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O Legado de Yangchen: O Oásis Espiritual

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Equilibrar negócios e família era um ato que Yangchen conhecia bem. Ela planejou sua visita ao Polo Norte para cuidar de ambos. Talvez ela devesse ter que trocar a ordem. Priorizar assuntos do estaduais não a ajudou com Oyaluk.

 

A procura por sua irmã levou Yangchen de volta ao Oásis Espiritual, uma caixa de quebra-cabeça hierarquizada. Água dentro de terra dentro de água dentro de gelo, atrás de uma porta singela. A enseada, cortada dentro das profundezas de Agna Qel-a, foi criada sem o toque humano, possivelmente por Tui e La, os espíritos da Lua e do Oceano. Yangchen tinha mais motivos para acreditar na história do que a maioria das pessoas.

 

Ela foi banhada por calor enquanto atravessava as pontes arqueadas até a pequena ilha verde no centro do oásis. Abaixo de seus pés a água estava parada, sem reflexões, e seus passos retumbavam contra as tábuas, alto demais para seu gosto, anunciando sua presença.

 

Ela sentia o cheiro das tangerinas Satsuma maduras e do Osmanthus florido, a vegetação exuberante cultivada e mantida no auge da vitalidade pela energia do oásis, indiferente à estação e à temperatura do lado de fora. Ainda bem que ela não levou Pik e Pak. Eles teriam devorado as frutas até que o local sagrado se tornasse infértil.

 

A piscina no coração do Norte não formava um círculo perfeito. Uma das bordas inclinava para dentro, como se Tui e La soubesse que as pessoas com suas carências e desejos iriam até a beira da água, à procura de conselhos. Os espíritos presentearam aos seres humanos um ótimo lugar para sentar. Yangchen ajoelhou-se na grama e colocou suas pernas abaixo de si mesma, na posição lótus.

 

Em seu universo particular, as carpas Koi eternas diante dela nadavam em um ciclo infinito, suas ondulações oscilando contra os lados da lagoa. Yangchen tomou o chá costumeiro, preparado com folhas colhidas de um dos arbustos do oásis, vigor emprestado corria em suas veias.

 

Ela precisava estar presente, vigilante. O oásis era um local de paz verdadeira. Poderia facilmente se tornar um local de perigo inconcebível.

 

Suas juntas se encontraram em seu colo, tocando um indicador com o outro indicador.  Um punho se abre e fecha. Não consegue fazer os dois ao mesmo tempo. 

 

Ela meditou para achar Jetsun no Mundo Espiritual diversas vezes, sempre deslizando pelo véu com facilidade. Ela relaxava, fechava os olhos e os abria de novo na luz sem origem, se encontrando em um campo verdejante ou uma floresta acolhedora. Espíritos, silêncio e conversas a recebiam, árvores grandes e mudas se curvavam solenemente até alcançar seus troncos, com suas copas tocando no chão, e cogumelos cantando em uma harmonia na escala pentatônica. Criaturas se reuniam, espíritos com formatos de animais chegando perto de até Yangchen por curiosidade, seres com cascos e alados revezando para encostar na sua mão estendida.

 

Os espíritos que podiam e queriam falar precisavam de precaução. Yangchen pensava: porque eles eram tão apreensivos, porque tantos julgamentos atrás de seus olhos, quando eles tinham olhos. Jetsun lhe deu a resposta, há um tempo. Os espíritos raramente faziam perguntas ou tinham insatisfações. Eles só existiam. 

 

Ou seja, em qualquer encontro, você sempre estaria incomodando eles. A culpa já havia sido decidida. Humanos eram invasores por natureza. 

 

Essa seria a primeira vez que ela meditava no Oásis Espiritual usando a dica que as Enguias-fênix de Ma’inka deram a ela, a visão que a atormentava. O nevoeiro. Preciso encontrar o nevoeiro. Às vezes, um viajante poderia atravessar a um local conhecido no Mundo Espiritual, se sua determinação e foco fossem suficientes. Imagine o nevoeiro.

 

A pele na parte de trás das suas mãos se esticou, distendendo as setas tatuadas ali. Ela não conseguia chacoalhar a frustração do dia. Começar com os negócios foi a decisão errada.

 

Oyaluk rejeitando sua proposta de paz virou história imemorial. As Quatro Nações sempre faziam o seu melhor para marchar em direção a um penhasco. E lá estava ela, a Avatar recente, tentando puxá-los para longe da borda. Nenhuma de suas vidas passadas havia conseguido melhorar a natureza auto-destrutiva da humanidade.

 

Se uma criança bem cuidada não parar de chorar, deixe-a no campo.

 

Com seus olhos fechados, a sobrancelha de Yangchen se encolheu. O estranho e pouco caridoso Koan[1] pulou em volta de sua cabeça, um pássaro agitado à procura da saída da gaiola. Ela se perguntou quem o deixou entrar. 

 

[1] Koan é uma narrativa, diálogo, questão ou afirmação no Budismo Zen, que propicia a iluminação espiritual de seu praticante.

 

Então ela se lembrou. Era uma lição do panfleto do Guru Shoken. Os trabalhos do filósofo milenar que Zongdu Chaise apresentou a ela. 

 

Ela fez um pequeno som com seu nariz, acabando com o silêncio do oásis. Talvez Shoken estivesse certo. Talvez o mundo, dançando despreocupadamente ao longo do precipício, precisava saber como era cair.

 


 

Um equívoco comum sobre a meditação era a suposição de que você precisaria apagar o tudo de sua mente. Mentira. Pensamentos podiam ir e vir. O dever da meditação era observá-los até que passassem, para provar que você e o falatório de sua mente não são a mesma coisa.

 

Mas essa ideia, com a humanidade colhendo exatamente o que plantou, grudada a Yangchen como uma linha presa em sua túnica. Ela enrolou por muito tempo até que ela conseguisse separá-los.

 

Ela ainda estava saboreando o gosto da vingança quando o campo físico regressou em seu eixo e o Mundo Espiritual a engoliu por inteiro.

 


 

Yangchen caiu em um solo desconhecido, rolando sem nenhuma elegância, com sua túnica ao contrário prendendo seus membros. Uma entrada tão desajeitada significava que não foi só seu espírito que havia passado pela fronteira, seu corpo também.

 

Ela encontrou seus pés como um Dobrador de Terra: sentindo o solo e então reduzindo seu centro abaixo de seu eixo, assim que seus pés encostaram no chão. Seu rolamento virou uma derrapagem e depois um agachamento. Ela se levantou e arrumou seu manto de volta em seu lugar com uma mão, cuidadosamente.

 

Ela não estava na campina alegre que havia frustrado sua procura, como das outras vezes. Até onde ela conseguia enxergar, nada crescia no solo frouxo e rochoso. O céu estava da cor de um pôr-do-sol raivoso, um laranja áspero e forte.

 

Bom, isso era diferente. Talvez a feiura de seus pensamentos enquanto atravessava afetou o lugar que pousou. Ela tentou dar um passo à frente, mas sentiu algo apertar sua perna, como uma agulha de magnetita. Um toque que ameaçou ficar mais forte. 

 

Lutar contra a força invisível ou segui-la. Por agora, Yangchen seguiu o caminho com menos resistência. Ela caminhou na direção que era permitida e rapidamente começou a descer uma inclinação gradual.

 

Uma camada de névoa branca apareceu em volta de seu calcanhar. Quando uma sombra emergiu no caminho, ela olhou para cima e viu garras enormes de pedra se enrolando nela, como uma garra de predador do tamanho de uma torre do Templo do Ar.

 

A mão se fecha. Jetsun, envolta de vapor transparente. O pesadelo de Yangchen havia mostrado a direção para ela. Ela estava no caminho certo.

 

O manto em volta de seus ombros parecia mais pesado enquanto caminhava montanha abaixo, o tecido de sua túnica roçando contra seus joelhos. Sua roupa estava úmida. A neblina estava acima de sua cabeça.

 

Yangchen quase deu de cara com uma parede de pedra translúcida e, depois de sentir para que lado ela continuava, percebeu que estava na boca de um cânion. Não ligo para as mãos, mas o que a boca vai fazer? Ela tropeçou, guiando-se pela parede, como se as regras de bom senso ainda se aplicassem e ela estivesse navegando um labirinto simples. O outro lado poderia se fechar inesperadamente e prendê-la em uma armadilha. É ligado a uma garganta. Ela consome.

 

Ao invés de desacelerar, ela começou a se emaranhar na névoa mais rápido, mudando para um pequeno toque da ponta dos dedos contra a pedra para que pudesse correr. Ficar sem coragem no Mundo Espiritual foi como ela perdeu Jetsun. Sofrer com o mesmo erro era imperdoável. Shoken concordaria. 

 

Um esboço de solidariedade cintilou ao lado e ela abandonou a parede do cânion para continuar. O nevoeiro estava irregular e pontilhado com bolsos mais finos que vagavam como fios flutuando no olho. Lá estava a figura de novo, serpenteando na direção oposta.

 

Yangchen decidiu se arriscar e inspirou profundamente.

 

— Jetsun? — Ela chamou.

 

O eco que a respondeu não pertencia a ela.

 

Dúzias e dúzias de vozes desconhecidas atacaram seus ouvidos. Poderiam ser das acólitas do Templo do Oeste e mesmo assim Yangchen não conseguiria reconhecê-las por conta da angústia extrema que entrelaçava uma voz a outra, além dos limites que um humano conseguiria produzir. Dentro das profundezas da névoa, as pessoas estavam sendo torturadas acima de seus limites.

 

O coro de dor. Ela já o ouviu antes, quando as enguias-fênix de Ma’inka lhe mostraram a visão de Jetsun. O espírito de sua irmã estava preso ali em algum lugar. Ela tinha certeza. 

 

Imediatamente, Yangchen deu um passo à frente, cravando seus calcanhares no chão enquanto girava em círculo e cortava o cânion com uma rajada de vento. Os vapores brancos se separaram, mas nem tanto quanto deveriam. O espaço escasso que ela conseguiu limpar estava lotado de humanos, silenciosamente sustentados por berlindas invisíveis ou com suas cabeças jogadas para trás gritando profundamente.

 

Ela correu para perto da pessoa mais próxima, um homem usando uma roupa estranha e ornamentada cheia de sangue. Enquanto ela o olhava para ver se estava machucado, ele tremia com soluços intensos, se engasgando com ar. Sua fila[2] trançada estava desgastada na metade de seu tamanho original, como se fosse uma corda cortada.

 

[2] Penteado utilizado pelos povos da Manchúria.

 

Yangchen o apalpou de cima abaixo procurando machucados, focando em suas mãos, onde as manchas eram mais profundas. 

 

— Me fale onde está machucado, — ela disse. E percebeu porque achou suas vestimentas estranhas. Eles saíram de moda a 200 anos atrás.

 

Ele murmurou, mas ela ouviu mais choro do que palavras.

 

— Eu não entendi. — Yangchen disse. Ela estava quase enfiando seus dedos na garganta dele para ter certeza que ele não havia engolido sua própria língua. 

 

Me desculpe! — O homem gritou de repente. — Me desculpe! Não foi minha intenção!

 

Um pedido de desculpa infantil, como se uma criança tivesse quebrado algo importante. Yangchen soltou o homem e se afastou lentamente. Ele não estava machucado. O sangue que ensopava suas mangas não era dele.

 

Ela esbarrou em alguém atrás dela e virou-se. Uma mulher com um traje simples de fazendeira a encarava, a incredulidade estampada em seus olhos. 

 

— Nada. — Ela gemeu. — Isso tudo por nada. Por que nós- Por nada? Como pudemos ser tão tolos?

 

A mulher se grudou a Yangchen, prendendo seus ombros com a força da mordida de um animal. Yangchen se livrou, quase se enforcando com seu colarinho. Ela tentou correr de volta pelo caminho que entrou, mas a cada virada ela era cercada por pessoas de épocas passadas e esquecidas que cambaleavam em direção a ela, machucadas por suas dores.

 

Agora ela conseguia entender claramente o que eles diziam. Choros de desamparo se prendiam a ela como espinhos. Mãos se estendiam a ela enquanto ela fugia.

 

Você não pode me negar isso! Não depois de tudo que fiz por você!

 

Eu perdi ele. Ele estava bem ali e eu o perdi.

 

Eu vou ter o que você me deve! Você está ouvindo?

 

Essa foi minha última chance. Essa foi minha última chance. Essa foi minha última chance…

 

A neblina não lhe permitia mais passagem. Ela açoitava seu rosto como teias de aranha opacas e atolava seu calcanhar como lama de praia. Sua pele exposta parecia estar inchada e coçando. Seu instinto lhe dizia que o vapor saía de seus poros e estavam percorrendo seu corpo até suas unhas. A neblina estava viva. Estava tentando se tornar parte dela. 

 

Yangchen cobriu sua boca e nariz e correu sem respirar. Mas ela só conseguiu andar um pouco antes que sua visão falhasse, ameaçando submergi-la em um mar escuro. Ela se agachou para rastejar e arrastou seu corpo o mais longe que conseguiu. Sua forma física havia virado um risco.

 

Ela sempre tinha que tentar superar Jetsun, não é mesmo? Ela perdeu as duas metades de si, não só uma. Até riria, se não estivesse tentando manter a neblina longe de suas vias respiratórias. Ela tinha certeza que era um espírito, maligno e esfomeado.

 

Nenhum de seus antecessores morreu dessa forma, já que suas memórias teriam vindo à tona. A Avatar Yangchen combatia seus medos, mas ela não era imune ao aperto de vergonha e humilhação de suas entranhas, os batimentos de um coração fora de controle. Antes que ela desmaiasse, ela deixou de lado suas apreensões e implorou pela ajuda das pessoas que já foram fontes de dor e luto na sua vida.

 

Me salve, ela chamou a suas vidas passadas pelo Estado Avatar. Por favor.

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Capítulo 4