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O Legado de Yangchen: O Duelo

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Yangchen tinha de escolher dentre três diferentes cabanas isoladas espalhadas ao redor do templo, uma para cada membro da Unanimidade. Sem que pudessem ser alcançadas, a não ser que pelos ares, as pequenas faixas de terra serviam originalmente de ermidas para monges que queriam praticar solidão meditativa. Ela as fez de celas para dominadores de fogo.

 

Aparentemente, não havia nada em sua cultura que ela não poderia corromper. Yangchen deixou de lado a questão filosófica por ora. Ela se sentia como a marca em um jogo das três conchas. Escolher uma localização significava abandonar temporariamente os monges nas outras duas.

 

Aqueles jogos de “siga o seixo” eram normalmente manipulados. Ela tomou um momento para se recompor enquanto Nujian acelerava sob a linha de cume e tentou relembrar sua imersão no Estado Avatar que havia acabado de acontecer. A sensibilidade estava aguçada por conta da ampliação de sua dominação de ar. A onda de choque de uma das explosões havia atingido sua pele e bagunçado seus cabelos. O detalhe que ela queria estava lá, mas na hora estava inundado no oceano de desprezo das próprias pessoas que estava tentando salvar.

 

A cabana de Yingsu. Sua melhor hipótese teria que ser o suficiente. Uma cutucada com seu calcanhar e Nujian desviou em direção ao Leste do vale. Eu preciso estar certa, ela pensou. As sombras projetadas pelas saliências acima se agitavam como asas de insetos e davam espaço para um sol ofuscante. Por favor, só dessa vez, me permita estar certa…

 

Nujian parou de repente e ela cambaleou para frente. Seus olhos ajustaram à iluminação. Em frente, o eremitério onde alguns dos Nômades do Ar mais venerados haviam encostado suas cabeças ao longo de séculos havia se tornado uma ruína fumegante.

 

Seu bisão recusou continuar, em função de seus instintos de perigo. Yangchen procurou freneticamente por seus companheiros dominadores de ar. Ali, mais para baixo. Ela avistou Yingsu pressionada contra o lado de um grande, saliente afloramento.

 

A poderosa dominadora de fogo tinha seu braço estrangulando um jovem monge que não conseguia escapar. O resto de seus guardas jaziam espalhados pelas pedras, com suas vestes laranjas se destacando como um derramamento de sangue em contraste com o cascalho cinza.

 

Uma desagradável, intensa raiva que não precisava de nenhuma vida passada para ser sustentada escorria pelos lábios de Yangchen. Ela escondeu Nujian e direcionou a brisa atrás dela, se impulsionando para baixo na direção de seu inimigo como um meteoro.

 

Mas um pequeno gesto, que quase passou despercebido, a fez divergir do caminho. Yingsu olhou com raiva para os corpos espalhados à sua volta e pressionou um dedo nos lábios. Shh.

 

Ela não estaria mandando mortos ficarem quietos. Yangchen parou no último segundo e esbarrou no lado da montanha, amenizando o impacto com o domínio de terra. Ela rastejou para fora do túnel que havia criado como um esquilo cantante. Uma dominadora de fogo e seis Nômades do Ar vivíssimos encararam-na em choque.

 

— Idiota! — Yingsu gritou baixinho. — Você acabou de revelar nossa posição–

 

Perto deles a montanha explodiu lateralmente. Uma bolha de chamas se espalhou pelo declive e teria os consumido se Yangchen não tivesse lançado ar contra ela com a maior força que poderia alcançar sem o Estado Avatar.

 

O calor os envolveu como as paredes de um forno. Os monges se mantiveram abaixados e cobriram suas cabeças. Yingsu manteve seu controle sobre aquele que gritava e balbuciava com medo, impedindo-o de se jogar nas chamas durante o pânico.

 

A explosão passou, mas a poeira permaneceu no ar. Yangchen tossiu, com seus pulmões lamacentos.

 

— O que está acontecendo?! — Ela mal podia se ouvir falar.

 

Yingsu largou o monge que estava segurando ao chão para que seus irmãos pudessem lidar com ele em vez dela.

 

— Thapa está em algum lugar do outro lado do vale — disse ela. — Ele provavelmente já pegou Xiaoyun, e agora está tentando me matar.

 

Não havia tempo para questionar por que os dominadores de fogo haviam virado contra si mesmos ou como Thapa havia escapado de sua própria prisão. Nujian flutuava por trás da segurança proporcionada pelo domínio de ar. Yangchen enrolou sua língua e assoviou para ele ir buscá-los.

 

Yingsu entendeu suas intenções assim que a primeira nota ressoou no ar. Ela rapidamente esticou o braço e tampou a boca de Yangchen com sua mão da mesma forma que havia feito com seu antigo prisioneiro.

 

Não! Você quer dar a ele um alvo peludo gigante?

 

Inimigos em comum resultavam em amizades estranhas, e Yingsu parecia estar na laia da Avatar por ora. Yangchen precisava confiar que a dominadora de fogo conhecia mais as capacidades de seu antigo companheiro do que ela. Mas Nujian ainda era a única maneira de fugir, e eles precisavam se mover antes do próximo ataque de Thapa. Ela estapeou o braço de Yingsu e voltou sua atenção para a chapa de pedra que os cobria.

 

O movimento de seus pulsos remetiam mais aos movimentos de seu elemento nativo do que à dominação de terra. Ela dividiu o pedaço maior de rocha em duas placas mais largas que sua própria altura e as deixaram girando em suas pontas.

 

— Sigam a cobertura enquanto for possível! — Ela ordenou aos monges.

 

A confusão deles desapareceu assim que ela mandou as rochas girando em duas direções diferentes. Seus irmãos do Templo do Norte ficavam por aqui; ela não iria arriscar ainda mais a vida deles. Um empurrão de ar moveu os pés deles em direção a Nujian. Eles agacharam e tentaram acompanhar a tela que ela movia.

 

Yingsu ia segui-los, mas Yangchen empurrou suas costas no sentido oposto. A dominadora de fogo fez uma careta mas foi forçada a correr com ela por trás da segunda placa de pedra saltitante. O intuito era fazer com que Thapa escolhesse. E a expectativa era que ele hesitasse.

 

À frente havia uma série de fendas na encosta, uma rede de trincheiras naturais que pareciam oferecer maior proteção. Mas ainda estavam muito longe. Yingsu sabia disso.

 

— Não vamos conseguir chegar antes que–

 

Yangchen a agarrou novamente pela gola e a puxou para baixo, dentro de uma vala rasa que mal comportava o topo de suas cabeças. A rocha continuou a rolar. Assim que ela alcançou as fissuras, uma nova explosão de fogo a quebrou com a mesma facilidade de um tijolo quebrando porcelana.

 

De onde quer que ele estivesse na distância, Thapa lançou uma sequência de ataques furiosos contra os sulcos escavados na montanha. A característica da paisagem era visível de longe. Yangchen estava contando com isso.

 

— Ele acha que estamos ali dentro — murmurou Yingsu. — E está gastando energia com cada ataque. Bom truque.

 

Enganos acima de proteção. A única barreira separando-as de uma morte instantânea era um pouco de grama alta. Pelo canto de seu olho, Yangchen vislumbrou Nujian voando de volta para o templo, com o adicional de um grupo de dominadores de ar montado em suas costas. Ao menos ela os tirou dali.

 

Porque, além daquela vitória, ela não havia pensado realmente em seus próximos movimentos. Uma quantidade de terra aterrissou em seu rosto. Nesse ritmo, ela e Yingsu poderiam ser enterradas vivas.

 

O que a Unanimidade fazia não era dominação de elementos, decidiu ela, com ódio surpreendente, genuíno. Era uma perversão. O ar tremia com o ato antinatural e vibrações vinham do chão até sua coluna. Ela entendia o colapso daquele monge. As sensações sobrecarregavam os olhos e os ouvidos, uma agressão aos exatos canais que um dominador de ar treinou para manter abertos.

 

O chiado de cinzas caindo sobre a terra desapareceu. Yangchen contou durante o silêncio, o número aumentando cada vez mais.

 

— Ele acabou ou é uma armadilha para nos mexermos? — Ela sussurrou a Yingsu quando a contagem chegou a cinquenta. Ela não queria levá-las a uma posição melhor caso um pedacinho de terra mostrasse a Thapa exatamente onde mirar.

 

— O que você acha? — Disse a dominadora de ar.

 

Então elas ficariam ali por um tempo, dividindo essa vala lado a lado. Yingsu mal cabia, dado o quanto ela era alta.

 

— Irônico — disse Yangchen. — Não muito tempo atrás você foi a que mais chegou perto de me matar.

 

— Eu deveria ter sucedido. Aí não estaria presa aqui. — Yingsu havia sido, por teimosia, a mais quieta dos prisioneiros; isso era mais do que ela falaria normalmente em semanas. Ela tinha uma voz estranha sem agudos, como se estivesse zombando eternamente de um vovô tolo. — E faz bastante tempo. O tempo passa tão devagar nessas montanhas que quase coloquei fogo no meu próprio cabelo de tédio.

 

Você deveria ter arranjado um hobby como Thapa. Uma brisa moveu a grama e Yangchen reconheceu sua oportunidade. Enquanto a vegetação da encosta permanecia brevemente em movimento, ela esticou o pescoço e visualizou seus arredores em um instante. A técnica exigia treino e era especialmente valorizada por, bem, a Lótus Branco. Às vezes Yangchen se perguntava se a animosidade deles se devia em parte ao quão desejável ela seria como recruta.

 

Assim que o vento parou, ela agachou novamente em segurança. Uma ondulação na encosta oposta dava a seu inimigo abundantes opções de esconderijos confortáveis, uma defesa de encosta reversa. Sua posição superior era provavelmente a razão pela qual Yingsu não havia desperdiçado esforço contra-atacando.

 

— Como você sabe que é o Thapa ali e não o Xiaoyun? — Yangchen perguntou.

 

— Padrão de explodir. — Enquanto Yingsu olhava para o céu, seu rosto fechou com desdém. — E o fato de que ele sempre foi um traidor lambe-rato filho de verme. Eu avisei seus meninos do ar assim que ouvi a primeira explosão.

 

Então ela salvou suas vidas. Yangchen começou a rir. Ela cobriu sua boca e não tinha por onde os risos escaparem a não ser que pelo nariz em forma de bufadas.

 

— Qual é a graça? — Exigiu Yingsu.

 

— Bem, você sabe… a Chaisee escolheu um péssimo nome para vocês três. Unanimidade?

 

A dominadora de fogo franziu a testa.

 

— Codinomes não funcionam se contêm significado sobre seu sujeito. Eles desistiram de “Flor Alada” e “Batida de Tambor” por esse motivo.

 

Ela alisou longos fios de cabelo que estavam em sua testa como se tentasse limpar uma faca que usaria em breve. As tranças que usava estavam desfeitas.

 

— Todo esse esquema estava estragado desde o começo. Desde que desci daquele navio e vi a cara sorridente estúpida de Henshe.

 

— Ah? — Yangchen disse cuidadosamente. — Você não deveria ter visto?

 

— Não. Originalmente seríamos implantados em… — Yingsu percebeu que estava vazando informações, o mesmo ato que ela evitou por tanto tempo nas montanhas. Ela encostou a nuca no chão e fez uma careta.

 

Preservar a honra de seus senhores não valeu nem um pouco a pena.

 

— Não — enfim murmurou. — O plano sempre foi levar caos a Taku, não a Bin-Er. Tínhamos memorizado mapas da cidade e tudo.

 

Yangchen quase pulou para fora da vala. Taku. Ela engoliu em seco as batidas de seu coração.

 

— Por que vocês mudaram?

 

— Eu não sei. Tínhamos que estar prontos até uma certa data, mas uma hora o chefe-chefe disse que seríamos transportados com antecedência. Muita antecedência.

 

O tenente de Chaisee. O irmão de Kavik.

 

— O chefe-chefe era um homem da Tribo da Água com oito dedos?

 

— Não, só– Parando pra pensar, ele sempre usava luvas mesmo quando estava muito calor. Como você sabia?

 

De fato. Poderes especiais de Avatar. Zongdu Henshe havia pedido que seu agente plantado Kalyaan fizesse o favor de implantar a Unanimidade em Bin-Er contra a vontade de Chaisee, quando ela estava os guardando para uma ocasião especial.

 

— Em que data vocês deveriam estar em Taku? — Ela perguntou.

 

A resposta de Yingsu confirmou os maiores medos de Yangchen. O mesmo dia do fim da convocação. Chaisee queria levar suas armas para suportar Taku enquanto o Chefe Oyaluk, o Rei Feishan e o Senhor Gonryu estariam todos na cidade ao mesmo tempo.

 

Thapa lançou outra explosão no lado do vale em que estavam, próxima o suficiente para a pressão agitar o conteúdo do estômago de Yangchen. Numa cidade, a explosão teria desmanchado uma construção do tamanho do pátio de um templo, junto com todos no interior dela. Nenhum guarda-costas no mundo poderia proteger seu comandante de um ataque como aquele.

 

Henshe havia tentado usar a Unanimidade para parar um exército e aterrorizar uma cidade. Ele quase sucedeu, mas faltou uma estratégia de verdade ou visão. O verdadeiro uso ideal dessa técnica era a eliminação garantida de algumas pessoas-chave. O peso da pena que movia a carga de um vagão.

 

— Chega desse absurdo! — Yingsu gritou por cima dos zumbidos nos seus ouvidos. — É ele ou nós. Você vai lidar com Thapa ou eu que vou precisar?

 

Por um momento Yangchen pensou que ela estava pedindo para que removesse o ar dos pulmões de Thapa como havia feito anteriormente ao capturá-lo. Ela quase respondeu que não conseguia criar o vácuo a essa distância. Mas Yingsu nunca havia sofrido essa técnica, então não poderia saber sobre ela.

 

Ela queria que a Avatar tomasse conta do problema à moda antiga.

 

— Preciso dele vivo! — Yangchen gritou de volta.

 

— Você precisa de apenas um de nós vivo.

 

Yangchen a fitou. Havia dito aquilo com tanta facilidade, como uma conselheira confiável de vários anos.

 

— Você precisa de apenas um de nós para interrogar, e eu já abri a boca. — Yingsu repetiu. — Quaisquer outros prisioneiros são complicações desnecessárias. A situação atual meio que prova meu ponto, não é?

 

Yingsu pode ter desprezado seu antigo companheiro chamando-o de traidor, mas agora que ele fez o primeiro movimento, ela estava impiedosamente disposta a pagar na mesma moeda.

 

— Thapa não é um peão incompreendido; ele é imundo e uma ponta solta. Erga-me para um tiro limpo e garanto que ele nunca mais machucará alguém.

 

Não havia nenhuma versão não letal da dominação de fogo especializada de Yingsu.

 

— Você está hesitando — ela disse quando Yangchen não respondeu. — Hesitação mata pessoas.

 

Ao longo de suas vidas, Yangchen havia ouvido o ditado mais vezes do que conseguia contar. Na maior parte das vezes vindo de pessoas fracas fingindo ser fortes. Crianças que achavam que eram adultos. Historiadores amadores que dividiam as ações de seus predecessores em bom e ruim com um cutelo sem graça, cortando alegremente por aí sem pensar muito, enaltecendo a si mesmos a cada divisão.

 

Ela ainda não se moveu. Yingsu olhou sobre o ombro de Yangchen e balançou a cabeça decepcionada.

 

Yangchen acompanhou seu olhar. Contra o limpo céu azul, num contraste para todos verem, estava uma figura de veste laranja voando em direção a elas num planador. Mingyur.

 

Ele deixou Fengbao para trás, provavelmente para ajudar a carregar moradores para um lugar seguro, mas agora que acabou, ele iria ajudar sua Avatar faça chuva ou faça sol. Ele não iria abandonar sua irmã. Yangchen podia imaginar a obstinação em seu rosto redondo. Dar de encontro com os guardas fugindo e ouvir o que aconteceu apenas o deixaria mais determinado.

 

— Não! — Ela gritou para ele. — Se afaste!

 

— Ele é a distração que precisamos! — Disse Yingsu. Ela falou rapidamente num tom cada vez mais alto, tentando ultrapassar a velocidade dos acontecimentos. — Ou ele morre sozinho e nos dá uma chance para sobreviver, ou nós três perdemos! Você sabe o que deve fazer!

 

— Mingyur! — Yangchen tentou levantar, mas a dominadora de fogo a segurou. Ela era a boba colapsando agora, a responsabilidade principal. — Mingyur!

 

— Não se troque por nada! — Yingsu gritou.

 


 

Gestos fúteis. Não havia ela sempre protestado contra eles?

 

E ainda assim, se libertar do punho de Yingsu e se jogar no meio do ar era o maior dos gestos sem sentido. Ela não alcançaria Mingyur a tempo, não importa o quanto tentasse. Ela poderia mandar seu compatriota para o esquecimento só de saber o quanto ela se importava. Não o suficiente para evitar as escolhas que o condenaram, mas o suficiente para estender sua mão a ele. Como se ela tivesse algo valioso a oferecer.

 

Sua mente desenhou outra imagem. Um retrato duplo do tamanho do vale. A Avatar, eternamente presa entre terra e céu. Thapa sorrindo porque ela o deu tudo que ele queria. Porque ela quebrou seu disfarce, ele podia reverter seu caminho e saber exatamente onde Yingsu estava escondida. Sua fraqueza havia selado o destino da dominadora de fogo também.

 

Yangchen sempre achou que o tempo era mais lento e os pensamentos eram mais rápidos em momentos de agonia, punição àqueles que prestam atenção demais nas coisas. “Batida de Tambor” teria combinado mais, ela pensou ao ouvir à distância o pop-pop que havia anunciado a destruição em Bin-Er.

 

Uma semente de calor começou a florescer não tão longe, promessa infinita emanando de um único ponto imensurável. “Flor Alada” era uma boa escolha também. Não posso proteger todos eles. Foi um erro acreditar que em algum momento ela seria capaz.

 

Enquanto o fogo florescia no ar, tomando o lado do vale em luz como um pôr-do-sol, Yangchen foi deixada com um último pensamento– talvez as coisas teriam sido diferentes se ela estivesse com seu planador.

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Capítulo 12