavam parafusados no chão. As pernas, apoios de braço e encosto tinham amarras de couro para se ajustar ao corpo do ocupante. O assento estava manchado de escuro pela sujeira. As extremidades dos braços estavam sulcadas e estilhaçadas onde unhas haviam cavado na madeira.

 

Kavik vomitou. — Saia, — Yangchen ordenou protetoramente, como se pudesse quarentenar seus companheiros antes que a mancha do mal os alcançasse. Ele correu para fora do túnel, segurando os lados, até tropeçar na grama.

 

Após esvaziar seu estômago das rações de viagem, Kavik rolou de costas e tentou esfregar o rosto com a luz do sol. Ele estava tentado a abrir os olhos e deixá-los fritar para tirar a imagem daquela cadeira da cabeça.

 

Jujinta emergiu do túnel. Uma única tosse foi tudo o que ele precisou para se recompor. Ele bateu o punho na pedra, chateado, mas à maneira de um general experiente avaliando suas perdas. — Não deveríamos ter vindo, — ele murmurou.

 

Yangchen saiu. Sem uma palavra, ela os afastou da borda do prédio. Então ela se virou e bateu o pé na terra.

 

Raízes estalaram. Cascalho chiou. A pedra preta, toda a estrutura massiva, afundou direto para baixo, abaixada pelo poder do Avatar tão suavemente quanto um balde em uma roldana.

 

Espere, Kavik quis gritar, as evidências. Se enterrassem os traços dos crimes de Chaisee, não haveria como fazê-la responder por eles.

 

E então sua voz racional assumiu. Evidências de quê? Apresentadas a quem? Havia um juiz justo e imparcial esperando nos bastidores? Poderiam ir a Feishan e pedir que a lei do Rei da Terra fosse aplicada aqui?

 

Kavik observou o buraco se encher, muito doente para se impressionar. Solo solto e lixiviado cobriu a pedra, um túmulo gigante. Uma vez que o ato foi feito, Yangchen exalou e enxugou o rosto, mostrando o esforço de uma façanha que normalmente exigiria o trabalho em equipe de vários mestres. Ela tomou um momento para juntar as mãos e recitar uma oração de proteção repetidamente, implorando aos espíritos para manter esse lugar maldito à distância.

 

Kavik concordou. Certos males precisavam ser enterrados e nunca mais perturbados.

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Capítulo 23