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O Legado de Yangchen: Piscando Primeiro

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Yangchen olhou dentro dos olhos de Chaisee com uma honesta admiração. A Zongdu de Jonduri tinha simplesmente dado a ela tanta… permissão.

 

Se a licença para agir livremente neste mundo fosse uma moeda, então Chaisee havia construído um tesouro capaz de deixar o Avatar com inveja. Quantos homens e mulheres em todas as Quatro Nações poderiam afirmar ser tão livres quanto ela? Monarcas, gurus e poucos outros. Não é de admirar que Chaisee tenha lido tanto Laghima e Shoken. Somente aquelas mentes elevadas poderiam igualar-se a ela em certeza de propósito.

 

Yangchen não poderia reivindicar tal grandeza. Linhas foram desenhadas ao redor dela em uma teia de vidro rachado. Cruzar qualquer uma delas a condenaria como um Avatar ruim, uma Nômade do Ar ruim, um fracasso para inúmeras referências passadas e futuras. Nenhuma direção levava a uma fuga perfeita. 

 

Ela deu uma última olhada em Taku, o porto verde profundo, a encosta suave de suas colinas. Iwashi não estava totalmente livre de suas obrigações, como o zelador de uma topiária em miniatura, ele tomava decisões de podar e permitir o crescimento, favorecendo negócios organizados e indústrias refinadas que se encaixassem na imagem de prosperidade abraçada pelos quatro elementos. Vista deste ângulo, por uma audiência de poucos privilegiados, a paisagem urbana era um equilíbrio harmonioso de mar, vento e terra fértil, aquecida pelo sol. Uma pintura da perfeição.

 

Que besteira. 

 

Yangchen podia voar. Ela viu as coisas de cima. E Taku, como todo grande sucesso, era uma elaborada peça encenada. 

 

Ela sabia que fora dos limites da cidade, as fábricas de papel expeliam odores nocivos para o céu, enquanto tonéis de lama ferviam em fixadores alquímicos. Mais abaixo das rotas comerciais, milhões de bichos da seda morreram fervidos em seus casulos, afim de desemaranhar seus fios. Aldeias inteiras de trabalhadores ao longo das famosas Trilhas do Perfume danificaram permanentemente seus sentidos de olfato e paladar ao misturar lotes de produtos à mão.

 

Ninguém nunca gostou de olhar muito de perto para a humanidade se contorcendo e gritando, nem mesmo nas circunstâncias mais benignas. Os Templos do Ar tinham uma expressão em relação aos visitantes externos que ficavam chocados e desapontados com o incrível volume de tarefas com as quais os monges e monjas tinham que se ocupar para suportar algumas horas por dia de meditação e estudo. Pálpebras fracas. A iluminação era um músculo, e o mundo era muito pesado para a maioria.

 

Yangchen estendeu a mão em direção à porta da varanda, com os dedos abertos. Ela rapidamente os fechou em uma forma de bico de peixe-guindaste. A alvenaria da parede se fechou, desafiando a solidez da argila cozida e da argamassa com um estalo rangido. Ela torceu a mão e a parede se fechou em uma espiral tão apertada quanto as pétalas de uma flor no frio.

 

Ela se moveu mais rápido do que Chaisee pôde reagir. A Zongdu se assustou com a poeira que escorria.

 

— O que você está fazendo? — disse ela — Tínhamos privacidade suficiente.

 

Yangchen não respondeu. Ela se inclinou para trás e arremessou uma rajada de vento no grande gongo de bronze, batendo no metal de modo que ele ressoou, enviando um zumbido profundo e chocante através do salão de convocação e para o coração de Taku.

 

O ato não era fácil com seu elemento nativo. Ar normalmente empurrava superfícies, não atingia ou causava impacto. Ela arremessou novamente, mais forte, e um segundo som ecoou sobre a cidade. Em circunstâncias diferentes, ela poderia ter parado por ali para dar a Chaisee uma chance de responder. Ela demonstrou prova suficiente de conhecimento.

 

Mas neste mundo Nujian estava morto. Uma população inteira havia desaparecido. E Yangchen havia batido sua cota de meias-medidas. Para enfatizar mais ainda, ela saltou para cima e angulou um chute aéreo no gongo para uma terceira rajada forte, um golpe de calcanhar na cabeça.

 

Ela terminou o salto caindo de quatro, quebrando o chão da varanda com os nós dos dedos. Uma grande massa de rochas brotou do solo abaixo, um deslizamento de terra que desafiou a gravidade. A pedra envolveu toda a plataforma, prendendo as duas firmemente dentro das paredes.

 

A luz estava filtrada por minúsculas rachaduras na pedra, como os espaços entre os dedos. Elas se tornaram dois insetos na mão em concha de um gigante. Yangchen podia ver sua companheira de prisão. A normalmente imperturbável zongdu empurrou os tijolos retorcidos que bloqueavam a entrada, tentando voltar para dentro.

 

— Que jogo absurdo é esse? — gritou Chaisee. Ela deu um soco em cada seção da parede, procurando por pontos fracos, metódica mesmo quando seu medo crescia. — Liberte-me agora!

 

Vamos nos comportar? Yangchen dirigiu a pergunta silenciosa para si mesma com mais do que um pouco de sarcasmo. Agora, no momento crucial, ela não podia se dar ao luxo de perder o controle por causa de velhos medos.

 

O espaço confinado não a aterrorizava. Ela imaginou seus antigos eus, afastando-se do presente, querendo ficar longe de sua loucura. Deixando Yangchen. 

 

— Você sabe o que torna um Nômade do Ar um Nômade do Ar? — disse ela. — A capacidade de sentar quieto consigo mesmo, em qualquer lugar, em qualquer condição, sem nenhum desejo ou planos. Eu pensei que nós duas poderíamos tentar isso juntas.

 

Chaisee girou sobre ela. 

 

— Não podemos ficar aqui!

 

— Por que não? — Yangchen perseguiu a imagem completa por tanto tempo para não aproveitar. Agora era a hora de ver o que a ignorância deliberada poderia colher. — Não devemos correr nenhum perigo. Este espaço não é diferente da cela de um eremita. Certamente, nenhum mal acontecerá a você pelas minhas mãos.

 

Yangchen se inclinou para mais perto, seu sorriso incontrolável. 

 

— Acontece que eu sei que Thapa requer um pouco de tempo para trabalhar até uma explosão realmente grande. Talvez eu consiga nos salvar antes disso, se você me der a localização dele.

 

Com as mãos trêmulas, Chaisee fez gestos de calma. Algumas mechas de cabelo solto roçaram atrás das orelhas, respirou profundamente. 

 

— Então este é o seu jogo? Apostando tudo em quem pisca primeiro? Eu não pintei você como uma líder tão irresponsável. — Sua mente ágil buscaria qualquer fio que pudesse para tecer uma rede de segurança. 

 

— Pense na situação que você deixaria para trás, Avatar. — disse Chaisee, tentando ultrapassar os últimos grãos de areia caindo na ampulheta. — Taku em caos. As quatro nações em desordem. Você não quer deixar este mundo agora com tantos grandes arrependimentos, quer?

 

Yangchen a encarou antes de cair na gargalhada.

 

Chaisee deu um salto para trás. Os uivos estridentes de Yangchen ecoavam dentro do pequeno recinto. Arrependimentos? Ameaçar o Avatar com arrependimentos era como tentar afogar um peixe. Ela sabia disso agora. Yangchen estava condenada a uma eternidade de reflexão sobre seus erros, independentemente de suas escolhas.

 

— Eu não posso deixar este mundo, — ela engasgou enquanto enxugava uma lágrima de seu olho. — Estou presa! Eu sempre volto! Você não sabia?

 

Se ela estivesse presa a esta rocha, então ela usaria suas correntes como uma arma. 

 

— Você, por outro lado, Zongdu Chaisee. Pense no que você deixaria para trás.

 

O branco dos olhos de Chaisee cresceu.

 

— Uma pessoa com visão de futuro como você teria feito muitas garantias para sua ausência prematura e repentina. — disse Yangchen. — Sua organização pode sobreviver sem um chefe até encontrar um novo. E você provavelmente já redigiu contratos para deixar dinheiro onde achar melhor.

 

Isso era certamente verdade. Os indivíduos mais ricos prestavam considerável atenção em como sua riqueza viveria além deles. Mas havia uma profunda diferença entre planejar a própria morte e enfrentá-la.

 

— Tenho certeza de que você pode confiar seu legado a seus subordinados, dado o exemplo de líder que você é. — Yangchen riu, alguns contos eram muito difíceis de contar com uma cara séria. Ela não era tão boa atriz. — Aposto o mundo que seu filho seria bem cuidado por todos aqueles homens e mulheres… que você pagou.

 

Chaisee abaixou a cabeça. 

 

— Ele está embaixo do salão. — ela sussurrou.

 

Não. Não, não, muito cedo. Eu preciso ter certeza de que você está falando sério. Yangchen cruzou os braços e permaneceu onde estava. 

 

— Você não me ouviu? — O berro de Chaisee foi a primeira nota de verdadeiro desespero que Yangchen já havia ouvido dela.  — Há um porão sob as tábuas do piso do salão de convocação! Thapa está selado lá dentro! Você precisa extraí-lo!

 

— Me desculpe, — disse Yangchen calmamente. — Você me alimentou com tantas mentiras que não posso mais acreditar na sua palavra. Eu desço lá, não encontro nada, você aproveita para fugir. Não vou cair em seus truques.

 

 — O que há de errado com você!? — Chaisee agarrou suas vestes e puxou-a para perto com a força de uma pessoa que finalmente tinha algo a perder. — Não há mais tempo!

 

Ela procurou o rosto do Avatar em confusão. Um entendimento se deu entre elas. Apesar de seu conselho anterior, Chaisee ainda tinha algum orgulho nela. Porque o resto deste orgulho desmoronou diante dos olhos de Yangchen.

 

A Zongdu de Jonduri caiu de joelhos. Ela se abaixou, ainda segurando as vestes de Yangchen, e fez como tantas multidões haviam feito antes, nesta era e nas eras passadas.

 

— Avatar Yangchen, — ela implorou. — Salve-me. Por favor.

 

Escondidas de testemunhas, as duas poderiam alcançar seus pontos mais baixos juntas. Chaisee, a discípula. A seguidora. E Yangchen, uma estátua em uma alcova.

 

— Cometi um erro. — disse Chaisee. — Eu nos coloquei em perigo. Isso é tudo minha culpa. Obra minha.

 

Elas estavam quase lá. Uma verdadeira declaração de arrependimento tinha um ingrediente crucial. A zongdu foi perspicaz o suficiente para entender a tempo?

 

Chaisee levantou a cabeça. Lágrimas brotaram em seus olhos. 

 

— Por favor! — ela chorou — Vou fazer qualquer coisa para consertar!

 

Bom o bastante. Yangchen saltou para cima, rompendo o topo do recinto, a pedra quebrando em volta de seus ombros.

 

O ar jorrou cada vez mais alto, além do gongo que ela havia tocado para chamar Thapa de seu esconderijo, o teto do salão encolhendo sob seus pés. O esforço foi mais fácil do que o normal, mesmo para um mestre da técnica, como se seu próprio corpo estivesse mais vazio.

 

Daqui de cima, Taku era tão minúscula e irreal. Ela ficou tentada a dar um passo para fora do funil giratório para ver se conseguia seguir Laghima até a lenda do nada. Outro dia talvez.

 

Yangchen concentrou sua atenção abaixo e cometeu o verdadeiro ato irresponsável, autodestrutivo e imperdoável de hoje. Com o homem que poderia, sem dúvidas, matá-la em então poucos momentos, ela entrou no Estado Avatar.

 

O salão era modelo de um arquiteto. Em uma placa de barro, pôde ser girado para o lado. A peça central de Taku mudou de acordo com a vontade de Yangchen, seguindo o comando de seu corpo. Uma deriva tectônica, localizada em um único bloco. Certamente todos que podiam vê-la estavam gritando de terror.

 

Os postes do edifício estalaram como gravetos. Com o poder emprestado, ela desviou todo o salão, com Chaisee ainda dentro, para a beira da rua. O prédio despencou, diante de uma multidão de espectadores desnorteados, como um bolo estragado, uma visão ridícula. Um marco, outrora orgulhoso, empurrado para a esquerda.

 

Assim que o fosso escavado nos andares mais baixos foi revelado, Yangchen caiu do céu e pousou no lado oeste da base, que por acaso tinha aproximadamente o comprimento da quadra de bola aérea. Até os pilares de sustentação decapitados, à esquerda e à direita, se assemelhavam ao pedestal do jogo de seu povo.

 

O lado leste havia se convertido em uma cova imunda, cheia de sujeiras e rações meio roídas. Um único ocupante permaneceu de guarda. Thapa. Chaisee o escondeu sob o próprio local de destino, enganando Yangchen e qualquer um que pudesse saber que uma de suas principais vantagens era o alcance. Não era de admirar que não tivessem conseguido encontrá-lo.

 

As vibrações do gongo o alcançaram em sua cova, no entanto, um sinal que poderia ter penetrado em qualquer local de Taku. O Dominador de Fogo inspirava e expirava, com a cabeça baixa meditando, completamente imperturbável pelo estrago que Yangchen havia causado. Ele parecia determinado a cumprir suas ordens, sem se importar com as circunstâncias. 

 

Thapa inalou uma última vez e olhou para ela. Havia um brilho vítreo e distante em seus olhos, de fome ou isolamento ou algo que ela não conseguia identificar. A astúcia egoísta que normalmente escorria do homem estava longe de ser encontrada em sua expressão vazia.

 

Ele terminou o longo desenvolvimento de sua técnica. Lá estavam eles, o Avatar e a Unanimidade, dois grandes poderes em extremos opostos de uma escala oscilante, abrangendo o pivô do mundo.

 

— Não, —disse Yanghcen. — Você tem…

 

Thapa inclinou a cabeça para trás, longe o suficiente para dar uma olhada em suas narinas. Seu estômago cavou para dentro.

 

Você tem escolha, era o que Yangchen ia dizer. Mas, aparentemente, Thapa se sentiu compelido a continuar em seu caminho destrutivo, assim como Chaisee, Feishan e todos os seres com visão pequena a quem Yangchen já havia implorado. Ele jogou a cabeça para frente e soltou a habilidade pela qual trabalhou tanto, sobreviveu e traiu seus companheiros. Todo aquele poder tinha que ir para algum lugar.

 

O distinto pop-pop da Unanimidade soou.

 

Não importa, Yanghcen pensou, estranhamente em paz enquanto levantava as mãos. Está tudo bem.

 

Ela fez uma escolha própria, há muito tempo atrás.

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Capítulo 32