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O Legado de Yangchen: Anteriormente

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— Admita. —  Kavik disse enquanto ele extraía água das pilhas de toalhas de linho úmidas que estavam organizadas diante dele, agrupando a umidade em uma esfera oscilante. — Todo esse negócio de recrutamento para uma sociedade secreta foi só um jeito de me fazer lavar roupa. 

 

—  Consigo achar lavadores de roupa melhor que você nessa cidade. —  Mama Ayunerak disse. — Também consigo achar recrutas mais promissores, por falar nisso. — Ela balançou seu punho para um barril próximo e mandou o dobro de água até as toalhas que ele estava dobrando, molhando-as mais uma vez. — De novo. Mais seco. Adicione ao que você já tem.

 

Várias das pilhas limpas caíram sob a força da dobra de água de Ayunerak, mas não adiantava reclamar. A regra de não mover o tecido se aplicava a ele, não a ela. Assim como a demanda de rapidez. E rigidez. E movimentos reduzidos. 

 

Acima de sua cabeça ouviu-se as pisadas dos visitantes de Gidu Shrine, os residentes de Bin-Er que prestavam respeito aos ancestrais e espíritos. Ele conseguia ouvir baques quando eles abaixavam seus joelhos para fazer uma reverência, e conseguia decifrar as leves palmas de mãos se unindo antes de acender um incenso. A existência de um porão secreto foi uma grande surpresa quando Ayunerak lhe mostrou sua nova casa, onde ele esperaria a poeira baixar. Na única vez que ele fez um trabalho dentro do santuário, ele atravessou o telhado.

 

— Pare de fazer essa cara. —  Ayunerak disse. —  Você sabe que esse exercício pode significar vida ou morte. 

 

Ela havia explicado diversas vezes. Os operários da Lótus Branca, e qualquer outra organização clandestina, precisavam se mover sem deixar rastros. Um Dobrador de Água em uma cidade que não era coberta de gelo e neve, como Bin-Er, seria forçado a drenar seu ambiente antes de usar seus elementos, caso quisesse manter sua presença escondida. E conseguiu evitar congelar até a morte na Mansão Azul, dobrando a água para fora de seu corpo, mas nunca pensou sobre onde ela ia parar. 

 

— Os Dobradores de Terra precisam empacotar a terra que usam? — Kavik perguntou. — Os Dobradores de Fogo estão sem sorte se queimarem algo que não conseguem esconder?

 

— Sim. —  Ayunerak respondeu se uma lasca de humor. — Já perdemos pessoas desse jeito.

 

Ele acreditava nela. Kavik já descartou corpos em Jonduri e viu um homem ser assassinado com seus próprios olhos. Ele faria o que fosse preciso para não ser empalhado em uma embalagem ou virar comida de tubarão-lula. Ele continuou secando. Secou seu coração. Secou como o vento.

 

— Quando eu falo pare de fazer essa cara, eu estou falando sério. — Ayunerak protestou. — Talvez você tenha que dobrar sem ser notado enquanto está sendo observado e você não quer dar nenhum sinal. Essa coisinha que você faz com seus lábios está piorando.

 

Kavik não sabia que ele fazia uma coisinha com seus lábios, mas ele os fechou de qualquer jeito e se concentrou. Ayunerak era uma sifu rígida, mas também era o único apoio que tinha sobrado em Bin-Er. Seus pais receberam passes para retornar à sua casa em Long Stretch, no Norte, onde eles permaneciam salvos e alheios aos negócios de ambos seus filhos. Até onde eles sabiam, Kavik ainda trabalhava com o Avatar. E não se escondendo em um abrigo secreto da Lótus Branca até as autoridades das Quatro Nações perderem seu rastro.

 

Se as circunstâncias fossem diferentes, ser explorado para se juntar aos amigos de Ayunerak seria emocionante. Uma sociedade antiga que opera nas sombras, dedicada à filosofia, beleza e verdade? A chance de mexer nas cordas do lado longe de lealdades nacionais para manter a paz mundial? Ele se deixava imaginar que talvez Bin-Er não fosse uma força de corrupção na sua vida. A cidade o havia deixado em tantos problemas que lhe deu as habilidades necessárias para servir uma causa maior. 

 

Mas rapidamente ele percebeu que a Lótus Branca se protegia criando paredes entre seus ramos, mantendo a mão direita separada da esquerda. Kavik era a unha do dedo mindinho, um novo crescimento que poderia ser aparado bem como mantido. Se o abrigo secreto fosse o cais de chamada para aventuras, Kavik estava preso nas docas de carregamento. Ele deduzia que Ayunerak ainda estava discutindo sua admissão com seus colegas.

 

— Esse trabalho é sobre esperar. — Ela disse em um momento raro de simpatia. — Por essa razão, não é diferente das tarefas mesquinhas que você fazia para os shangs.

 

Enquanto isso, ele treinava perto de potes de plantas vazios e pilhas de raízes desidratadas, ferramentas de manutenção que não haviam sido tocadas desde de o Acordo de Platina. Outros produtos que cobiçavam a utilidade de novo. Ele deixou o abrigo secreto somente sob supervisão minuciosa e quase não controlou sua vontade de arrancar seus olhos durante ataques de loucura induzidos pela monotonia. Ele mal notava o cheiro de mofo. 

 

Kavik ouviu um padrão de pisadas da parte de cima. Ele parou seu trabalho, reconhecendo a marcha e a quem ele pertencia. Seus dedos se dobraram, prontos para uma briga. 

 

Assim que viu o par de pés no topo das escadas, ele lançou a água que tirou das toalhas, congelando as solas do intruso nas tábuas de madeira. A lição número um do treinamento de combate de Ayunerak. Bata primeiro antes que o inimigo te veja como um inimigo. Do, o Dobrador de Fogo que comandava a equipe de cozinheiros, se inclinou tão violentamente que caiu de suas botas, amaldiçoando o nome de Kavik enquanto caia. 

 

Ayunerak reagiu com uma rapidez deslumbrante. Ela descongelou a água que Kavik usou – Lição número dois, quando você não tem outra escolha, dobre o que seu oponente estiver dobrando – e a varreu em um em volta do cômodo.  Ela pegou as toalhas em uma teia de água – lição número três, mexa seus arredores com seu elemento quando você não tem muito de seu elemento – e o empurrou em uma pilha no final das escadas. Do caiu nos panos, ileso. 

 

Ele se levantou e açoitou um pano úmido de seu rosto bochechudo.

 

— Você quase quebrou meu tornozelo seu imbecil!

 

Kavik deu de ombros. Talvez por ser dez anos mais velho, Do pensou que era normal colocar uma adaga na garganta de Kavik da última vez que eles lutaram, perto o suficiente para deixar uma linha de bolhas. Um retorno estava por vir. 

 

Ayunerak fez um gesto de cala a boca para Kavik, mesmo ele não ter falado nada.

 

— Porque você está aqui? — Ela perguntou a Do. O Lótus júnior deveria visitar uma vez a cada três dias. Alguma coisa estava errada.

 

Ele acenou para sua superior chegar mais perto e sussurrou em seu ouvido. Ayunerak ouviu, com a cara séria. Ela não perdeu tempo com respostas quando Do terminou de transmitir longa a mensagem.

 

— Diga a eles que eu cuido disso. — Ela disse. 

 

Kavik estava cheio de perguntas. Quem eram eles? Eles eram mais poderosos que a Mama Ayunerak? Quão alto nos níveis da sociedade comum a Ordem do Lótus Branco alcançava? O que ela ia cuidar?

 

Ayunerak indicou com a cabeça o piso de cima para Do, indicando que ele deveria sair. O jovem Lótus hesitou quando percebeu que os planos de sua superior não o envolveriam, então ele fez uma carranca incrédula na direção de Kavik, enquanto colocava suas botas. Kavik não resistiu e deu um tchauzinho com as mãos enquanto ele saia. 

 

A presunção era só um espetáculo; ele não tinha nenhuma garantia que Ayunerak o privilegiaria com alguma informação.

 

— Porque ele veio aqui? — Ele perguntou, hesitantemente.

 

Ela o olhou da cabeça aos pés, como se comparasse seu crescimento em um gráfico. Ele não sabia o quanto teria mudado, plantado abaixo da superfície da terra. 

 

— Vou levar você para casa. — Ela disse. 

 

Casa. A Tribo da Água do Norte. 

 

— A poeira baixou??

 

— Com certeza ainda não.

 


 

Uma coisa estava clara – Ayunerak tinha influência. As barreiras do escritório de controle de passagem de Bin-Er caíram diante da sagacidade de seus sussurros, e os dois estavam em um barco para Agna Qel’a na manhã seguinte. Nenhuma vez, durante caminhada até o escritório do Capitão do Porto, para a espera ansiosa nas docas enevoadas e até a entrada no Clipper esguio, lhe perguntaram seus nomes, falsos ou verdadeiros. 

 

Não foi tão fácil assim com a Avatar. Ela foi forçada a esconder Kavik no Templo do Ar do Norte como uma encenação só para conseguir colocá-lo sob as águas. O pensamento incômodo de o quanto Yangchen executou com poucos recursos fez com que ele fosse até a grade do barco para sentir o vento e borrifo gelado em seu rosto. 

 

— É bom você preparar seu estômago para o mar, imediatamente.  — Ayunerak disse quando ela o viu apoiado o máximo que conseguiu em direção ao seu destino. Ela pensou que ele estava enjoado. 

 

— Vamos ficar no estilo-bolha, como te ensinei. 

 

No porão tinha um Umiak, aberto em cima e suficientemente espaçoso para levar várias pessoas. Quando os Clippers chegaram no ponto de entrega, ainda longe do litoral, a tripulação abaixou o barco na água com Kavik e Ayunerak dentro. Os dois remaram com suas dobras, sem remos. A rapidez era mais importante que a resistência.

 

O Umiak deslizou sob as ondas sem fazer barulho. À frente, um promontório feito de gelo fazia guarda na costa. A torre natural era um posto de vigia que eles precisavam atravessar. 

 

Ayunerak já estava posicionada, navegando agachada, com seus braços segurando os lados. Kavik fez o mesmo, ficando o mais baixo possível. 

 

— Pronto. — Ele murmurou.

 

O impulso os levou adiante enquanto ela fazia a contagem regressiva para o momento certo.

 

— Vire. — Ayunerak mandou. 

 

Juntos, eles se inclinaram bruscamente para o lado, puxando a borda a estibordo, balançando a embarcação. O fundo do Umiak subiu e ficou em cima deles como uma vieira-pargo gigante protegendo sua pérola. Kavik se segurou firmemente em seu acento.

 

Ayunerak fez o mesmo, mas ela tinha uma tarefa mais difícil quando eles viraram. Ela empurrou a proa mais fundo no mar usando seu peso e dobrou uma bolha de água ao redor deles com sua mão livre. Todo o casco mergulhou abaixo da superfície e reteve ar respirável. Eles ficaram de cabeça para baixo em um pequeno casulo que ela criou.

 

— Fica mais abaixado. — Ayunerak disse sob seu ombro, com a voz tensa. — E volte à mesma velocidade.

 

Sangue já corria pela cabeça de Kavik. Abaixado junto do barco, ela quis dizer. Ele se achatou para longe da barreira que os protegia de um oceano gelado e empurrou o Umiak adiante,  em uma série de empurrões com um braço.

 

Eles navegaram invertidos, abaixo do posto de vigia, deslizando através de um mundo espelhado escondido, seu céu escuro e mortal. Nada abaixo deles, somente uma caída para as nuvens. Os ombros de Kavik queimaram e as amarras que ele segurava cortaram seus dedos até que ficaram dormentes. O silêncio deles poderia enganar outro passageiro, pensando que o truque de fazer as coisas escondidas era simples, mas na realidade eles estavam tentando seu máximo para não morrer.

 

Ayunerak perdeu sua garra por um momento. A bolha de ar cedeu; Kavik ficou com o rosto cheio de água do mar e sal ardente invadiu sua garganta enquanto ele chegava para trás no casco. A parede de gelo se aproximava, uma faixa azul fantasmagórica pintada ao longo da água azul, e ele pensou ter visto a entrada do túnel secreto que eles estavam direcionados. Um buraco com o formato de uma flor Crocus. 

 

Mas os músculos de Ayunerak estavam tremendo abaixo de sua parka. Eles precisavam chegar lá, agora. Kavik segurou os lados da embarcação com os dois braços e chutou ferozmente, dobrando com seus pés, um ato menos comum para seu estilo. A água atrás deles formava um bico lateral e os impulsionou adiante. Ele já viu a Avatar fazer essa manobra no céu, com seu elemento nativo. 

 

Eles recuperaram a rapidez perdida e até mais. O ar escapava, deixando-os sem nada para falar. A última coisa que Kavik ouviu de Ayunerak foi um truncado:

 

— Para cima! Nossa cima! — Mas ele não tinha nenhum controle ou visão agora. Ele tinha que confiar que a Lótus superior pousaria eles no alvo.

 

Ele ouviu o estalo de uma crosta de gelo quebrando e, subitamente, o Umiak saiu de seu alcance. Ele deslizou ao longo de uma rampa congelada que girava e rodava como o trato intestinal, até cair em uma superfície aberta de algum material, com a água do oceano formando uma poça em volta. 

 

Eles estavam em uma caverna na parede de gelo, iluminada por lâmpadas de óleo. O barco estava ao lado, com o casco destruído. Kavik olhou para cima e viu uma jovem com uma trança correndo em direção a eles, suas mãos cobertas de água como um médico. 

 

— Seu idiota! — Ela gritou para Kavik. — Você poderia ter matado a Executora!

 

— Não, — Ayunerak disse, Ela se sentou e estalou suas costas. — Ele fez a escolha certa. Nós seríamos vistos se ele não tivesse agido tão depressa. — Ela fez um aceno a Kavik, um gesto que chegava a ser respeitoso.

 

Um presente raro. 

 

— Essa não foi a primeira vez que eu me precipitei para uma entrada. — Kavik percebeu o fato de que, no meio de sua angústia, seu contato havia deixado escapar o título de Ayunerak para o Lótus Branco. Depois ele descobriria onde uma Executora se encaixava na organização.

 

— Eu também estou bem, caso você se interesse. 

 

A jovem o olhou com desconfiança e se agachou mais perto de sua superior, como se pudesse separar Kavik com seus ombros.

 

— Nossa amiga…

 

Ayunerak usou a água do mar derramada para fechar o túnel atrás deles. 

 

— Você pode dizer “Avatar”, Ivalu. Estamos na presença de pessoas da organização. Ela já se reuniu com o chefe?

 

— Sim mas… — Ivalu olhou mais uma vez em direção a Kavik antes de continuar — Nós perdemos ela, já faz um dia. 

 

— Ela não está mais em Agna Qel’a? — Ayunerak se manteve serena, com esforço.  Ela fez um gesto preventivo, para terem calma. — Ela escapou de nossos guardas?

 

— Eu acredito que não. Ivalu disse, mesmo parecendo não ter muita certeza. — Seu bisão e os lêmures ainda estão aqui e ela não veio com um cajado.

 

Para Kavik algo nesse depoimento não fazia sentido. 

 

— Pera aí. — Ele disse. — Como você sabe onde estão os lêmures? — Pik e Pak eram duas desgraças voadoras. Eles iam e vinham quando queriam e podiam desaparecer nos céus. Eles conseguiam se esconder em fendas e atacar sem serem vistos, de qualquer ângulo.

 

— Eles estão sobrevoando a parte de trás do templo do chefe, só uivando e arranhando o gelo. —Ivalu disse. — Eles não saem de lá desde-

 

— Ontem? — O olhar de Ayunerak era acusatório. — Você sabe que parede é aquela, não é?

 

— Não somos tolos, verificamos lá para ver se ela estava meditando no oásis. — Ivalu falou. — Ela não está lá.

 

Kavik não conseguia deixar passar a sensação em seu estômago. Eles estavam falando do Oásis Espiritual. As crianças da Tribo da Água cresceram ouvindo histórias sobre o calor, a maravilha e a beleza da enseada. No entanto, algumas dessas histórias eram de alerta. A criança imprudente que entrava lá sem respeito sempre aprenderia uma lição. 

 

Kavik já teve seu encontro com, provavelmente, espíritos. Anos atrás, depois que ele e seu irmão, Kalyaan, se perderam em uma nevasca, sobreviveram por um triz. Eles contaram a seus pais sobre a rota que eles fizeram. Seus pais tiveram a mesma reação de Ivalu. Mas nós verificamos esse caminho nesse dia. O tempo estava ótimo. Nós não encontramos vocês…

 

— O corpo dela. — Kavik disse. — Você quer dizer que o corpo dela não está lá.

 

A lâmpada cintilou. O grito de Ayunerak ecoou pela caverna.

 

— Nós precisamos ir! Agora!

 


 

Kavik tinha ido à capital da Tribo da Água do Norte algumas vezes quando era criança, para os festivais da Lua Nova. As torres de Agna Qel’a eram e continuam sendo mais altas que qualquer construção que ele já viu. Durante as celebrações diurnas, a luz do sol batia nos tetos de escama de peixe e espalhava nas paredes uma chuva de pérolas. Artesãos moldavam grandes blocos para honrar os lugares onde nasceram, seus anciões e suas lendas, talhando e congelando histórias nas paredes, encantando os cidadãos com a maleabilidade da água. 

 

Agora, Ayunerak e Ivalu correm pelas ruas sob um luar fraco, as várias histórias nas residências, apagadas por sombras, pareciam estar se inclinando sobre ele, como gigantes com um interesse intenso e perturbador sob os insetos a seus pés. Eles chegariam a tempo? Eles conseguiriam correr rápido o suficiente?

 

Ayunerak os guiava por curvas e voltas de corredores, e as ruas principais só apareciam parcialmente, com as pontas do canal passando. Eles estavam pegando a rota menos exposta, para que os guardas de patrulha não os vissem. Mesmo com a vida do Avatar potencialmente em perigo, eles sacrificavam sua rapidez pela clandestinidade. 

 

Uma mistura de mãos e joelhos por um túnel pequeno os colocou em um pátio. Kavik teve que tirar seus olhos do palácio imenso que subia pelo céu escurecido. Ele estava invadindo solo real e não sabia qual seria a punição, caso fosse pego. Ele nunca ouviu histórias que advertissem uma situação assim, quando era criança.

 

Ayunerak os levou até um portão de madeira da parede de gelo. Duas sombras se agarravam às maçanetas, sibilando. Kavik pensou em um par de demônios malevolentes mandados por espíritos superiores para guardar a passagem. Mas era só Pik e Pak. 

 

Assim que viram Kavik, eles pularam em seu rosto. Ele precisou fazer muito esforço para não gritar e balançar os braços. Eles cheiraram seu cabelo, o reconheceram e começaram a pular de cima abaixo em seus ombros. 

 

Eles deveriam estar pedindo para que se apressem.

 

— Fiquem aqui. — Ele disse, antes de se sentir incrivelmente estúpido. Yangchen conversava com eles o tempo todo, mas ele supunha que suas respostas faziam parte de um tipo de conexão de Avatar, não porque eles entendiam falas em comuns.

 

Para sua surpresa, eles pularam e voltaram a ficar empoleirados no portão. Ayunerak pediu que Ivalu ficasse vigiando. Quando ela abriu a porta redonda, uma lufada de ar quente atingiu o rosto de Kavik. Ele entrou rapidamente, por força do hábito, para não desperdiçar nenhum calor. Ayunerak o seguiu e fechou a barreira, prendendo-os lá dentro.

 

Sem precisar ser instruído, Kavik baixou sua cabeça. Ele e Ayunerak pressionaram suas mãos e rapidamente murmuraram palavras de respeito, proteção e agradecimento que eram meramente humanas. Ele andou junto com sua anciã e, quando ela ficou em silêncio, ele abriu os olhos. 

 

Na frente deles, um lago tão transparente quanto vidro. Alguns curtos lampejos na superfície mostravam a presença de água. Na ponta, um fluxo fino caia, na metade de seu caminho, em uma plataforma de gelo, antes de terminar sua descida atrás de uma ilha verde emitindo vida. O arco com formato inclinado do Oásis Espiritual resplandecia à distância. 

 

Ninguém mais estava lá. Chegaram tarde demais? Cedo demais? Completamente errados? Ele ia começar a andar, mas foi parado por Ayunerak. Sua resposta era sempre esperar. O assobio constante da cachoeira fazia Kavik se sentir preso em uma ampulheta. O ar dentro da enseada era denso e difícil de respirar. Ele limpou o suor em sua testa com seu punho. 

 

Esse movimento revelou Yangchen deitada na ilha.

 

A Avatar, bem ali, sendo que um segundo atrás ela não estava lá. Kavik teve que esfregar seu rosto de novo e de novo algumas vezes para ter certeza de que não havia conjurado uma ilusão sem querer. A única explicação que ele conseguia pensar é que ele testemunhou seu retorno do Mundo Espiritual para o mundo físico.

 

Seu corpo se sacudiu subitamente, com seu cotovelo elevado, como se estivesse amarrado por cordas.

 

— Algo a seguiu. — Ayunerak disse. — Algo a seguiu de volta.

 

A pele de Kavik se arrepiou. Yangchen se virou, sua cabeça mole. Seus olhos brilharam, lançando uma luz na caverna. Pela luminosidade, ele viu um o nevoeiro balançando de um lado para o outro, ancorado ao Avatar mas com dificuldade de se soltar. Os vapores cresceram e se transformaram em um aglomerado opaco e viscoso que arrastou Yangchen de um lado para o outro sob a grama. 

 

Não havia espaço suficiente para duas pessoas em nenhuma das passarelas finas que se estendiam ao longo das bordas da enseada. Kavik e Ayunerak se separaram, correndo para chegar na Avatar. Kavik chegou primeiro na ilha e tropeçou pela nuvem não-natural, balançando seus braços. Ele alcançou Yangchen e tentou tirá-la para protegê-la, mas uma conexão umbilical resistiu a ele. Ayunerak correu pela ponte oposta, removendo água da parede de gelo, formando uma lâmina líquida e cortando a neblina que se solidificava acima da ilha central. A amarra no Avatar não afrouxava.

 

Yangchen convulsionou em seus braços. Enquanto Ayunerak tentava acertar golpes contra o inimigo imaterial, Kavik olhava em volta, desesperado por alguma ideia. 

 

Seu olhar caiu na piscina sagrada no coração do oásis, considerado diferente de qualquer água do mundo. Ele provavelmente seria perdoado nessa situação, não é? Yangchen era a Avatar dos espíritos também.  Eles precisavam da ponte entre dois mundos tanto quanto os humanos. 

 

Por qualquer juramento, me desculpe por isso. Kavik puxou a água do pequeno lago. Ele quase pegou uma das carpas Koi eternas na sua bolha e estremeceu quando ela pulou de volta para sua casa, respingando. Quando ele pegou o suficiente, ele jogou sobre o Avatar como um cobertor.

 

Ele só pensou em protegê-la. Mas assim que a água ficou entre ela e a neblina, um giro silencioso  fez com que ele perdesse o equilíbrio. Ele cobriu suas orelhas, mas isso não ajudou. A névoa gritou com uma voz que ele ouviu no fundo de seus ossos. 

 

Suas lágrimas o cegaram. Quando ele olhou para cima, a nebulosa havia partido, como se todo esse ataque tivesse sido uma alucinação compartilhada. Ele não conseguia ver nenhuma fenda no oásis. 

 

Ele ouviu uma tosse atrás de si. Kavik se virou e viu o Avatar se sentando. A água sagrada do lago das carpas que havia repelido o espírito hostil era apenas uma poça agora. Yangchen tirou seu longo cabelo molhado do rosto. Sua boca caiu quando viu quem a resgatou. 

 

Uma pausa profunda se instalou. Kavik nunca esteve na presença de tanta concentração de sabedoria e autoridade. O Avatar, Mestre dos Quatro Elementos e a Executora, membro superior da Lótus Branco. Ambas tinham o poder de moldar o mundo. 

 

— Sabe, é por isso que jornadas espirituais são feitas em dupla. — Ayunerak disse para Yangchen no mesmo tom que ela usava para repreender Kavik sobre as os detalhes de secar um papel. — Segurança básica.

 

Yangchen se deitou de novo e virou-se de lado.

 

— Você não é minha chefe. — Ela murmurou.

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Capítulo 5