A névoa estava se dissipando e o sol estava se pondo quando Malaya chegou às cavernas. Elas ficavam escondidas no final do vale, a entrada era uma fenda rochosa coberta por raízes pendentes e cortinas de vegetação. Formadas por antigos fluxos de lava, a rede labiríntica de túneis se aprofundava nas montanhas. No seu coração estava a vasta câmara da Caverna Sagrada, que Malaya nunca havia visto. Apenas Ulo e os outros dobradores tinham permissão para entrar no espaço de Yungib.
Malaya desmontou de Kilat e desceu na cova, mordendo o lábio. Seus pés estalaram no cascalho solto enquanto ela se dirigia para onde os outros da aldeia haviam dito que ela encontraria o chefe do clã. O ar estava úmido e fresco, o caminho ficando mais escuro a cada passo. Mas Malaya tinha um senso de direção aguçado e sabia que não precisava ir muito longe.
Logo, ela encontrou Ulo em um corredor a uma curta distância da entrada. Ele estava retocando um dos muitos murais de carvão nas paredes que retratavam os eventos mais significativos da história da ilha, seu longo cabelo grisalho amarrado para trás. Sua lanterna tremeluzia no chão ao lado dele, lançando uma longa sombra oscilante em direção a Malaya.
Ulo não parou de trabalhar quando ela se aproximou. Seus olhos tinham o olhar focado e distante de alguém tão possuído por uma tarefa que o resto do mundo havia desaparecido.
Então, ela continuou esperando. Suas palmas estavam suando, seu coração estava acelerado, e sua mente ainda estava revirando com o que aconteceu com os Dobradores de Terra – e com o que Amihan havia lhe contado. Ela não sabia se estava mais assustada em entregar a notícia de seu fracasso ou em receber o próximo conjunto de instruções dele.
Depois de mais alguns momentos, Ulo finalmente olhou para Malaya. Ele ofereceu sua mão livre, e ela pressionou as costas dela contra sua testa no sinal tradicional de respeito pelo chefe do clã. Ele retirou a mão quando ela recuou.
— Você falhou — ele adivinhou, os olhos azuis perfurando os dela.
Malaya assentiu. Ela resumiu o que aconteceu nas cachoeiras. Então, abaixou os olhos e esperou pela raiva de Ulo, esperou que ele criticasse tanto o plano mal concebido de Malaya quanto a colossal negligência de Amihan.
Em vez disso, ele simplesmente suspirou e voltou sua atenção para o desenho na parede, que retratava o Despertar de Yungib, e voltou ao trabalho.
A chama da lanterna tremeluzia. O carvão arranhava a pedra. O silêncio de Ulo se prolongava.
Deveria ela dizer algo? Pedir desculpas? Apresentar um novo plano para afastar os Dobradores de Terra? Ou simplesmente ir embora?
— Você se lembra da história do clã Ibalon? — ele perguntou finalmente, enquanto continuava a retocar o mural.
— Sim, Ulo.
Ele contou a história de novo, de qualquer maneira.
— Há muito tempo, o clã Ibalon vivia ao longo do rio Oryol. Um dia, um grupo de Dobradores de Água naufragou na costa sul. Em sua busca por ajuda, eles descobriram a aldeia Ibalon.
Ulo fez uma pausa, recuou para examinar o desenho e retomou seu trabalho.
— Apesar dos conselhos dos outros chefes de clã, os Ibalon decidiram acolher os sobreviventes. Eles cuidaram dos feridos, compartilharam sua comida e bebida, ensinaram seus modos e até ajudaram a construir um novo navio. Os Dobradores de Água transbordaram de gratidão e juraram amizade eterna. Antes de voltarem para casa, o chefe dos Ibalon pediu que eles nunca contassem a ninguém sobre a ilha. Eles prometeram que não contariam. — Ulo recuou da parede novamente, limpou as mãos e olhou para Malaya. — E o que aconteceu depois?
Malaya limpou a garganta.
— Algumas luas depois, mais Dobradores de Água chegaram – e exterminaram os Ibalon da beira do rio.
Ulo assentiu.
Mas isso era verdade? Da última vez que ela o ouviu contar a história, era o rio Tunasan, não o Oryol. Ela não era tão ingênua quanto Amihan pensava. Ela simplesmente aprendeu a não questionar Ulo.
Mas ao fazer isso, ela estava ignorando voluntariamente verdades mais sombrias?
Talvez nunca tivesse existido um clã Ibalon. Talvez tivesse existido, mas eles mataram os Dobradores de Água à primeira vista. Ou talvez fosse um dos outros clãs da ilha – talvez o dela – que destruiu o povo do rio.
Eram exatamente o tipo de perguntas que ela aprendeu a não fazer ao longo dos anos, o tipo que ela mantinha trancadas para sobreviver.
No entanto, aqui estavam elas agora, arranhando o fundo de sua boca como animais enjaulados lutando para escapar.
— Os Dobradores de Terra estão se movendo mais para o interior — ele disse, — e agora eles sabem que estamos aqui. O que devemos fazer a seguir, Malaya?
Uma sensação de afundamento se instalou em seu estômago. Era um teste, e ela sabia o que deveria dizer. Amihan estava certa. Algum estrangeiro alguma vez navegou para casa em segurança, ou eram todos ossos na terra desta ilha?
Mas ela não conseguia se forçar a dar a Ulo a resposta que ele queria. Os Dobradores de Terra não eram uma ameaça. Os guardas só a atacaram em legítima defesa. Como Ulo esperava que ela os matasse todos?
Malaya balançou a cabeça.
— Tem que haver outro jeito.
A boca de Ulo se curvou em um sorriso amargo.
— Oh?
— Eles não merecem morrer.
O chefe do clã cerrou os maxilares e travou os olhos com Malaya. Ele estava lhe dando uma chance de se desculpar, de retirar o desafio de seus olhos, de dizer que ela havia se expressado mal e que sim, claro, ela faria o que fosse necessário e havia mais alguma coisa?
Mas ela não fez.
Ulo soltou o carvão e levantou as mãos rapidamente. Uma massa repentina de gelo se formou ao redor de Malaya, envolvendo todo o seu corpo em um choque de frio ardente.
— Nós merecemos morrer? — Ulo disse. Através do gelo, sua voz estava abafada, sua imagem fractal, suas palavras gotejando com desprezo pela insolência dela.
Mas Malaya não conseguia mover a boca para responder, mesmo se quisesse. Ela estava congelada no lugar, a dormência se infiltrando em seus ossos enquanto seus pulmões doíam por ar. Ela estava perdendo a sensação nos dedos das mãos, dos pés e das orelhas – quanto tempo mais até que a gangrena se instalasse? Quanto tempo mais até seus órgãos pararem, seus pulmões falharem, sua vida desaparecer?
Então, de repente, o gelo derreteu. Malaya desabou no chão, encharcada e tremendo. Com os dentes batendo, ela tentou se levantar, mas seus músculos não cooperavam.
Ulo se ajoelhou ao lado de Malaya e a ajudou a se sentar. Ele removeu o cobertor estampado que usava sobre os ombros, enrolou-o ao redor dela e começou a esfregar suas costas em pequenos círculos.
— Desculpe — ele disse suavemente. — Me deixei levar por um momento. Esta é a primeira vez que estrangeiros vêm à ilha desde que você se tornou uma batedora. Claro que você achou a realidade do que é preciso para proteger o clã surpreendente. Questionável, até.
Malaya estava muito chocada, muito assustada para falar. Não havia um rio subterrâneo ali; Ulo era realmente poderoso o suficiente para puxar a umidade do ar e formar o gelo ao redor dela?
Suas extremidades formigavam dolorosamente enquanto a sensação voltava, e seus tremores começavam a diminuir com o calor que o tecido de Ulo proporcionava.
— Mas você é uma garota inteligente — Ulo continuou. — Eu sei que você vai entender.
Malaya guardou suas perguntas e dúvidas para si desta vez.
— Esta mãe e filha de quem você tanto gosta estão acompanhadas por guardas. Elas não estão aqui simplesmente para apreciar as belezas de nossa ilha. — Ulo parou de esfregar as costas de Malaya, mas deixou sua mão ali. — Elas servem a alguém. O conhecimento e as amostras que elas coletam, os mapas e desenhos que fazem, as notas que tomam e os pergaminhos que escrevem… tudo isso deixará suas mãos eventualmente. E então, não importa quão bem-intencionadas a mãe e a filha possam ser, seu conhecimento será usado contra nós. Contra Yungib. A história nos diz que isso é inevitável.
Ulo se levantou e ajudou Malaya a ficar de pé novamente. Ela ainda estava molhada, abalada, mas não mais tremendo. Quando testou os dedos das mãos e dos pés, eles doíam e se moviam lentamente, mas sem dormência.
— É admirável que você respeite a vida. Precisamos de mais pessoas como você em nosso clã. Espero que sua empatia não desapareça com o tempo, como muitas vezes acontece à medida que envelhecemos. Mas a empatia pode nublar nosso julgamento mais do que a névoa encobre nossa ilha. Nunca deixe que ela te cegue para ver a verdade, para fazer o que deve ser feito no momento mais crítico.
Passos se aproximavam das profundezas das cavernas. Então uma luz apareceu. Um trio de Dobradores de Água estava retornando da Caverna Sagrada. O trabalho do dia estava completo, o cansaço circundava seus olhos enquanto eles observavam a visão inesperada de Ulo e Malaya de pé perto das pinturas, a água ainda pingando da saia tolgè da exploradora e de seu cabelo curto. Eles se revezaram tocando as costas da mão de Ulo em suas testas e continuaram seu caminho sem dizer nada.
Ulo pegou de volta o cobertor de tecido.
— Retorne a Amihan — ele ordenou, — e cuide dos Dobradores de Terra.
Um arrepio percorreu o corpo de Malaya.
— Sim, Ulo — ela disse, tentando se forçar a acreditar que ele estava certo sobre tudo.
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