Dark? Switch Mode

O Legado de Yangchen: Profundezas

Todos os capítulos estão em O Legado de Yangchen
A+ A-

Desde pequena, Chaisee entendia que, para ser bem-sucedida, teria que estar disposta a ir além do imaginado.

 

Perspicazes os moradores de sua pequena ilha sem nome mergulhavam pelas preciosas esponjas-pepinos, bem abaixo da superfície reluzente das águas, onde a luz do sol desaparecia e as orelhas ameaçavam estourar. Ninguém em Mo Ce considerava essa proeza promissora ou que o risco valia a pena.

 

Mas o povo de Chaisee ignorou o bom senso. Sem a ajuda da dobra d’água, eles treinaram seus corpos a tolerar a pressão e suas mentes a abraçar os sinais de que estariam morrendo. Mergulhando, eles forçaram o caminho até as profundezas e arranharam suas mãos contra os espinhos pegajosos do coral, para trazer pequenas criaturas de pompom que, depois de cuidadosamente mortas e desidratadas, trariam uma generosa quantia de moedas no mercado.

 

Voluntariamente, ela e os aldeões assumiram o trabalho, geralmente fatal, de novo e de novo, só para poderem comer por mais uma estação. Os nobres de diversas cidades lavavam suas faces com o exterior tratado das esponjas-pepinos, já que possuíam o toque mais macio conhecido em todas as Quatro Nações. Um acordo com benefícios mútuos, baseado na disposição um dos lados de se torturar e o repúdio do outro lado com menor desconforto físico.

 

Quando Chaise cresceu, começou a administrar os livros da aldeia. Ela herdou de seu pai as negociações com os transportadores que coletavam as esponjas, pérolas, carne seca de marisco — o segredo era espionar outros fornecedores, usando ilhas desconhecidas como depósitos para controlar o valor de mercado. Ela não tinha nenhum motivo para desconfiar que seu futuro estragaria esse negócio, além da monção ocasional. 

 

O barco que quebrou o ciclo chegou com velas fixadas e um convés de proa que abria caminhos. Estranhamente, ele carregava bandeiras da Nação do Fogo e do Reino da Terra. O grupo que chegou na costa em escaleres era liderado por embaixadores juniores dos dois reinos. Foi lido para a aldeia reunida, uma proclamação, decretando aos habitantes desta ilha que não poderiam fabricar determinadas mercadorias marítimas. Por conta de um raro pequeno acordo entre o Rei da Terra e o Senhor do Fogo, os direitos exclusivos foram cedidos a um comerciante desconhecido de uma cidade longínqua que não possuía litorais.

 

— Isso não pode ser verdade. — O pai de Chaise havia dito, silenciando-a com um levantar de mão. — Nós protestamos essa decisão. Vocês poderiam pelo menos nos dar uma chance de formular uma resposta. — Para ganhar tempo, ele recorreu aos costumes de hospitalidade de sua ilha. — Vamos entrete-los esta noite como nossos ilustres convidados. Podemos barganhar amanhã.

 

Os embaixadores concordaram. Eles precisavam reabastecer seu estoque  e pegar mais água de qualquer forma. Enquanto o quartel-mestre do barco negociava a compra e abastecimento de seus suprimentos, um banquete foi montado rapidamente para os visitantes importantes e sua tripulação.

 

O nervosismo geral entre os aldeões diminuía enquanto eles dividiam uma boa comida e bebidas com os marinheiros em volta do fogo que queimava na praça. Esse banquete mostraria aos estranhos que essa ilha era a casa de muitas famílias como as deles e que um ato de humanidade deveria prevalecer sobre ditames vindos de longe. 

 

Chaisee não participou das festividades. Ela ficou afastada e observou, como sempre fez e, por isso, ela viu quando um dos marinheiros pegou uma tocha e a atirou para a cabana maior. Como se estivesse jogando um osso para um animal de guarda. Ela não foi rápida o bastante para falar alguma coisa ou tentar impedi-lo. 

 

A cabana era utilizada para guardar as esponjas-pepinos secas, e, em seu estado puro, os corpos poeirentos e porosos das criaturas marinhas eram melhores que qualquer madeira. O teto caiu com um estrondo, lançando calor, chamas e brasas nas cabanas adjacentes. O fogo se espalhou tão rápido que metade da aldeia já estava em chamas antes dos gritos começarem.

 

Chaisee lembrava da reação dos embaixadores, que obviamente haviam dado a ordem, com seus rostos iluminados pelas chamas exuberantes e dançantes. Eles rolaram os olhos, bufando com desdém, e partiram com a mesma calma que chegaram. Só irritados com todo o incidente. Lutando contra o fogo, seu pai estava muito desesperado para impedir os intrusos de chegarem em seus escaleres e saírem da ilha.

 

Ela observou a delegação ir, entendendo o fato de que um confronto não faria diferença nenhuma. As cartas que carregavam lhes garantia o poder e voz de seus governantes. Não havia nenhum criminoso ali, sua infância queimava pela efetivação de uma lei. Era mais fácil reivindicar justiça direto com os líderes das Quatro Nações. Quem seria tolo para cobiçar isso?

 

A gente não foi forte o bastante para impedir, ela pensou enquanto seus vizinhos carregavam, desesperadamente, baldes, cabaças e as mãos com água em direção ao fogo, lamentando enquanto seus futuros se transformavam em fumaça. Não tínhamos os amigos certos.

 

Empenhar-se à beira do esquecimento era inútil se você não conseguia proteger a vida que criou. Estratégias, acordos e negociações, eram só passos de dança. Ostentação. O árbitro verdadeiro esperando no final das performances era a violência. 

 

A aldeia arruinada de Chaisee serviu de advertência. Ela manteve essa lição na mente enquanto procurava trabalho nas ilhas vizinhas ao arquipélago oficial da Nação do Fogo. Segurando as pontas e sem perder a pose, cresceu seu nome em comércios, dominando os códigos de negócios falados em cada território, enquanto acumulava influências sobre seus parceiros e rivais. Quando o Acordo Platina foi fixado no mundo todo, ela rapidamente percebeu as oportunidades e previu, corretamente e de forma detalhada, como ele acumularia poder para algumas pessoas. 

 

Quando ela finalmente se tornou elegível para a função de Zongdu em Jonduri, a guerra já havia sido travada e ganha. Na cabeça dos shangs, a escolha racional era Chaisee como líder da cidade. Sua seleção foi unânime.

 

De muitas formas, Zongdu Henshe, seu adversário de Bin-Er, tinha a mesma mentalidade de Chaisee. Mesmo sendo um tolo que desperdiçou informações e recursos sem considerar as estratégias ou consequências de longo prazo, ele interrompeu seus planos com êxito, ameaçando delatar tudo que sabia para o Rei da Terra. Henshe roubou os frutos de seu trabalho, seus meios de se tornar imune ao perigo, algo que sua aldeia de infância não lhe deu. 

 

A imprevisibilidade de Henshe era uma ameaça maior que a de qualquer um dos homens e mulheres que Chaisee cruzou no passado. O sábio sabe quando agir, mas um tolo age por impulso. Mas agora Hanshe tinha partido, levando consigo seus recursos. Ela não sabia para onde ir. Não podia só sentar e esperar.

 

— Senhora — a nova assistente de Chaisee se anunciou, parando no assoalho empenado, na porta do quarto de bebê. Os pés com meia da garota faziam um rangido, como um pássaro machucado, a cada movimento. — Senhora, você recebeu uma…

 

O bebê acordou. Um choro ensurdecedor surgiu do berço de teca[1] no canto. 

 

[1] Teca: espécie de árvore.

 

Chaisee esfregou sua testa, tomando cuidado para não cobrir toda sua face. 

 

— Acabei de fazê-lo dormir! —  Ela teve que elevar sua voz para poder ser ouvida, algo que nunca fazia.

 

— Me desculpe, senhora, mas você recebeu uma carta e…

 

— Deixe-a e saia! —  a assistente chegou perto, deixou o envelope na mesa do quarto e fugiu o mais rápido que pode.

 

Ela não viu Chaisee melhorar a carranca quando saiu. A garota relataria ao Senhor do Fogo Gonryu que sua senhora estava cedendo sob a pressão, incomumente apresentando mais emoções. Talvez frustrada com sua criança. Distraída e por isso menos ameaçadora.

 

Tudo estaria longe da verdade. O filho de Chaisee era um lembrete penetrante para ela manter o foco. E seu choro era um empecilho perfeito para espiões. Como se estivesse ouvindo a serenata de um córrego, ela abriu a carta com calma, sem pressa. Ela puxou uma cadeira para perto do berço e o balançou gentilmente enquanto lia. 

 

A mensagem era incoerente. Mas ela reconheceu a caligrafia, que continha sinais escondidos que diziam exatamente onde achar a pessoa que a mandou.

 

Seu filho parou de chorar, mas ela sabia que ele voltaria se parasse de balançar. Talvez sua pele fosse propensa a irritações. Uma probabilidade frustrante, já que ele tomava banho com esponjas-pepinos, que eram muito mais caras comparadas com as de sua infância. Ela usou uma quantidade que faria sua versão mais nova arquejar, mas não existia nenhum outro com textura suave.

 

Chaisee dobrou o papel só com uma mão e olhou em volta. O quarto de bebê que ela construiu no imóvel do topo da montanha era escuro e fresco, uma trégua do calor escaldante lá fora. Mas a casa toda iria para o próximo Zongdu de Jonduri quando seu mandato terminasse.

 

Ela teria que deixar esse lugar em breve e começar do zero de novo. Essas eram as regras definidas pelos chefes de estado, que não se preocupavam em deixar para trás o que construíram enquanto ainda estavam vivos. A Avatar, pequena Yangchen, também não precisaria se preocupar. Ela seria a ponte entre humanos e espíritos por sua pequena eternidade até que ela falecesse e, então, outro Avatar nasceria.

 

Haviam muitas pessoas poderosas no caminho das ambições de Chaisee, colocando uma reivindicação exclusiva nessas permanências. Eles eram soberanos de seus domínios até seu último suspiro, sem medo de perder seus status, sem saber o que era ficar despido e vulnerável.

 

Chaisee poderia ser a última pessoa de pé entre eles, se ela escolhesse o caminho certo, se provasse estar disposta a ir além do esperado e se mantivesse um passo à frente de outros jogadores, em um jogo que poderia reconfigurar as Quatro Nações. Uma tolice absurda, mas que ela possuía meios. E vontade.

 

Ela olhou de novo para a carta e sorriu. Com o incentivo certo, tudo era possível.

Tags: read novel O Legado de Yangchen: Profundezas, novel O Legado de Yangchen: Profundezas, ler O Legado de Yangchen: Profundezas online, O Legado de Yangchen: Profundezas hq, O Legado de Yangchen: Profundezas alta qualidade, O Legado de Yangchen: Profundezas light novel, ,

Comentar

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Capítulo 1