Dark? Switch Mode

O Julgamento de Roku: Aterrorizante e tentador

Todos os capítulos estão em O Julgamento de Roku
A+ A-

Havia uma tradicional condolência na Nação do Fogo oferecida pelos devotos sempre que alguém mencionava o nome de um falecido: “Que sua chama ilumine nosso caminho.”

Roku não havia pronunciado as palavras sagradas em voz alta quando ele e Gyatso falaram sobre Yasu e Yama, porque Roku não tinha o hábito de fazê-lo. Sua família, como grande parte da nobreza hoje em dia, não era particularmente espiritual. Mas Roku não conseguia parar de pensar na frase agora.

Ele havia caminhado em uma direção que simplesmente parecia certa após rir sozinho ao lembrar da última provocação de seu irmão sobre seu péssimo senso de direção. Cada vez que os túneis – que Roku supunha serem antigos tubos de lava com base em sua semelhança com outros que ele havia visto no arquipélago vulcânico de sua nação – se dividiam ou se ramificavam enquanto serpenteavam pela terra, ele imaginava Yasu ao seu lado, apontando o caminho. Ele também percebeu que a dobra de fogo que ele estava usando para iluminar seu caminho exigia cada vez menos energia. Suas chamas queimavam tão facilmente quanto a respiração. E, à medida que caminhava mais fundo na terra, ele começou a sentir uma vibração em seu espírito que se amplificava a cada passo e curva que dava, como se alguma grande força o estivesse atraindo para ela.

Depois de algumas horas seguindo essa atração inexplicável, Roku chegou ao fim do túnel. Ele se abriu em uma caverna incrivelmente vasta. O ar era fresco e parecia tão sagrado quanto o de qualquer templo.

A luz cinza e opaca da manhã vazava por uma larga fissura no alto do teto coberto de estalactites, revelando uma câmara grande o suficiente para abrigar o Palácio Real. As paredes em forma de cúpula eram revestidas de linhas que marcavam milênios de antigos fluxos de lava e veios de um minério negro com um brilho vermelho. O chão, que ficava vários metros abaixo da boca do túnel, era composto de uma cascalho escuro, úmido e densamente compactado, que subia até um monte baixo no centro exato da caverna.

E sobre essa colina central, em contraste com o tamanho colossal do espaço ao redor, estavam três pessoas posicionadas em formação triangular, dançando lenta e silenciosamente em perfeita coordenação.

Roku se escondeu atrás de um aglomerado de estalagmites na entrada do túnel e observou. Havia duas mulheres mais velhas e um homem mais jovem. Eles não estavam usando os mantos verdes ou a armadura do Reino da Terra, então não deviam ser o resto do grupo de Oh Wen. Em vez disso, as mulheres usavam saias tolgè, e o homem estava com uma tanga wanoh. Os tecidos traziam os padrões tradicionais de vermelho, preto e dourado das Ilhas do Fogo, mas fazia centenas – senão milhares – de anos que qualquer clã na Nação do Fogo se vestia assim fora de reencenações históricas ou apresentações teatrais.

Mas os três não tinham público – até onde  sabiam – enquanto continuavam sua dança sincronizada. Seus movimentos eram tão calculados que levou vários momentos para Roku perceber que eles não estavam dançando – eles estavam dobrando. E levou mais alguns para reconhecer que, embora estivessem vestidos como Dobradores de Fogo de outra era, seus movimentos glaciais não seguiam o estilo poderoso, decisivo e acrobático da dobra de fogo. Em vez disso, eles fluíam através de suas formas com a elegância fluida e sempre mutável da dobra de água.

Esses eram Dobradores de Água.

Vestidos como antigos Dobradores de Fogo.

O que não fazia sentido.

E então Roku se lembrou do pequeno grupo de nativos isolados  vivendo na ilha que Ta Min havia mencionado. Quando Sozin, Yasu e Roku costumavam se esgueirar para as Catacumbas Osso de Dragão, encontraram alguns pergaminhos que descreviam os clãs que viviam nas Ilhas do Fogo há muito tempo.

Alguns deles eram supostamente comunidades onde dobradores de diferentes elementos viviam juntos pacificamente. Este devia ser um desses clãs, cujos costumes permaneceram inalterados ao longo dos séculos. A alegação de Oh Wen de que um Dobrador de Ar o havia atacado só fortaleceu a especulação de Roku.

Enquanto Roku continuava observando os Dobradores de Água, ele se perguntou o que eles estavam dobrando. Nenhuma água se movia ao redor deles. Não havia sequer um rio ou piscina na vasta câmara. A única umidade que ele conseguia pensar eram as gotas lentas caindo do teto e a névoa que pairava no ar acima do solo.

Seria a névoa? Eles poderiam estar dobrando a névoa? Isso explicaria a densa e incomum neblina que ocultava a ilha durante todo o dia até que a escuridão tomasse conta.

Dobradores podiam trabalhar juntos para realizar uma tarefa que um deles sozinho não conseguiria. Como os Dobradores de Fogo que enviaram aquele enorme dragão feito de chamas voando sobre a cidade na noite antes de ele deixar sua casa, ou Dobradores de Terra que combinavam sua energia para lançar rochas colossais pelo ar. Roku já tinha ouvido falar de habilidosos Dobradores de Água que conseguiam se ocultar manipulando a umidade no ar para invocar uma névoa temporária sobre uma pequena área.

Mas mesmo três poderosos Dobradores de Água trabalhando juntos não deveriam conseguir encobrir uma ilha desse tamanho – muito menos por horas a fio, dia após dia, ano após ano.

Supondo que isso fosse algo possível, esse tipo de energia exigiria os esforços coordenados de pelo menos algumas centenas de dobradores. Mas quanto mais Roku pensava sobre isso, mais real  parecia.

Depois que ele e Gyatso se arrastaram para a costa, o Nômade do Ar mencionou que sentia algo estranho sobre a energia espiritual da ilha. Roku não havia sentido nada incomum naquele momento, mas começou a sentir quando acordou no subsolo após sua queda. Esse sentimento cresceu mais forte quanto mais ele viajava pelos túneis, e mesmo agora algo puxava sua energia, instigando-o a seguir para o monte no centro da caverna.

Roku fechou os olhos, concentrou-se e tentou entender a sensação. Depois de vários momentos, ele começou a compreender a forma das coisas, como se estivesse jogando Pai Sho e começasse a enxergar a estratégia de seu oponente.

Da mesma forma que dobradores podiam combinar seu foco para trabalhar em conjunto e multiplicar a força de uma ação, talvez houvesse algo sobre esta ilha – esta caverna – que amplificasse a força da dobra ainda mais. Locais raros existiam em todo o mundo onde as fronteiras entre os mundos eram tênues e a energia espiritual fluía mais facilmente. Se este fosse um desses lugares, isso poderia explicar como três Dobradores de Água conseguiam realizar o que deveria exigir centenas.

Roku abriu os olhos novamente. Os Dobradores de Água ainda estavam se movendo graciosamente através de suas formas, como se em transe.

Sozin estava certo, mas não pelos motivos que pensava.

Os Dobradores de Terra não haviam ido àquela ilha em busca de território ou alguma pedra, ou mineral raro. Eles vieram para encontrar esta caverna. E a Companhia Comercial do Reino do Oeste devia ser uma fachada para esconder as intenções do governo de aproveitar seu poder. O Rei da Terra deve ter descoberto o pedido de Sozin a Roku e contratado aquele assassino para tentar acabar com Roku antes que ele descobrisse exatamente isso.

Porque se três Dobradores de Água podiam encobrir uma massa de terra inteira em névoa perpétua, Dobradores de Terra cuja dobra tivesse sido amplificada pela energia espiritual desta caverna poderiam combinar sua força para sacudir a terra, enterrar cidades, afundar ilhas, remodelar continentes inteiros.

Roku estremeceu.

Este lugar não podia cair nas mãos erradas.

Os nativos já sabiam disso, o que deve ser o motivo pelo qual eles encobrem a ilha em névoa e por que atacaram o grupo de Oh Wen.

Roku sorriu. Ele vibrava agora não apenas com a energia espiritual deste espaço, mas com a certeza de sua convicção.

Ele não precisava dobrar nenhum outro elemento para descobrir tudo. Não precisava entrar no Estado Avatar. Não precisava se conectar com suas vidas passadas ou visitar o Mundo Espiritual. E nem mesmo precisou da ajuda da Irmã Disha ou de Gyatso. Na verdade, as acusações preconceituosas do jovem Nômade do Ar impediram Roku de ver as coisas com a clareza que tinha agora. Se tivesse retornado ao Templo do Ar do Sul com aquele irritante Dobrador de Ar, ele não estaria prestes a impedir o Reino da Terra de desequilibrar o mundo.

Se Sozin soubesse de tudo que Roku havia descoberto, ele provavelmente sugeriria que a solução mais eficiente seria deixar os nativos lidarem com os Dobradores de Terra. Mas Roku não podia fazer isso. Eles não mereciam execuções sumárias. Oh Wen e seus companheiros provavelmente nem sabiam a verdade completa e, como a Irmã Disha costumava lembrar a Roku, as pessoas não eram seus governos.

Então, Roku tinha que detê-los. Encontrar provas de que o Rei da Terra estava por trás de tudo isso. Então, deixar claro para o mundo que o novo Avatar não era tolo.

Transbordando de nova confiança, Roku decidiu que precisava falar com os nativos e descobrir o que eles sabiam sobre a localização atual dos Dobradores de Terra. Ele se aproximaria pacificamente, mas se eles se mostrassem tão hostis a ele quanto foram com Oh Wen e seus companheiros, Roku usaria o poder que sentia aguardando na caverna para se defender. Eles o superavam em número, mas ele era o Avatar.

Roku respirou fundo, canalizou a confiança de Sozin, e desceu do túnel para a vasta câmara.

Assim que seu pé tocou o chão, a energia invadiu seu espírito como uma onda. Rugiu por todo o seu corpo, percorrendo seus caminhos de chi, tão desesperada por liberação que beirava o doloroso. Mas, ao contrário de uma onda, não passou e se estabilizou. Em vez disso, reverberou, fazendo a vibração que Roku sentira anteriormente nos túneis parecer insignificante em comparação a essa sensação avassaladora de poder, essa sensação de que ele poderia dobrar qualquer coisa completamente à sua vontade apenas imaginando a destruição que desejava. Ninguém poderia pará-lo. Nada poderia ficar em seu caminho.

Um pensamento ao mesmo tempo aterrorizante e tentador surgiu na mente de Roku: Seria isso o que acontecia ao entrar no Estado Avatar?

Ele nunca desejou poder pelo simples desejo de poder. Mas com uma força como essa, ele poderia ser o Avatar que o mundo precisava – não depois de vários anos de treinamento, mas agora mesmo.

Roku sacudiu o pensamento e se olhou. Ele não estava nem brilhando, nem levitando. Aparentemente, nada havia mudado.

Ele voltou sua atenção para os Dobradores de Água que ainda não haviam percebido a presença de Roku nas sombras ou a energia contida dentro dele. Eles deviam sentir o mesmo. Roku já estava convencido de que eles estavam dobrando a névoa ao redor da ilha, mas experimentar a onda de energia por si mesmo eliminou qualquer dúvida.

Cheio de coragem, Roku caminhou até a base da colina no centro da imensa câmara. Ele ergueu as mãos, pigarreou e falou:

— Eu sou o Avatar Roku, e…

Os Dobradores de Água saíram do transe ao som da voz de Roku, viraram-se com choque e surpresa, e puxaram a umidade do ar para congelá-lo no lugar com movimentos tão rápidos que ele nem terminou a frase.

Que bela resolução pacífica.

Roku se envolveu em uma súbita explosão de chamas azuis que evaporaram o gelo e se irradiaram como uma onda de choque, derrubando os Dobradores de Água. A respiração de Roku falhou – ele nunca havia gerado fogo tão quente que queimasse azul. E ele só tinha a intenção de se libertar, não de machucá-los.

Mas sua preocupação durou pouco – os Dobradores de Água se levantaram rapidamente.

Roku levantou as mãos novamente enquanto vapor subia ao seu redor.

— Eu não quero machucá-los.

O sentimento não era mútuo. De todas as direções, os três Dobradores de Água começaram a lançar jatos de água de alta pressão em Roku. Ele se esquivava e girava para fora do caminho, defendendo-se com arcos de fogo das mãos e dos pés quando necessário. Era como se ele estivesse lutando contra um polvo gigante com cem tentáculos agitados.

Os Dobradores de Água se aproximaram, forçando Roku a recuar em direção aos túneis enquanto ele continuava a evitar os ataques implacáveis. Ele transformava um jato de água ou uma lança de gelo em vapor, apenas para perceber que o vapor era rapidamente condensado de novo e arremessado contra ele de um ângulo diferente.

Tudo em Roku queria partir para o ataque, queria liberar a energia acumulada dentro de si para neutralizar a ameaça. Ele poderia acabar com isso num piscar de olhos. Mas as chamas azuis que ele produziu anteriormente o fizeram hesitar. Deixar muita energia fluir através dele poderia ser tão impossível de controlar quanto um dragão selvagem.

Mas eles continuavam atacando.

Ele tentou mais uma vez.

— Se vocês não pararem, eu…

Um dos Dobradores de Água levantou as mãos, fez um movimento para os lados e depois as juntou com um estalo. Névoa entrou pela ampla fenda no teto da caverna e se condensou em mil lâminas de gelo que então dispararam em direção a Roku.

Havia muitas para bloquear com socos e chutes, e Roku não confiava em si para liberar o tipo de parede de fogo massiva que precisaria para bloquear o ataque. Então, em vez disso, ele concentrou sua energia e tentou algo que nunca havia feito antes – elevar a temperatura do ar ao seu redor o suficiente para que todas aquelas lanças de gelo se derretessem inofensivamente.

A caverna instantaneamente se transformou em uma fornalha, e os fragmentos de gelo evaporaram. Mas o súbito aumento de calor intenso fez Roku cair de mãos e joelhos. Sua cabeça latejava, sua visão ficou turva e seus órgãos pareciam estar fervendo. Estava quente demais para respirar, e sua boca estava tão seca que ele não conseguia nem engolir.

Roku levantou a cabeça para pedir ajuda aos Dobradores de Água – mas eles estavam caídos no chão ao seu redor, imóveis.

Um momento depois, o mundo escureceu.

Tags: read novel O Julgamento de Roku: Aterrorizante e tentador, novel O Julgamento de Roku: Aterrorizante e tentador, ler O Julgamento de Roku: Aterrorizante e tentador online, O Julgamento de Roku: Aterrorizante e tentador hq, O Julgamento de Roku: Aterrorizante e tentador alta qualidade, O Julgamento de Roku: Aterrorizante e tentador light novel, ,

Comentar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Capítulo 22