Depois de falar com Ulo, Malaya terminou o resto dos seus afazeres na vila, montou em Kilat e saiu para encontrar Amihan. Apesar do tamanho e da musculatura impressionante da gorila-társio, a criatura ágil saltava de árvore em árvore como um sussurro através das folhas, ajudada por dedos alongados e olhos grandes que a ajudavam a enxergar na iluminação constante e tênue de seu habitat natural. Ela carregou Malaya para longe da vila, subindo o vale, através das montanhas e descendo do outro lado em uma fração do tempo que levaria Malaya a pé.
Elas alcançaram a batedora Dobradora de Ar do clã nas cachoeiras a meio caminho do rio no lado costeiro das montanhas orientais. Amihan estava no topo de seu próprio gorila-társio, observando os Dobradores de Terra do dossel da floresta.
— Eles são tão pálidos quanto a barriga de uma cobra-rato — ela disse quando Malaya e Kilat chegaram.
Malaya ignorou o comentário e espiou através da névoa. Ela conseguiu ver a mãe e a filha dobradoras de terra sentadas juntas em uma grande pedra plana abaixo. Os quatro guardas não estavam à vista, mas ela os ouviu na névoa além, chapinhando nas piscinas naturais em camadas formadas pela série de pequenas cachoeiras rochosas.
A atenção de Amihan se voltou para Malaya.
— O que Ulo disse?
— Que eles precisam sair.
— Só isso?
Malaya assentiu e compartilhou seu plano. Foi inspirado na maneira como ela recuperava ovos de víbora. Basicamente, ela atrairia os Dobradores de Terra para longe de suas posses e então pegaria suas mochilas. Os Dobradores de Terra não eram sobreviventes natos, então, sem seu equipamento, ela esperava que eles não tivessem escolha a não ser retornar ao seu navio e navegar de volta para casa.
A parte mais difícil foi descobrir como separar os forasteiros de seus pertences, que eles sempre carregavam nas costas ou mantinham perto. As cachoeiras, no entanto, apresentaram a oportunidade perfeita. Malaya só tinha que garantir que não fosse pega – e era aí que a dobra de ar de Amihan entrava.
Quando ela terminou de explicar o plano, a Dobradora de Ar não parecia impressionada.
— Ou — ela disse depois de um momento — esperamos até que eles alcancem a passagem da montanha, e então eu os sopro para fora da crista.
Malaya piscou.
— Apenas ouça meu sinal.
— Tudo bem. Quanto tempo você precisa?
Malaya estimou quanto tempo levaria para se aproximar, pegar as mochilas e escondê-las bem o suficiente para que os forasteiros não as encontrassem.
— Alguns minutos. Sinalizo de novo quando terminar.
Amihan assentiu, e Malaya guiou Kilat para longe. Elas seguiram a linha das árvores rio acima até que as mochilas dos Dobradores de Terra se materializaram na névoa, agrupadas em uma pilha nas rochas. Como ela esperava, estavam desprotegidas. Ela deu dois toques no ombro direito do gorila-társio, e Kilat agarrou-se a um tronco de árvore próximo e deslizou silenciosamente para baixo.
Malaya desmontou, deixando suas armas presas à sela de Kilat, pois não precisaria delas. Ela acariciou a pelagem aveludada cinza-clara na nuca da gorila-társio e sinalizou para ela esperar por perto. Kilat assentiu e então subiu na árvore, desaparecendo na névoa acima.
Aproximando-se tão silenciosamente quanto numa caçada, Malaya saiu das árvores e observou ao redor. A extensão de rochas planas da margem do rio se estendia à sua frente. As mochilas estavam a cerca de uma dúzia de passos da borda do seu campo de visão. O som das quedas d’água e o chapinhar dos Dobradores de Terra diziam que os guardas estavam cerca de duas vezes mais longe do outro lado das mochilas. E, pelo leve murmúrio de conversa, ela sabia que a mãe e a filha ainda estavam a uma boa distância rio abaixo de onde ela se separou de Amihan.
Malaya rolou o pescoço, respirou fundo e avançou furtivamente. Ela planejava pegar todas as mochilas de uma vez, mas ao se aproximar, viu que cada uma estava cheia até a capacidade com uma variedade de ferramentas e equipamentos amarrados do lado de fora. Por mais forte que ela fosse, teria que fazer algumas viagens e torcer para que a dobradura de ar de Amihan aguentasse.
Pronta, Malaya cobriu as mãos sobre a boca, respirou fundo e soltou uma série de guinchos ricos e rápidos que imitavam o som de um estorninho-vaga-lume macho durante a época de acasalamento.
Nada aconteceu por alguns momentos. Então uma brisa começou a agitar o ar. Ramos se moveram e folhas tremularam. O som da água caindo mudou. E a névoa começou a se condensar. Ela se fechou, medida por medida, engolindo cada árvore, arbusto, rocha e raiz até que o mundo já limitado se tornou um vazio completamente cinza-branco. Logo, Malaya não podia nem ver seus próprios pés.
À medida que os Dobradores de Terra começavam a se chamar em surpresa e confusão, Malaya começou a trabalhar. Confiando no mapa mental que ela havia construído antes de sinalizar Amihan, ela deslizou silenciosamente pela névoa. Ela levantou uma mochila, testou o peso — e pegou mais duas. Então voltou para as árvores, guardou as mochilas em um denso arbusto atrás de um afloramento rochoso e retornou para buscar o resto.
Malaya havia acabado de voltar às pedras planas da margem do rio quando esbarrou em alguém — uma mulher gritou surpresa enquanto elas se afastavam, e Malaya conteve seu próprio impulso de fazer o mesmo.
— Xia, é você? — perguntou a mulher.
Malaya congelou. Era a mãe.
A mulher deu um passo à frente. Malaya deu um passo para trás.
— Estou aqui! — respondeu uma jovem — Xia, a filha — a alguns passos de Malaya. — A névoa é tão espessa longe do rio — não é fascinante?
Malaya ficou presa entre as mulheres. Ela pensou que elas ficariam paradas à medida que a visibilidade diminuísse, mas, em vez disso, a curiosidade delas as fez vagar para inspecionar os limites do fenômeno.
Malaya começou a se afastar quando o vento de repente parou. À medida que o ar se acalmava, a névoa começou a se dissipar. Ao contrário de antes, o mundo começou a reaparecer. O pânico se instalou enquanto Malaya esperava que Amihan renovasse seus esforços de dobra de ar.
Mas antes que percebesse, as duas mulheres apareceram, a alguns passos de distância. Um momento depois, seus olhos se arregalaram ao ver Malaya.
— Quem é você? — mãe e filha perguntaram ao mesmo tempo.
Malaya correu.
— Espere — a filha chamou atrás dela.
— Tem alguém aqui! — chamou um dos guardas, avistando Malaya através da névoa que se dissipava. — Parem!
— Vou pegá-la! — alguém gritou.
— Não machuquem ela! — a mãe implorou de algum lugar atrás de Malaya enquanto um turbilhão de passos a perseguia.
O chão tremeu, e uma parede de pedra surgiu na frente de Malaya para bloquear seu caminho. Mas ela pulou em cima e assobiou com os dedos enquanto cavalgava a pedra que se erguia. Um momento depois, Kilat passou pelas árvores, tirou Malaya do perigo e a jogou na sela.
Malaya se virou enquanto sacava seu arco e encaixava uma flecha – mas Kilat a carregou de árvore em árvore tão rapidamente que ninguém as seguiu. Malaya abaixou sua arma e deu um toque no ombro esquerdo da gorila-társio. Kilat parou.
Enquanto recuperava o fôlego, Malaya escaneou o dossel em busca de qualquer sinal de Amihan. Será que ela havia sido pega? Seria por isso que sua dobra de ar falhou? Ulo já estaria irritado o suficiente por os forasteiros terem avistado Malaya, mas quem sabia o que ele faria se seu plano falhado custasse ao clã sua batedora veterana.
Mas o som das risadas da Dobradora de Ar se aproximando dissipou esses medos imediatamente. Amihan emergiu da névoa alguns momentos depois em seu próprio gorila-társio, rindo tanto que estava segurando a barriga com lágrimas nos olhos.
A preocupação de Malaya se transformou em raiva.
— O que aconteceu lá atrás?!
Amihan tentou falar, mas ainda estava rindo demais.
Eventualmente, sua gargalhada diminuiu e ela recuperou o fôlego. Depois de uma respiração profunda e satisfeita, ela finalmente disse:
— Você devia ter visto sua cara.
— Ami, pare com isso. Por que a névoa dissipou?
Amihan sorriu.
— Eu queria ver o que aconteceria.
Malaya a encarou sem expressão. Ela não podia acreditar nisso. A mulher sabotou a missão delas por um senso de… o quê? Curiosidade mórbida?
— Eles quase me pegaram! — disse Malaya.
— Calma. Você está bem.
— Eu não estaria se não fosse por Kilat.
Amihan deu de ombros.
— E agora, — Malaya acrescentou —, eles definitivamente não vão embora!
— Por causa do que fiz com aquele grande Dobrador de Terra?
— Espera… O quê? Que grande Dobrador de Terra? O que você fez com um grande Dobrador de Terra?
— Nada.
Malaya decidiu lidar com esse problema depois.
— Eles me viram — ela disse, pensando na curiosidade da mãe e da filha. — Agora eles vão procurar nossa vila.
Amihan pegou uma folha do seu cabelo preto curto, entediada com a conversa.
— Não importa. Seu plano nunca iria funcionar. Eles não iriam embora. Eles nunca vão.
— O que você quer dizer?
Ela olhou para Malaya.
— Você realmente acredita que a verdadeira tarefa de uma batedora é simplesmente espionar forasteiros?
Malaya não disse nada. Isso era o que Ulo sempre dizia ao clã.
— Tão ingênua. Você provavelmente acredita em todas as outras histórias dele também. — Amihan explicou: — Caçamos forasteiros, Malaya. Esse é nosso verdadeiro trabalho.
Malaya balançou a cabeça. Não podia ser verdade.
— Então por que Ulo me deixou tentar fazê-los ir embora?
— Ele estava te agradando. Se dependesse de mim, você saberia desde o seu primeiro dia como batedora. Mas ele acredita que é melhor para chegarmos à realização por conta própria de que não há outra maneira de manter o clã seguro.
Malaya pensou na mãe e na filha. Ela as havia rastreado tempo suficiente para saber que não eram uma ameaça, e os guardas estavam lá apenas para protegê-las. Se ela pudesse falar com as mulheres e explicar sobre Yungib, tinha certeza de que elas entenderiam e deixariam o clã e a ilha em paz.
Elas não mereciam morrer.
— Você não acredita em mim — Amihan disse. — Volte e diga a Ulo o que aconteceu aqui. Então veja o que ele diz.
Malaya virou Kilat e começou a voltar para a vila.
— Eu vou — disse por cima do ombro, dizendo a si mesma que essa era simplesmente mais uma das piadas distorcidas da Dobradora de Ar.
— E enquanto estiver lá —, Amihan chamou atrás dela da névoa — não se esqueça de afiar sua lâmina.
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