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A Aurora de Yangchen: O Jogo de Números

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Na opinião de Kavik, tomar chá com alguém que você não gosta era uma das coisas mais desagradáveis de se fazer. Os rituais, a espera, servir sua companhia, tudo articulado ao redor dos padrões de conversas polidas ou um silêncio meditativo, colaborativo. Quando você não gosta da pessoa, ficava esquisito.

 

Ele e Jujinta sentaram em uma mesa de frente para um carrinho de chá que estava virado para a fileira principal do depósito de Jonduri. Com os últimos vestígios do sol, o contorno da cidade estava preto com o céu rosa de fundo. Eles pediram o chá mais barato e o maior jarro de água quente, então não estavam nem perto de terminar.

 

Pppppphpphp.

 

Para aumentar o sofrimento de Kavik, Jujinta era o tipo de monstro que bebia fazendo biquinho, chupando ar junto do líquido, fazendo o barulho de um canudo entupido. Ele tentou tomar um gole de seu chá ao mesmo tempo que Jujinta, na expectativa de que cidadão da Nação do Fogo tivesse uma epifania e se tocasse de que não precisava ser tão barulhento enquanto bebia, mas foi inútil.

 

Phpphpppppphppp.

 

Eles estavam sem falar nada até o momento, mas Kavik cedeu e decidiu que palavras eram menos piores que esse barulho.

 

— Qual é a sua? — Ele perguntou.

 

Jujinta finalmente baixou seu copo, graças aos espíritos.

 

— O que quer dizer?

 

Porque você trabalha para a associação? Porque você não tem um coque? O que são esses rituais que você realiza no abrigo?

 

— Só puxando assunto.

 

— Eu não tenho nenhuma história de vida. — Jujinta disse, encarando o outro lado da rua. Seu jeito de falar era o oposto da entonação Jonduri: devagar, baixo, ritmado uniformemente onde seria mais natural mudar o tempo. — Depois de cometer um crime, abandonei minha família para buscar o perdão dos espíritos. Jonduri foi onde eu fiquei. A associação me alimenta, mas só isso. Eu não tenho nenhum amor por meus empregadores ou nossos compatriotas.

 

Isso era óbvio.

 

— O que você fez de tão ruim?

 

Jujinta levantou seu chá para tomar outro gole.

 

— Eu matei meu irmão.

 

Kavik não conseguiu dizer nada depois disso.

 

O sol terminou de se pôr atrás das montanhas. Não havia tempo para ele decidir como se sentia sobre se associar a alguém que matou o próprio irmão, se é que Jujinta estivesse falando a verdade. Perto do vendedor de carne grelhada, quatro homens, todos membros da associação, jogaram fora seus espetos de bambu e levantaram do banco. Outros três saíram da esquina e se juntaram a eles para formar um grupo. Jujinta jogou na mesa algumas moedas pelo chá, se levantou e foi seguir o grupo.

 

Ele pagou a mais, mas tudo bem, porque Kavik precisava roubar o jarro. Ele tirou o recipiente de cerâmica da mesa e colocou debaixo do braço. Aparentemente, as regras de Jonduri ditavam que uma pessoa não poderia andar com uma grande quantidade de água sem uma boa razão, coisa que Kavik achava completamente injusto já que Dobradores do Fogo conseguiam produzir seu  próprio elemento e Dobradores da Terra estavam quase constantemente andando nela.

 


 

Por outro lado, estar sempre cercado por água para combate, se tornava cansativo rapidamente. Os melhores Dobradores de Água conseguiam lutar com menos, mereciam talvez um odre, mas se soubesse que ia se meter em encrenca Kavik gostava de ter o tanto que ele conseguia carregar.

 

Odre: antigo recipiente feito de pele de animal, utilizado para transporte de líquidos.

 

As pessoas deveriam saber o peso da água, o Avatar havia dito. Kavik estava muito familiarizado com isso, com toda certeza. Ele diminuiu a temperatura do jarro para deixá-lo morno, ele não era um monstro afinal, e entrou na retaguarda do grupo. O ataque estava começando.

 

— Eu não gosto disso. — Kavik disse — Não sou um valentão.

 

Alguns dias antes ele e Jujinta conseguiram seu próximo trabalho de Tael, Uma tarefa simples. Eles deveriam entrar em um determinado armazém perto das docas durante um horário estipulado com alguns outros membros da associação e “desocupar enfaticamente” qualquer pessoa que estivesse lá dentro. Se as coisas ficassem brutas durante o processo, melhor ainda.

 

Esses eram os detalhes que os agentes de baixo nível tendiam a receber. Mas Kavik havia acompanhado os membros mais antigos pelo abrigo secreto da associação, aprendido como jogar Ossos de Pardal e intencionalmente perdido o dinheiro que Akuudan e Tayagum relutantemente lhe deram, bajulando-os até que revelassem detalhes de suas tarefas para aquela noite.   A informação que ele levou para Yangchen formava uma cena melhor quando unida com o conhecimento dela.

 

— Você vai precisar fazer — Yangchen falou. — Baseado no que você sabe, seu grupo vai atingir a principal instalação de armazenamento de mercadorias que saem de Jonduri e vão para Bin-Er. A Unanimidade provavelmente está dentro daquele armazém.

 

— Você se lembra o que dissemos sobre a equipe de carregamento da cidade estar descontente? — Akuudan disse, se debruçando sobre um mapa da cidade que ele mesmo havia desenhado. — As circunstâncias já estão críticas. Eles organizaram um confinamento dos armazéns usados para triagem e reorganização de transporte que entram e saem do porto. As filas lá dentro estão crescendo e crescendo, com a mercadoria intacta. Remessas que deveriam ter saído dias atrás, remessas que não estão programadas para sair por semanas. Tudo lá.

 

— Entregas de saída são inspecionadas pela capitania do porto antes que seja permitido que deixem o local e eles reportam tudo para o chefe de estado local. — Yangchen falou. — Para passar pelas checagens, mercadorias devem vir de seus locais de estoque designados e passar por suas docas agendadas para serem carregadas em navios determinados. Às vezes elas até precisam ser escoltadas por membros da equipe específicos durante a viagem, nomeados com antecedência. Chaisee segue os acordos de segurança do Caso pós-Platina até os mínimos detalhes e não deixa ninguém tocar nas remessas secundárias.

 

Kavik a encarou. Ela notou e ficou vermelha.

 

— O que?

 

— Eu não entendo como uma Nômade do Ar sabe tanto sobre as regras de comércio.

 

Yangchen deu de ombros.

 

— Eu fui uma contadora em alguma vida passada.

 

Que cômico, Kavik também tinha sido. O Avatar continuou a explicar o plano.

 

— Quando você entrar, seu objetivo é o diário. — ela disse. — Ele contém todas as informações do armazém que eu mencionei: nomes de navios, nomes de entregadores, conteúdo da mercadoria, procedência, pesos, nome dos compradores, destinos. Com esse tanto de informação que mencionei, vamos conseguir identificar a Unanimidade e interceptar no caminho. Sem o diário, não vamos ter nada que possa identificar o que tem dentro das caixas, exceto que tenhamos um tour guiado pela própria Chaisee.

 

— Queria que tivéssemos alguma pista, qualquer dica, para nos ajudar a limitar as possibilidades. — Kavik resmungou. Unanimidade continuava sendo uma incógnita frustrante, uma grande lacuna de seu conhecimento.

 

Parecia que Yangchen estava guardando sua resposta desde do jantar com seus pais.

 

— É legal querer coisas. — ela disse, piscando os olhos, atirando puro sarcasmo em sua direção.

 

Ele mereceu essa.

 

— Você vai ter que ser rápido. — Tayagum acrescentou. — Se começar alguma briga, todo mundo vai proteger aquele diário. Já que as mercadorias não saem do lugar sem os registros, quem estiver com eles no final da noite vai ter todo o poder de negociação.

 

Yangchen colocou um pequeno cilindro de madeira com um cordão na mão de Kavik.

 

— Para te proteger.

 

— É um objeto espiritual? — Kavik perguntou enquanto o pendurava no pescoço.

 

— É um apito de bisão. — Yangchen respondeu. — Feito para o Nunjian. Sopre se você estiver em perigo e ele vai ouvir, o barulho deve fazer efeito por grande parte da ilha. Eu e ele vamos achar sua localização exata.

 

— Mas se eu fizer isso a missão vai acabar. Não só o ataque hoje, mas tudo. Jonduri. Unanimidade. — O Avatar voando em seu bisão para resgatar ele seria o jeito mais espetacular do mundo de estragar seu disfarce.

 

— Não estou te mandando lá sem um plano de extração. O que eu te disse sobre perder amigos?

 

Certo. Mas por mais comovido que ele estivesse, sua segurança não era o problema.

 

— Eu sei que tenho que fazer isso. — Ele falou. — Mas ainda parece errado. Eu estou indo lá para lutar com a equipe. Nós estamos falando de pessoas comuns que só querem uma oferta melhor. Eles são…

 

— Eles são as pessoas que você deveria estar ajudando. — Yangchen disse amargamente. — Eu sei. E eu não posso. Se eu fizer contato com eles, Chaisee vai suspeitar que estamos chegando perto do armazém e ela vai tomar precauções extras. E eu também deveria estar sofrendo com o fato de ter meus dois espiões tirados de mim. Para isso tudo funcionar, Chaisee precisa acreditar que o Avatar foi derrotado.

 

Isso a estava incomodando, Kavik pensou enquanto ela apoiava a cabeça acima do quadro de planejamento que eles montaram no hotel. Quando se conheceram pela primeira vez, ele achou que na verdade gostava da trapaça. Mas agora que a conhecia melhor, ele conseguia ver a luz do dia se alargando por suas emendas.

 

— Jujinta provavelmente vai gostar dessa missão. — Kavik murmurou .

 

— Sim. Fale mais sobre esse seu parceiro. — Yangchen respondeu.

 

Kavik explicou tudo que ele observou sobre o jogador de facas, incluindo sua obsessão por espiritualidade. No abrigo secreto da associação ele havia visto Jujinta sussurrar para si mesmo ou se ajoelhar em um canto tantas vezes que Kavik conseguiria desenhar para Yangchen um desenho aceitável do símbolo que ele venerava.

 

— Interessante. — ela disse. — Você acha que ele vai dar trabalho?

 

Kavik lembrou de Shigoro rolando no chão, sangrando pelo braço. Ele lembrava vagamente de ser guiado por Jujinta sobre o processo de descarte de um corpo.

 

Agora era muito tarde para fazer algo sobre seu parceiro, somente lidar.

 

— Nada que eu não consiga lidar. — Kavik falou.

 

— Qual a conta lá dentro? — Jujinta perguntou enquanto eles atravessavam a rua.

 

— Deve ter cinco agora,  aproximadamente. — respondeu o líder, um cidadão da Terra esquelético chamado Pang, que estava sem seus dentes incisivos de baixo, arrancados em alguma luta antiga. — Algumas pessoas estavam entrando e saindo ao longo dos últimos dias. Tael disse que eles não vão estar muito fortes essa noite.

 

A associação tinha nove pessoas em seu grupo, incluindo Jujinta e Kavik. Dois para um. Kavik não gostava da sensação de satisfação que ameaçava subir por sua espinha, sendo o membro de um grande grupo prestes a derrotar um grupo menor. Pelo menos as probabilidades significavam que a associação não precisaria que Kavik dominasse as pessoas lá dentro. Ele poderia se separar do grupo e procurar pelo diário.

 

Eles foram para a frente do armazém. Pang levantou seu pé e chutou a entrada dos trabalhadores, quebrando o trinco. Ele pulou para dentro, o resto do grupo seguiu de perto. Kavik se perguntou brevemente porque a porta não possuía uma barricada, mas se os trabalhadores tivessem que sair durantes os turnos para comer e descansar, fazia sentido eles não bloquearem a passagem.

 

A maior pergunta era porque não havia nenhum guarda nos postos. As lâmpadas interiores, colocadas no alto das paredes com intervalos iguais para diminuir as sombras, estavam todas acesas. Pilhas de caixas de madeira, algumas tão grandes que só poderiam ser carregadas por guinchos, formavam torres que eram o dobro do tamanho de uma pessoa, as caixas menores organizadamente alinhadas ponta a ponta em cima, criando faces translúcidas nos lados. Um fosso vazio rodeava cada pequeno castelo.

 

Ele esticou a cabeça para o teto quase que involuntariamente, o jeito que Tael observou pretensiosamente. Havia água acima dele, água da chuva contida em um grande tanque de metal. De primeira, ele achou que ela estaria muito suja para beber, mas então percebeu que ela provavelmente era usada para apagar fogos dentro do armazém. Rodeado de seu elemento, ele se sentiu um pouco idiota de ter trazido o jarro.

 

Os trabalhadores não estavam à vista. Pang fez um barulho, como se estivesse chupando o ar por entre o espaço de seu dente.

 

— Eles devem ter se assustado e escondido atrás das caixas. Vai ser um maldito jogo infantil, caçar eles por um pomar.

 

— Que nada, Sifu. —  Disse a voz do outro lado do prédio. — Nós estamos bem aqui. E eu acho que nós que vamos caçar. — Um homem saiu por detrás das caixas. E depois outro. E outro. A linha de trabalhadores continuou aumentando.

 

— O grupo dele é, hum, maior que o nosso. — Kavik disse.

 

Além disso, eles não estavam somente em um número maior, mas cada membro da equipe do armazém era gigante, quase do tamanho de Akuudan, com pescoços grossos e braços espessos. Ah, claro, Kavik pensou. O trabalho desses homens era levantar caixas pesadas.

 

Um dos membros da associação cutucou Pang no cotovelo com raiva.

 

Você disse que eram cinco!

 

Esses são cinco vezes cinco!

 

Realmente. Vinte e quatro homens bem gigantescos, bem bravos estavam de frente para eles. Um bom exemplo do porque alguém deveria pagar melhor por um bom subordinado não existia. Inteligência importava. De todos os seus trabalhos em Bin-Er, Kavik teve a certeza de acertar seus números.

 

A equipe do armazém, a maioria com o rosto semelhante ao outro, deu um passo à frente e berrou, colocando suas línguas para fora e mostrando o branco dos olhos.

 

— Nós não vamos sair. — Pang disse para seus homens. — Quer ter que explicar ao chefão que você  deu com o rabo entre as pernas e vazou, pode ir, mas se você acha que por um segundo… Ei!

 

Não havia ninguém atrás dele. Dois dos membros da associação estavam tentando abrir a porta, mas ela havia sido fechada e vedada de novo, dessa vez pelo lado de fora. Kavik saiu do caminho por entre as caixas, dando a ele uma visão emoldurada de Pang sendo demolido com um ataque de ombro por um homem duas vezes maior que ele.

 

Ele ziguezagueou entre os corredores do armazém, tentando chegar no fundo. Para ver se existia alguma outra saída e para chegar perto da área onde ficava o diário. Se o escritório tivesse fechaduras internas, ele não se importava em se trancar lá dentro para esperar a ira dos trabalhadores.

 

Um flash brilhante iluminou as vigas e ele ouviu um barulho de ar sendo cortado pela chama. A Dobra de Fogo começou, não tinha certeza de que lado. Distraído pelo barulho e pela luz, ele quase correu para os braços do homem que bloqueava sua passagem.

 

— Onde você está indo Sifu? — Disse o homem.

 

Para o outro lado. Mas quando Kavik se virou, ele viu mais um trabalhador no caminho atrás dele.

 

— Você trouxe bebidas para a festa? — disse o segundo cara, apontando para o jarro que Kavik ainda estava segurando. — Porque eu já estou com muita sede.

 

Os dois trabalhadores riram, mas o primeiro cortou sua risada no meio quando percebeu o porquê de alguém estar carregando por aí um recipiente com água.

 

— Espera aí.

 

Kavik lançou o jarro cheio de água no homem à sua frente. Ao girar os braços acelerou a água dentro e o míssil pesado bateu na barriga do alvo tão forte que quebrou o jarro. O homem arfou e caiu no chão, segurando seu estômago.

 

Foi mal. Com um puxão para igualar o empurrão, Kavik movimentou a água deixando os pedaços de cerâmica no chão, porque, novamente, ele não era um monstro, e chicoteou uma bolha veloz na outra direção.

 

O segundo homem se abaixou e segurou os braços cruzados na frente de seu rosto, torcendo que sua resistência e volume o protegessem. Mas arruaceiros iam por cima. Lutadores iam por baixo. Kavik abaixou o ângulo de sua bolha de água e puxou os pés do homem para cima. O pobre homem caiu com tudo no chão duro e não levantou, somente gemeu e tateou por uma mão que o ajudaria, mas que não estava ali. Foi mal.

 

Kavik puxou a água para perto de si e a embalou no formato de esfera, Agarrando a Cauda do Pássaro. Tayagum havia rido dele mais cedo por admitir que perdia algumas lutas. Mas ele não perdia todas as lutas.

 

O diário. Os documentos importantes estariam atrás. Ele imaginava que todo prédio em Jonduri possuía um escritório de canto. Kavik se arrastou por entre os cruzamentos, lentamente carregando seu elemento atrás, mantendo-o em movimento, para que pudesse atirá-lo caso fosse surpreendido.

 

O som de madeira quebrando fez ele parar. Ele olhou pela esquina e quase teve o olho acertado por uma farpa.

 

Quatro homens haviam prendido Jujinta empunhando tábuas de madeira, balançando-as de um lado para o outro, como tochas contra um predador da selva. O parceiro de Kavik se defendia somente com um punhal, levantada. A primeira pessoa a se aproximar dele seria espetada.

 

O problema era que no instante que Jujinta escolhesse alguém e atirasse sua arma, ele seria atacado pelos outros. Ele vai ficar bem, Kavik pensou. Ele estava se saindo bem, segurando vários sozinho.

 

Outras prioridades eram mais importantes. Kavik se moveu de lado para evitar a briga, com a intenção de correr o resto do caminho para o escritório. Mas um reflexo, uma pontada, fez com que ele olhasse pela esquina de novo.

 

Desse ângulo ele foi visto. Não pelos trabalhadores, mas por Jujinta. Os parceiros se encararam. A distração foi o suficiente para que uma tábua acertasse o ombro de Jujinta. Ele caiu no chão e seus oponentes se lançaram, batendo nele com chutes e pisadas.

 

Kavik praguejou. Nessa altura, alguém chegaria primeiro no diário. Um homem da associação querendo salvar algum tipo de vitória ou um trabalhador tentando proteger o bem mais valioso que estava dentro do armazém.

 

Ele olhou uma última vez para a direção que deveria seguir e depois deu um passo para o outro lado.

 

— Ei, Sifus!

 

Eles pararam de chutar Jujinta. Pelo menos este objetivo havia sido atingido. O resto estava para a sorte.

 

Os quatro homens olharam para Kavik, depois para uns aos outros e começaram a rir.

 

— Olha esse cara. — Disse o trabalhador mais perto de Jujinta. – Acho que ele não sabe contar.

 

Ao invés de separar sua água entre os tentáculos da forma do Polvo, coisa que o deixaria muito magro para fazer algum estrago, Kavik envolveu todo o líquido que tinha em seu braço direito, tornando-o um membro gigantesco, grande o suficiente para empunhar um monte de tábuas como um único taco gigante.

 

— Um, — Kavik disse. — É suficiente?

 

Jujinta acordou com um susto, seu rosto pingando.

 

— O que… Onde nós estamos?

 

— Shiu — Kavik disse. — Ainda estamos dentro do armazém.

 

Eles estavam no alto de uma das torres de caixas, para ser mais exato. A luta como um todo não estava indo bem para a associação e ir para uma posição elevada foi tudo que Kavik conseguiu pensar enquanto Jujinta recuperava a consciência. O problema é que agora eles estavam presos em árvores como Pumas-pigmeu.

 

— Você derrotou aqueles homens, — Jujinta disse — E então me curou com sua Dobra de Água.

 

— Claro. Foi isso que aconteceu. — Seria mais correto dizer que Kavik os assustou balançando os braços violentamente. E ele ainda não sabia curar. Ele molhou Jujinta de novo e de novo até ele acordar. Era a única coisa que ele conseguia fazer com o resto de água que tinha e agora ela havia evaporado.

 

Eles rastejaram para a beira da caixa e espiaram. Lá embaixo, nas ruas principais da área de carregamento, os outros membros da associação haviam sido presos e forçados a sentar no chão. Os invasores pareciam tontos e abatidos, mas estavam vivos. Até mesmo Pang, que deveria estar mais plano que uma panqueca depois da surra que levou.

 

— Vocês aí em cima da caixa, vocês estão em menor número. — gritou o líder adversário, que não era nem o mais velho e nem o mais marcado por batalhas do grupo, mas um jovem com cabelos ondulados e longos caindo em abundância por seus ombros.

 

Jujinta arremessou uma faca , sem olhar direito, do mesmo jeito que uma criança atiraria uma bola-de-neve de seu forte. Kavik viu o metal rodopiante cair de ponta no pé de um dos trabalhadores que estava ao lado do líder.

 

— Diminuiu um pouco agora. — Jujinta gritou enquanto sua vítima gritava e caía, preso ao chão.

 

Ao invés de ficar bravo, o líder dos trabalhadores fez uma careta e esfregou os olhos. Kavik se sentiu do mesmo jeito. Quanto mais este impasse durava, a dignidade de todo mundo diminuía.

 

— Por favor, pare de jogar facas nas pessoas por agora. — Kavik disse para Jujinta o mais calmo que conseguiu. Ele precisava de tempo para pensar.

 

Jujinta acenou.

 

— Boa ideia, eu só tenho mais duas sobrando.

 

Pang começou a rir. Kavik pensou que talvez fosse por conta de um machucado na cabeça, mas ele estava mais lúcido que qualquer coisa.

 

— Você e seus amigos estão ferrados, sabia? — Ele disse para o jovem que o prendia. — Graças aos meus capangas te distraindo ali em cima, nós conseguimos pegar o diário. Vocês estão sem poder nenhum agora.

 

Em pânico, Kavik contou os homens capturados ao lado de Pang. Faltava um. Ele virou de costas e bateu seus cotovelos na caixa abaixou de si, frustrado. Se ele não tivesse parado para salvar o inútil do Jujinta, ele teria conseguido completar a missão.

 

— Sabe, é isso que não entendo sobre esse pessoal da associação. — Disse o líder da equipe do armazém, sua voz hesitante. — O que Chaisee te deu para merecer sua lealdade, hein? Além da chance de nos bater? Vocês sofreriam para mantê-la no poder enquanto ela não dividiria nem uma sandália para vocês comerem.

 

O homem passou a mão por seu longo cabelo, reunindo as madeixas. Seu rosto estava coberto de suor.

 

— Negociar com ela nunca foi uma opção, não é mesmo? — Ele murmurou.

 

Ele andou até a base da torre que Kavik e Jujinta estavam, tomou a postura do Cavalo Baixo e inspirou.

 

— Não, não, não! — Kavik gritou, desesperado. — Não faça isso! Nós podemos conversar!

 

O líder do grupo jogou uma corrente de fogo para as caixas de madeira. As caixas de madeira altamente inflamáveis.

 

— O que está fazendo? Gritou Pang. — O lugar todo vai estar em chamas!

 

— Você já ficou em um cais e observou uma onda bem grande chegar? — O homem disse enquanto espalhava o fogo para todo o lado. — Sem saber se ela vai diminuir até chegar em você ou ganhar mais força até que quebre na sua cara?

 

Suas chamas se extinguiram e ele caiu ao lado de Pang, resignado, com os cotovelos no joelhos. Descansando na frente de uma fogueira de acampamento.

 

— Nós estamos no cais juntos agora, Sifu. — Ele disse encarando as chamas que havia criado. – Acho que todos vamos sentar aqui até que algumas caixas queimem.

 

Sua equipe parecia concordar. Alguns deles pegaram vassouras e enrolaram pedaços de papel, encostando-os nas chamas. Eles começaram a descer das torres de caixas com suas tochas improvisadas. O ar começou a encher de fumaça.

 

— O que vocês dois aí em cima vão fazer? — Gritou o líder do grupo. — Queimar em nome de Chaisee?

 

Kavik olhou para seu parceiro.

 

— Esse é o pior trabalho que já participei. — Jujinta disse, parecendo bem prático como havia sido perto do carrinho de chá. O som das chamas aumentou. — Você já considerou que foi amaldiçoado pelos espíritos?

 

Muitas vezes. A solução óbvia era o reservatório de água, bem perto deles agora que eles estavam no alto. Mas mesmo assim distante. Ele levantou seu braço e tentou puxar seu elemento para si. Nada. O tanque estava muito longe e a vedação estava muito apertada.

 

— Eu preciso de uma abertura. — Ele murmurou.

 

Jujinta se ajoelhou, mas estava tonto das pancadas que haviam levado.

 

— Fique parado. — Ele pegou uma de suas facas restantes, segurou firme no cabo e jogou ela com força em direção ao reservatório, grudando a ponta no metal.

 

Nada aconteceu. A arma não era pesada o suficiente.

 

— Eu preciso enfiá-la mais. — Jujinta disse. Ele levantou sua última faca, como se estivesse fazendo ajustes mentalmente para as pequenas variações de peso e equilíbrio.

 

— Se você errar nós dois vamos ficar sem armas. — Kavik disse.

 

Jujinta parou. Ele sussurrou para si mesmo tão baixo que Kavik quase não ouviu.

 

— Um Yuyan nunca erra. — As palavras pareciam ser difíceis de pronunciar, com farpas presas em sua garganta.

 

O que quer que isso significasse para Jujinta, ele ignorou e jogou a última faca, duplicando seu movimento anterior tão igualmente, que Kavik estava convencido de que havia inalado fumaça demais e presenciado o mesmo momento duas vezes, empurrando mais a faca para dentro do tanque. Um spray saiu por entre as facas e então elas foram ejetadas pela pressão. A água caia pelo buraco.

 

— Comparado com o que Shigoro fez, isso é bem mais difícil. — Jujinta disse, antes de deitar de novo, cobrindo os olhos com o braço.

 

Kavik não sabia o que era um Yuyan e ele tinha a impressão de que seu parceiro seria pouco comunicativo caso eles falassem disso. Mas isso não importava agora. A precisão de Jujinta havia aberto um buraco.

 

As paredes do tanque não eram um obstáculo mais. Kavik aumentou a corrente, fazendo um buraco maior, liberando uma grande quantidade de pressão acumulada. O peso da água. Ele não conseguiria para esse tanto mesmo que quisesse. Ele redirecionou a corrente que caia do tanque e jogou ela nas chamas, ensopando tudo e todos dentro do armazém.

 

Enquanto os homens lá embaixo gritavam abaixo das ondas, Kavik percebeu que estava no controle. O único Dobrador de Água presente. Um rei no topo de sua montanha.

 

E agora, o rei tinha uma missão a cumprir para o Avatar.

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Capítulo 26