ANTES DE TAKU
A caverna em Taihua, longe demais do Templo do Norte para ser alcançada em um único voo, era apenas uma caverna. Até onde Yangchen sabia, nenhum Nômade do Ar ou Guru residiu lá, e não havia acomodações para proteger do frio.
Uma fogueira, facilmente visível de longe, teria sido uma má ideia. Então, quando Yangchen retornou à boca isolada nas montanhas de Nujian, ela viu Yingsu encolhida contra uma rocha, aquecendo-se com a técnica Respiração de Fogo.
Yangchen não pôde deixar de se sentir estranha ao ver alguém que possui habilidades tão extremas, usar as habilidades mais rudimentares. Era fácil esquecer que a mulher também era uma Dominadora de Fogo que sabia executar o básico. Ela não cozinharia sua comida explodindo-a.
Yangchen saltou de Nujian e pousou na saliência que se projetava da caverna enquanto vagava mais alto na cordilheira. Sob o fraco sol do amanhecer, metade de Yingsu era uma sombra iminente.
— Como está o monge? — ela perguntou enquanto olhava para o vale.
— Mingyur? —Yangchen sentou-se ao lado da Dominadora de Fogo e esfregou os olhos. — Eu rompi seus pulmões e tímpanos. Eu quase o matei.
— Você salvou a vida dele. — disse Yingsu — Eu não sei como, mas Thapa o teria explodido em pedaços. Eu não tenho certeza exatamente do que você fez com o…
Ela procurava as palavras, expandiu a contraiu suas mãos em uma tentativa de descrever o que havia testemunhado. Ela teria certa dificuldade. Por definição, um vazio era invisível, e Yingsu nunca esteve no fim da recepção da técnica proibida de Dobra de Ar que neutralizou Thapa e Xiaoyun em Bin-Er.
Yangchen, na falta de outra opção, tentou extinguir a explosão de Thapa com uma versão violenta e repentina da manobra, centralizando o vácuo no ponto final do tiro.
E os espíritos sejam louvados, funcionou.
Não sem um custo, entretanto. Mingyur havia ficado preso no raio da bolha, sujeito tanto à súbita e instantânea falta de ar quanto à forte turbulência dos ventos que voltavam para preencher o espaço vazio. Yangchen infligiu lhe quase tanto dano quanto a onda de choque de uma explosão real. Ela inovou uma versão pior de uma técnica já mortal.
— Você o levou ao chão. — disse Yingsu — Cobriu-o o tempo suficiente para que Thapa desistisse e recuasse. — A Dobradora de Fogo franziu a testa enquanto processava os eventos. — Ele deve ter escapado com ajuda. Não acredito que seus salvadores o deixariam atirar em mim e em Xiaoyun.
— Eu não sei. — disse Yangchen — Talvez ele atendesse melhor às necessidades deles, e eles não quisessem mais você. Você pode ter sido rebaixada de ativo a ponta solta. Não há como ter certeza.
Yingsu praguejou e chutou com o calcanhar a rocha abaixo. Yangchen a observou com atenção. O perigo que elas enfrentaram juntas e o atentado contra sua vida por parte de seus ex-companheiros, pareciam ter mudado a atitude de Yingsu em relação ao Avatar que a manteve prisioneira por tanto tempo. Peças-chave eram viradas em momentos como este.
— Então Xiaoyun está realmente morto? — perguntou Yingsu.
Yangchen assentiu.
— E você também. Você interpretou um cadáver convincente. — A oportunidade de enganar o mundo se apresentou no hospital, e ela estava feliz por elas terem aproveitado. —Neste momento, sou a única pessoa que sabe que você está viva. Vai continuar assim, desde que você viva discretamente e evite problemas daqui pra frente.
— Você realmente me deixaria ir em liberdade?
Enquanto os Dominadores de Fogo permaneciam sob sua custódia, Yangchen passava todas as noites tentando decidir o que fazer com eles. Ela não havia conseguido encontrar uma solução até agora. Ironicamente, a fuga e a traição de Thapa simplificaram as coisas para ela.
— Se você mantiver a cabeça baixa. — disse Yangchen — Tente causar problemas com sua habilidade e você levantará uma bandeira para muitas pessoas perigosas em todo o mundo, incluindo o grupo que tentou matá-la. Ser caçada não é jeito de viver.
Yingsu soltou um grunhido baixo.
— Para onde eu iria?
— Tenho amigos como você que foram tratados como peões e sofreram por isso. Eu os dei novas vidas. Tenha em mente que eu poderia colocá-la em qualquer lugar do mundo. Privilégios de Nômade do Ar. Posso sobrevoar fronteiras, onde quer que você queira se estabelecer. De qual ilha da Nação do Fogo você vem?
— Eu sou do Reino da Terra. — disse Yingsu, fazendo Yangchen gaguejar de surpresa. — Quero dizer, pelo menos alguns dos meus ancestrais eram da Nação do Fogo, obviamente. Mas venho de uma vila de guias de montanha em Kolau. Sempre pensei que a razão pela qual sobrevivi à Unanimidade, foi porque tinha bons pulmões e estava habituada a respirar ar rarefeito. — Ela olhou para o terreno com o abatimento universal de uma pessoa cuja a aventura não havia saído do jeito que esperava. — Meus pais tentaram se mudar para novos lugares, mas nós fomos pegos no lado errado do Acordo Platina e não conseguimos retornar.
Assim como Kavik. O terreno rochoso que as rodeava seria familiar para alguém que cresceu em Kolau. Yangchen esperou que as farpas da saudade de casa fisgassem a Dominadora de Fogo.
— Há um porém. — disse ela.
— Hmph — Yingsu bufou. — E eu pensei que você era diferente do outro time.
Não diferente o suficiente.
— Quero saber exatamente quantas pessoas no mundo podem fazer o que você faz. — disse Yangchen.
— Eu não posso te dizer com certeza. — Ela viu o olhar que Yangchen lhe deu. — Não, sério. Thapa, Xiaoyun e eu fomos os primeiros a completar o nosso treinamento na ilha. Mas havia outros grupos atrás de nós, ainda nas fases iniciais do programa. — Ela estremeceu. — Eles eram mais jovens.
Haveria tempo para raiva mais tarde. Yangchen decidiu reprimir o calor crescente dentro dela. Neste momento, precisava da cabeça fria.
— Então, me diga onde fica esta ilha para que eu mesma possa verificar. Você não precisa ser exata. As estrelas à noite, pontos de referência, para onde soprava o vento. Se você souber de que direção partiu. Eu tenho que ir lá.
— Eles tiveram o cuidado de nos manter no escuro. — disse Yingsu. — Mas, para sua sorte, a orientação está no meu sangue. Posso lhe dizer onde procurar o acampamento. — Ela fez uma pausa.
— O quê? — Yangchen estava cautelosa. Revelar o que você queria sempre foi a parte mais vulnerável de qualquer negociação. Ela não ficaria surpresa se um dos ex-aliados de Thapa tivesse aprendido uma coisa ou outra com ele sobre pedir mais compensação.
Mas Yingsu tinha uma necessidade diferente em mente.
— Você disse que não confiava totalmente em seus companheiros. Se de repente você souber onde a Unanimidade foi desenvolvida, ficará óbvio que você descobriu de uma fonte de primeira mão.
— Alguém poderia deduzir que você ainda está viva.
Esperto da parte dela fazer a conexão. Yangchen achou uma pena não poder fazer de Yingsu uma membra honesta do grupo. Chaisee desperdiçou seu potencial em poder destrutivo em vez de aproveitar sua inteligência.
Isto era um problema. E a solução era feia.
— Eu… poderia criar uma farsa. — murmurou Yangchen. — Executá-la com minha própria equipe. Fazê-los completar uma missão falsa e afirmar que foi assim que descobri sobre a ilha.
As vantagens desse truque eram muitas. Uma missão para lugar nenhum, atacando um alvo inútil, não apenas manteria uma fonte valiosa como Yingsu escondida da Lótus Branco. Também poderia convencer Chaisee de que o Avatar estava perseguindo desesperadamente poeira no vento e acalmar a zongdu com uma falsa sensação de segurança, pouco antes de Yangchen realmente partir para a ilha. O bode expiatório ideal se apresentaria até mesmo em Taku.
— Mas eu teria que mentir para meus companheiros. — ela considerou em voz alta. — Mais do que já menti. Mesmo uma tarefa fácil tem riscos.
— Este é o mesmo grupo que te ajudou a derrubar a mim, Henshe e os outros?
Yangchen não respondeu. Em Bin-Er, Kavik, Jujinta, Tayagum e Akuudan correram voluntariamente um perigo mortal por causa dela. Tirar vantagem de sua lealdade seria ultrapassar os limites
— Vou assumir como um sim. — Yingsu disse. — Eles ficarão bem. Se você não pode confiar em seus amigos, pelo menos confie que eles são competentes. Seu pessoal é qualificado.
Yangchen não queria mais insistir no assunto por enquanto. Ela teria tempo de decidir o quão baixo ela iria afundar.
— Fique de pé. — ela disse para Yingsu. — Há outra tarefa que quero de você como parte deste acordo.
A Dominadora de Fogo não corrigiu sua linguagem, dando a entender que o acordo já havia sido fechado. Um bom sinal. Ela se levantou e continuou subindo e subindo. Yangchen teve que dar um passo para trás. Ela tinha esquecido o quão alta a mulher era.
— Bem? — perguntou Yingsu.
— Eu quero que você tente me explodir.
— O quê!
— Você vai executar sua técnica, e eu vou ver se consigo repetir, no comando, o truque que eu usei para salvar Mingyur. Eu quero ser capaz de anular Thapa por completo se nos encontrarmos de novo, mesmo se ele estiver me atacando diretamente. Você vai ser minha parceira de treino.
A saliência na frente da caverna era bastante longa, com espaço suficiente para aguentar um Agni Kai, caso a ideia as levasse. Yangchen caminhou até o outro lado e se virou. Ela tinha visto o controle de Yingsu com seus próprios olhos, quão pequena e focada era a explosão que ela poderia fazer, em oposição às explosões exageradas de Thapa e Xiaoyun. Pelas suas estimativas, este exercício era viável. Apenas meia loucura. A vantagem que ela teria ao ter sucesso era imensurável.
A Dominadora de Fogo olhou para ela do outro lado da planície, ainda em estado de choque.
— Você tem o desejo de morrer!? Eu não vou atirar em você à queima-roupa!
Yangchen contou nos dedos as razões pelas quais ela deveria fazer exatamente isso.
— Salvei você de sangrar em Bin-Er, salvei você de Thapa e tenho as chaves para sua chance de viver em paz para sempre. Você está tão dentro no meu bolso que está coberta de fiapos. Se eu quiser que você me ataque, você vai me atacar.
Direcionar esta relação florescente de volta para questões de dívida poderia ter sido a escolha errada. Mas Yangchen precisava extrair o máximo de valor possível de sua ex-prisioneira enquanto tinha chance, por uma razão que ela nunca admitiria a ninguém.
Eu poderia apenas ter te matado. Se Yangchen tivesse simplesmente eliminado os três Dominadores de Fogo, com a mesma crueldade que o irmão de Kavik mostrou a Henshe, então, todos os seus problemas teriam sido resolvidos.
Por lógica, ela deveria ter feito. Ela deveria ter negado a Chaisee a oportunidade de roubar de volta seus ativos. Ela perdeu a chance de eliminá-los no calor da batalha, quando teria a justificativa do caos em desdobramento. Eu estava defendendo a mim e a Bin-Er. Um ato muito mais sombrio teria sido perder seus prisioneiros nas montanhas, uma vez que ela os achou relutantes em falar. Um fardo terrível paro o espírito, mas para o espírito dela, aquele que o mundo considerava um sacrifício razoável por um bem maior.
Tudo teria sido muito conveniente. Outro Avatar teria feito, facilmente. Disso ela tinha certeza, por ter vivido muitos momentos similares.
Mas ela não agiu por impulso. E agora a noção de que o mundo estaria melhor se ela tivesse feito a escolha racional de eliminar três pessoas altamente perigosas, deitaria para sempre com ela na cama. Sentaria com ela quando ela meditasse, jantaria da mesma tigela na hora das refeições e tingiria cada pôr do sol daqui em diante.
Eu preciso saber que minha misericórdia valeu alguma coisa, ela pensou enquanto olhava para Yingsu. Eu preciso saber que manter você viva até agora não foi um erro. Que há méritos no perdão e na clemência. Ou então eu não tenho mais nada em que me apoiar.
Ou então não havia mais sentido em ser Yangchen.
— Qual o problema? — ela zombou — Está com medo de matar o Avatar? Você não era tão covarde em Bin-Er.
Yingsu massageou a pele da testa com o polegar. Yangchen podia imaginar que sua dor de cabeça vinha em tons de laranja e amarelo.
— Como você sabe que não vou imediatamente te dar um tiro mortal e escapar?
Yangchen apontou para Nujian, ainda flutuando no ar.
— Ele está carregando seus suprimentos e fugirá se você me matar. Uma montanhista experiente como você sabe que suas chances de sair daqui sem ajuda são mínimas ou nulas.
A boca de Yingu se achatou.
— Você é uma garotinha horrível, sabia?
Ela sabia. Muito bem, na verdade. A Dobradora de Fogo suspirou quando percebeu que Yangchen não cederia.
— Vamos. — disse Yingsu. Ela apontou para um pedaço de terreno plano mais abaixo. — Precisamos do dobro da distância para que isso tenha uma chance remota de ser seguro.
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