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A Aurora de Yangchen: A Visitante

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A mãe de Kavik tentou ficar de joelhos, mas Yangchen rapidamente a parou e a levantou.

 

 — Por favor, por favor! — Disse Yangchen. — Eu não queria que vocês se levantassem.

 

 — Avatar, estamos mais que honrados! — Disse o pai de Kavik. Ele secou o suor da testa com o punho, tentando se lembrar da etiqueta para cumprimentar a maior presença espiritual do mundo. — É claro que pode entrar, nossa casa é sua casa.

 

Os pais de Kavik eram melhores em reconhecer rostos de gravuras do que ele. Então, novamente o Avatar desse seu nome assim que apareceu. Yangchen tirou os sapatos e entrou. Ela estava sozinha.

 

 — Vocês têm uma casa adorável. — Disse ela, empunhando o elogio como uma arma contra Kavik. — Posso?

 

Ela apontou para seu planador, indicando que queria colocá-lo ao lado de seu casaco. Os pais dele assentiram com tanta veemência que suas cabeças ameaçaram de cair. Eles se afastaram mais e mais conforme o Avatar adentrada a casa. A mãe de Kavik estendeu a mão e empurrou a nuca do filho. O olhar dele não foi baixo e humilde o suficiente.

 

— Não há necessidade de formalidade. — Disse Yangchen. — Talvez… considerem essa uma visita de caridade? Assim funcionaria?

 

Por uma questão de praticidade ela estava pedindo para ser tratada como uma Nômade do Ar comum, parando no meio de uma viagem para pedir doações de comida e abrigo. Mas os pais de Kavik fariam a mesma cerimônia para esse tipo de situação também. Muitas famílias ao redor do mundo o fariam, independente de sua nação ou circunstância. Abrigar um monge ou monja era um sinal de sorte grande. Paz recaia sobre seus espíritos.

 

Mas não para Kavik. Não dessa vez, e não com essa monja. Ele estava preso numa armadilha. Como um coelho de orelhas caídas encurralado, ele tinha que evitar se debater com medo.

 

Calma, pensou, engolindo seco. Isso irá acontecer da maneira que tiver que acontecer, eu não preciso ser aquele que fará o primeiro movimento.

 

 — Nós estávamos prestes a começar a jantar. — Disse a mãe dele. — Seria uma benção compartilhar a refeição com você.

 

Ela conduziu Yangchen até o tapete, mas o pai de Kavik de repente ficou entre o Avatar e a panela, como se o próprio vapor pudesse contaminá-la.  — Espere! — Ele gritou. — Tem carne no ensopado!

 

A mãe de Kavik empalideceu. Ela quase havia corrompido o Avatar com seu descuido. Lágrimas brotarem em seus olhos.

 

 — Está tudo bem! — Yangchen disse, tentando o seu melhor para evitar um estardalhaço. — O Templo de Ar do Oeste acredita que podemos consumir carne se esta for a única refeição que estiver disponível. Alguns de nós ainda se abstêm, mas é uma escolha. Não há mal nisso.

 

Sua mãe não parecia convencida. —  Eu posso evitar a carne? — Sugeriu Yangchen.

 

A proposta foi o suficiente para evitar um desastre. O pai de Kavik pegou um quarto prato e reorganizou a mesa. Norte, Leste, Sul e Oeste novamente.

 

Yangchen graciosamente colocou seu robe sobre o chão e ajoelhou-se em cima.  — São só vocês três? — Ela perguntou.

 

Houve uma pausa momentânea. — Sim —, Respondeu Kavik. — Somente nós três. — Ele olhou para seus pais. Pareciam inseguros, mas o deixaram lidar com a questão. — Não temos tido muitos convidados ultimamente.

 

 — Bin-Er é uma cidade agitada, realmente. — Disse Yangchen fixando o olhar em Kavik. — Muitas coisas acontecendo.

 

A família e a visitante comeram seus ensopados. O prato de Kavik não tinha ameixas do mar, sua porção de fruta seca foi dada para o Avatar. Seu apetite tinha ido embora, de qualquer forma. A panela acabou virando um tabuleiro de Pai Sho, a garota a sua frente era sua oponente.

 

— Se me permite, o que a trouxe à nossa porta? — Perguntou seu pai.

 

 — Eu estou na cidade a negócios de Avatar. — Respondeu Yangchen. — Mas para melhor servir as pessoas, eu preciso falar com elas diretamente, saber sobre suas vidas em primeira mão. — Ela conseguiu tomar o caldo junto a Kavik, de alguma forma. — Me falem sobre vocês. O que faz a sua família? Como é a vida na cidade?

 

Seus pais, desacostumados a falarem sobre si mesmos, começaram devagar, do início. Eles tinham origem na região do Longo Estreito, perto de Agna Qel’a, normalmente uma terra rica com acesso a áreas de pesca e rebanhos itinerantes. Mas uma extensa onda de pouca caça e pesca os levaram a buscar por opções.

 

Encorajados por parentes distantes que já haviam cruzado os estreitos, eles vieram para Bin-Er, para fugir dos tempos difíceis. O sistema Shang ainda estava no começo naquela época, então a cidade era menor, e a segurança não tão rigorosa. A família se estabeleceu no quadrante da Tribo da Água, onde alguns de seus vizinhos costumavam ser seus parceiros de caça. E eles foram trabalhar na Cooperativa Nuqingaq, onde a maioria de seus colegas de trabalho eram seus vizinhos. O pequeno armazém da Tribo da Água foi um dos muitos casos de contabilidade que checavam as notas três vezes durante o fluxo de mercadoria entre as cidades dos Shang. E, assim, se beneficiando de uma excelente reputação devido a longa memória de seu povo e paciência infindável.

 

 — Há quanto tempo foi isso? — Perguntou Yangchen.

 

 — Cinco anos. — Respondeu Kavik, dizer isso em voz alta era uma derrota para ele mesmo.

 

  — Vocês já consideraram voltar para o Norte?

 

 — Cada maldito dia.

 

A verdade poderia ter sido dita de forma mais delicada. A desaprovação de seus pais era evidente. — Nós adoraríamos voltar para casa. — Disse seu pai. — Mas é impossível conseguir passagens de saída de verdade. Os oficiais de fronteira estão tão corruptos nesses tempos, que você só consegue obter uma autorização se isso beneficiar os Shangs de alguma forma. Eles trazem quantos trabalhadores quiserem para Bin-Er. Mas se você tentar sair, de repente representa um risco à segurança.

 

— Ainda assim nós fazemos parte dos sortudos. — A mãe de Kavik emendou. — A cidade mudou muito nesses anos em que estamos aqui. Os recém-chegados… Eu não sei. Os Shangs, os tem descartados como sucata, por puro capricho.

 

— Houve um tumulto no centro da cidade hoje. — Murmurou Kavik enquanto remexia sua comida na tigela. — As pessoas estão se cansando.

 

Ele olhou através da tigela e viu o Avatar realmente surpresa. Ela não tinha ideia da violência que se estabeleceu a apenas alguns quarteirões de seus aposentos. Ela não podia ser culpada por não saber; com base no tempo, ela estava se encontrando com diplomatas na Mansão Azul enquanto o tumulto na praça central esquentava.

 

 — Eu quero mudar isso. — Disse Yangchen repetindo sua declaração anterior, quando ela e Kavik estavam sozinhos. — Eu quero mudar a forma como os mais vulneráveis estão sendo tratados.

 

Kavik acreditava nela. Mas não era como se contar para ele e seus pais fosse fazer muito a respeito da situação. Ela precisava falar com as pessoas que detinham poder em Bin-Er. — É bom querer coisas. — Disse.

 

Ele deveria ter ficado de boca fechada. Yangchen ergueu uma sobrancelha sobre seu comentário sarcástico, o movimento tornado proeminente por causa de seu cabelo raspado e decidiu responder no mesmo tom. Ela empurrou sua tigela de lado.

 

— Seu filho. — Ela disse severamente para os pais de Kavik. — Por mais encantadora que esta visita tenha sido, ele é a verdadeira razão de eu estar aqui. Ele os contou o que fez antes?

 

O ambiente ficou mortalmente quieto. A noite havia sido uma das ocasiões mais alegres na vida de seus pais, e agora ameaçava afundar no abismo devido à tolice de seu filho. Uma repreensão do próprio Avatar. Eles nunca sobreviveriam à vergonha. — O que… o que ele fez? — Seu pai gaguejou.

 

O Avatar se virou e o encarou da mesma forma que um assassino que se deleita nos gemidos moribundos de sua vítima enquanto puxa a faca para frente e para trás. — Ele parou um ladrão para mim.

 

Todos os olhos se voltaram para Kavik. Yangchen não elaborou. Ela iria deixar ele achar um caminho para sair da floresta que ela o havia jogado.

 

Ele juntou as informações que eles sabiam.

 

— Fui à praça no final do dia pois ouvi rumores de que algo estava para acontecer e fiquei curioso. — Ele disse. Ir atrás de perigo seria um erro do ponto de vista de seus pais. — Então eu estava andando perto da multidão, e vi um homem correndo de alguns guardas. Ele estava segurando uma bolsa nas mãos, o que é estranho. Normalmente você usa a bolsa em volta dos ombros, certo?

 

Yangchen afastou a cabeça para trás, como se tentasse ter uma melhor visão dele através de mais longe. Essa era a segunda vez que ele mentia na frente dela. Havia alguma chance de ela estar impressionada.

 

— Eu não entrei na sua frente. — Disse ele. — Isso teria sido perigoso. Eu meio que dei um passo para o lado e então bati na bolsa para fora da mão dele enquanto ele passava. Ele não parou. Os guardas me agradeceram e levaram a bolsa com eles. Então fui embora. Não sabia que era algo do Avatar.

 

É isso. Perfeito. Seus pais não iam imaginá-lo enfrentado um criminoso perigoso e ele não precisava admitir que conheceu Yangchen pessoalmente.

 

  — Seu filho recuperou uma importante informação diplomática. — Ela disse, retomando de onde havia parado. — Sem ele, não sei o que poderia ter acontecido. — Um breve aceno da cabeça indicava o pior. — Guerra, Fome, Desequilíbrio Espiritual pelo mundo.

 

   — Como você sabia onde me encontrar? — Kavik perguntou a ela. Somente ele e o Avatar entendiam a pergunta como um contra ataque. Eu já fui, agora é sua vez. -— Como soube onde eu morava sem me conhecer pessoalmente?

 

  — Ah, eu cheguei logo após o ocorrido e perguntei para quem viu o que aconteceu. — Respondeu ela alegremente. — Um deles disse que o reconheceu e me disse onde morava. — Yangchen disse a seus pais — Kavik prestou um serviço ao mundo hoje. Tudo bem se eu falar a sós com ele por um minuto?

 

Não somente eles concordaram, como quase se expulsaram da sala principal. O Avatar pediu para Kavik lhe mostrar seu quarto. Sua mãe lhe deu uma encarada, um aviso para não envergonhar a família.

 

No momento em que Kavik fechou a porta, Yangchen já observava tudo ao redor, absorvendo todos os detalhes para formar uma imagem dele. Livros, ou a falta deles, nível de organização. Ele era uma pessoa que guardava lembranças? Decorações? Armas?

Ela terminou sua varredura.

 

— Sério? — Ela perguntou. — Você dorme num quarto completamente vazio, com nada nas paredes e nenhum móvel além de uma cama? Um homem com nada a esconder. Você se daria bem nos Templos.

 

   — Você me seguiu. — Ele tinha tanta certeza de ter sido cuidadoso.

 

   — Sim. — Ela levantou o dedo para cima. — A maioria das pessoas esquece de olhar para cima.

 

Seu planador. Ela provavelmente ficou voando acima dele o tempo todo com uma visão perfeita, rindo todo o tempo de seu esforço para não deixar rastros. — Aww, não fique tão chateado. — Yangchen o socou de leve no braço. — Você tem talento, dos bons.

 

Quão estupido ele era para achar que poderia enganá-la? Aqueles pequenos gestos de abertura que ela fez enquanto o curava, os lábios entreabertos, os leves acenos — ela estava o deixando confortável.

 

Agora a expressão dela era de completo desdém. — Golpe baixo você mentir para mim do jeito que fez, quando tantas pessoas nessa cidade estão vivendo no limite. — Até onde pude ver você tem uma família amável e um teto sobre sua cabeça. — Ela esticou a mão e passou os dedos na parede. — Quero dizer, tem um segundo andar nessa casa. Você é uma criança rica.

 

   — Não tão rico.  — Murmurou Kavik, plenamente consciente de que usava o mesmo argumento que mercadores para recusar os pedidos de doação de Mama Ayunerak.

 

   — Mas não tão pobre.  Eu o segui para ver à qual Shang você se reportava. Imagine a minha surpresa ao descobrir que você tinha uma pequena base separada própria. Seus pais não sabem da extensão de suas atividades, sabem? Porque você corre atrás de segredos e quase congela até a morte quando poderia estar trabalhando ao lado de amigos e vizinhos na livraria onde estaria quente e seguro?

 

— Por quê de fato. Havia respostas que eram dadas, e haviam respostas que eram conquistadas, e o Avatar não havia ganhado sua confiança. — Eu valorizo minha liberdade. — Respondeu devagar, porém direto.

 

Kavik esperava que ela já tivesse obtido o que queria para sair de seu quarto, sua casa, e deixá-lo sozinho.  Ao invés disso, Yangchen se sentou em sua cama sem pedir e ficou confortável, cruzando as pernas uma por cima da outra, e apoiando as mãos no joelho.

 

    — Bem, isso é ruim. — Ela disse. — “Todos que você conhece em Bin-Er estão no bolso de alguém.” Desde que você apareceu eu fiquei tentando descobrir no bolso de quem você estava. E agora eu sei a resposta.

 

Um sorriso se abriu em seu rosto. — No meu. — Declarou Avatar Yangchen. — Agora você está no meu.

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Capítulo 7