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O Legado de Yangchen: Anonimato

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Yangchen e Kavik deixaram a sala de reuniões em um silêncio solene. Não parecia certo celebrar quando seu anfitrião estava claramente devastado.

 

Mas, antes de saírem, Kavik fez questão de tirar o cajado-planador de Yangchen da parede de Iwashi, fechando as asas cuidadosamente e o presenteando a ela com suas próprias mãos. E então, para se mostrar mais galante, ele tentou devolver a pérola de Chaisee. 

 

Ela recusou.

 

— Ao ganhador ficam os despojos. Avatar, segure bem o seu companheiro. Um parceiro digno aparece uma vez a cada geração.

 

Na rua, Kavik ofereceu seu cotovelo a Yangchen, sua cara serenamente feliz. O disfarce deles permitia esse gesto, e por isso eles juntaram os braços sob o sol poente.

 

As lanternas subiram para o mercado noturno da cidade. Eles já haviam visto a maioria dos espetáculos de Taku ontem, então a única parada que fizeram foi para vaiar o final do “O chinelo perdido”  bem alto, fazendo o condutor de fantoches improvisar rapidamente um desfecho alternativo onde o herói morto era ressuscitado por um doutor gentil que passava e o ministro mal dedicava sua vida e fortuna a absolvição. A audiência bateu mais palmas que na noite passada.

 

Quando eles chegaram em um corredor, se dividiram e seguiram até o abrigo secreto em direções separadas. Yangchen começou sua rotina de dispersão lentamente, mantendo as mesmas voltas, mas rapidamente ela entrou no ritmo, se lançando entre sombras e pulando cercas. Ela sentia que precisava ultrapassar Kavik, mesmo que ele não a visse. Ela não mentiu quando elogiou suas jogadas em Bin-Er.

 

Seu planador justificava os floreios extras, os pulos e saltos. Ela sentia falta do peso equilibrado e da sensação de segurança em suas mãos. Quando ela se aproximou do abrigo secreto, ela girou até a entrada no teto com as asas retraídas no formato de cajado pela pura alegria dessa proeza desnecessariamente difícil. 

 

Quando passou pela escotilha, ela ouviu Kavik entrar pelo piso inferior. Ela correu pelas escadas e o encontrou na entrada. Ele deve ter pegado uma rota desportiva para voltar também, porque estava respirando tão pesadamente quanto ela. Eles levantaram os braços, prontos para briga, e se deliciaram no gracejo um do outro, com seus rostos ruborizados e radiantes, sem palavras para transpô-los.

 

Yangchen quebrou o impasse. Ela jogou seu braço no pescoço de Kavik e o puxou em um mata-leão.

 

— Nós conseguimos! — Ela se gabou, bagunçando o cabelo dele o máximo que conseguia. — Você conseguiu! Seu completo idiota! Não acredito que conseguiu!

 

Kavik gritou e a levantou para o ar, um contra-ataque de um lutador habilidoso. 

 

— Me diz que você viu a cara dele depois que falou do barco! Vou chorar se me dizer que perdeu!

 

Ele a girou e girou enquanto eles riam. Uma queda teria sido feia, mas quem se importava? Não só a missão deu certo dessa vez, mas eles conseguiram dinheiro suficiente para colocar os problemas da cidade bem longe por um bom tempo. Yangchen ainda apertava Kavik alegremente quando a porta se abriu novamente e Akuudan entrou.

 

Ele se juntou a eles.

 

— Você precisa agarrá-lo abaixo do queixo, para que desmaie. —  Ele disse a Yangchen. 

 

— Desse jeito! —  Tayagum disse, aparecendo em seguida. Ele pulou nas costas de Akuudan e sorrateiramente passou seu braço carinhosamente ao redor do colarinho do homem maior. Akuudan manteve uma cara séria, mas certificou-se de suportar o peso de seu marido enquanto encarava Kavik, presumidamente por tocar no Avatar.

 

— Acho que a missão de vocês deu certo. —  Yangchen disse.

 

— Mamão com açúcar. — Tayagum respondeu enquanto descia.

 

Kavik bufou.

 

—  Vocês demoraram um tempão.

 

— Terminamos dentro dos parâmetros. —  Akuudan puxou um rolo de anotações, que continham uma cópia dos registros que eles procuraram, instruídos por Yangchen. — Além de ter tempo de nos disfarçarmos na equipe de  reabastecimento, nós tivemos que abrir vários cadeados, ficar à frente do turno de manutenção itinerante, esconder em uma antepara e fazer o incêndio parecer acidental.

 

Yangchen notou que a roupa dos dois estavam rasgadas, manchadas e com um pouco de fuligem. Eles passaram por uma provação. 

 

— Me senti jovem de novo. —  Tayagum disse, com um grande sorriso forçado. — Você, aparentemente, só sentou essa bunda preguiçosa em uma cadeira e jogou um jogo por algumas horas. Minha avó poderia cumprir a sua missão. 

 

Yangchen queria corrigi-lo, depois de tudo que eles passaram em Sparrowbones, mas Kavik fica fofo quando gaguejava de indignação.

 

— Onde está Jujinta? —  Ela perguntou.

 

— Aqui. — Jujinta fechou a porta esquecida com um estalido acusatório. —  Terminei de rastrear os arredores. Não fomos seguidos. Até onde eu sei.

 

Ele olhou em volta e Yangchen viu que ele estava incomodado com o humor jovial e o quão perto cada par estava um do outro.

 

— Todo mundo se divertiu? — Ele perguntou. — Era um requisito que eu perdi?

 

— Ei, vamos lá. —  Yangchen esticou e segurou a mão de Jujinta enquanto segurava Kavik. Os ex-sócios mal conseguiam manter o contato passivo e tentaram se afastar, mas ela permaneceu firme, como uma âncora com muitas correntes.

 

— Somos um time. —  Ela relembrou eles. As auras de absoluto repúdio que ambos tinham chocavam-se no meio como uma tempestade, com redemoinhos de desdém suaves do homem mais velho indo em direção a Kavik, jogado por precaução. Mas, quem mais iria navegar pelas ondas invisíveis? —  Nós colocamos nossas diferenças de lado e trabalhamos juntos porque… porque…

 

Sua tentativa de um discurso mobilizador falhou. Ela não conseguiu dizer que, contrário aos zongdus, eles agiam sem interesse pessoal, pelo menos não com Kavik no grupo. Livre-arbítrio não era a razão por eles estarem juntos. Akuudan e Tayagum provavelmente prefeririam sua aposentadoria pacífica em Jonduri, não estariam queimados.

 

Nós trabalhamos juntos sem misturar as emoções? O escudo de ferro de Jujinta era um caldeirão borbulhante que ameaçava vazar a qualquer momento. 

 

— Só parem de reclamar e trabalhem juntos! — Yangchen disse. Eu não deveria ter que ser a babá de vocês, além de tudo isso!

 

Pelo menos ela conseguia ser honesta sobre seus pensamentos com esse grupo. Kavik bateu palmas lentamente, para sua oratória audaz.

 

— Palavras que entrarão para a história. — Ele disse. —  Realmente.

 

Yangchen não se incomodou com seu sarcasmo, mas ela não era a única pessoa no cômodo dessa vez. De repente, ela precisou trocar sua força; ao invés de puxar Jujinta mais perto, teve que empurrá-lo para que ele não arrancasse os olhos de Kavik com suas mãos por insultar o Avatar. Akuudan e Tayagum perderam  a chance de mostrar qualquer tipo de maturidade e sugeriram alguns lugares para ele chutar abaixo da cintura.

 

Seu cabelo se prendeu no confronto. Enquanto Yangchen tentava se desembaraçar dos arranhões e tapas, ela emitiu uma oração para o futuro. Que meus sucessores tenham companhias menos ridículas, ela implorou para qualquer espírito que pudesse ouvir.

 


 

— Você precisa se dar bem com Jujinta. — Ela disse a Kavik quando estavam na sua viagem de retorno ao seu alojamento oficial. As anotações roubadas estavam seguramente enfiadas em seu robe. Seu cajado repousava firmemente em suas mãos. Era a hora do Avatar e Mestre Lio descansarem. 

 

Eles passaram por um canto coberto com folhas de alface de uma carroça; Iwashi estava certo sobre o problema de lixo nas ruas da cidade. 

 

— Eu costumava. —  Ele balançou sua cabeça e coçou o lado de seu nariz, como se afeto genuíno fosse um inseto lhe picando. — Porque você se importa? Não faço parte do time. Você se esqueceu que preciso relatar tudo isso ao Lótus Branco?

 

Ela pressupôs isso antes deles embarcarem na missão e relembrou de novo, na ida de volta ao abrigo secreto. Mas, no meio disso tudo, houve um espaço real onde Kavik foi só seu companheiro e não um agente de outro partido tentando tirar vantagem do Avatar.

 

Qualquer lapso era sua culpa, mas ela ficava incomodada com Kavik, de qualquer jeito. Como ele a lembrava o tempo todo. 

 

— Você foi a isca. — Ela o lembrou insensivelmente. — e você realizou o seu dever. Diga a Mama que lhe dou nota máxima. Você tem o que é preciso para ser um Lotus sênior. 

 

— Fico contente em desempenhar essa função. — Ele falou de forma grosseira. — Estou sempre disponível quando um de seus planos quase destruir uma cidade inteira.

 

Yangchen fechou a cara, se perguntando como eles mudaram de desfrutar do triunfo para serem ríspidos um com o outro. Kavik sabia que ela mantinha o prêmio da missão consigo mesma. Ele pegaria as anotações? Não existia nenhuma forma dele vencê-la em um confronto face a face, mas ele poderia descobrir a informação com um truque caso ela não tomasse cuidado.

 

Ela nunca tinha sido espionada com seu conhecimento e consentimento antes. A abertura desse conflito criava um conjunto de trilhas bizarras, forçando os dois a seguir um único caminho. A melhor opção para eles era continuar cooperando, sem relutância.

 

Ela apressou o passo. Ao invés de acompanhá-la, Kavik ficou para trás, com uma cara de vítima de uma discussão. Quando eles chegaram à mansão de seu alojamento oficial e marcharam pela área comum, os sussurros dos empregados eram tão altos quanto areia caindo. 

 

Quando eles chegaram em seu quarto no terceiro andar, ela não aguentou mais. Passou por sua porta, encostou o cajado em um canto e olhou para Kavik.

 

— Olha —  Ela falou com raiva. — Nós não somos crianças. Pare de ficar emburrado, entre e vamos conversar sobre isso.

 

— Sim, por favor. —  disse uma voz de dentro do quarto. — Vamos. 

 

Yangchen se virou lentamente. A colisão de seu coração nas paredes de seu peito começaram e logo mais pararam. Quem quer que fosse em seu quarto, perdeu a chance de atacar. Ao levantar os dedos as lâmpadas se acenderam.

 

O intruso, um homem da Tribo da Água, estava sentado na cadeira que Kavik havia dormido, descansando as bochechas no punho.

 

As apresentações não eram necessárias. Mesmo que não tivessem uma semelhança familiar física, Yangchen conseguia ver a conexão nítida. O sorriso falso e bajulador de Kavik, a máscara que ele usava para enfurecer, enganar e projetar confiança em suas mentiras, foram modeladas inteiramente da expressão natural desse homem.

 

Até sua linguagem corporal, a postura relaxada e indiferente, já lhe era familiar. Em todos os aspectos de seus maneirismos, como se fazer isso fosse como um amuleto da sorte que Kavik copiou desesperadamente de seu irmão mais velho Kalyaan.

 

Mas agora, na presença de seu exemplar genuíno, ele murchou. Os ombros de Kavik se arredondaram em com um recuar preventivo, um estudante descoberto por seu tutor ao trapacear. Kalyaan fez um gesto para as costas deles. 

 

— Você esqueceu de fechar a porta.

 

Na pressa, Kavik bateu a porta, fazendo um baque alto ecoar pelo quarto. Kalyaan riu e balançou sua cabeça. Nesse meio tempo, Yangchen repentinamente conseguiu imaginar como era viver com uma pessoa assim, passar anos na presença de alguém que segurava uma régua invisível sob você, carregar o peso de sua superioridade.

 

— O Avatar, em carne e osso. —  Kalyaan disse. — Qual é o procedimento adequado agora? Eu me curvo? Rastejo? Peço benção?

 

— Você fica onde está e não se mexe. —  Yangchen disse. Ela cerrou seu punho nas costas, processando uma das várias formas que ela poderia derrotá-lo.

 

— Calma aí, eu não vim brigar. Tenho um plano preparado caso eu não saia daqui com segurança nos meus termos, então vamos manter a paz, certo?

 

— O que está fazendo aqui? —  Kavik perguntou, sua voz estava baixa e rouca.

 

— Preciso falar com sua chefe, rapidinho. Fique se quiser, não me importo.

 

Kalyaan se virou para Yangchen. O movimento ligeiro aliado ao seu olhar singular e desdenhoso foi tudo que precisou para dispensar Kavik, deixá-lo de lado, sem importância. Os adultos vão falar agora.

 

Ela parou qualquer movimento em direção às anotações em seu robe. Ela não sabia o que eles sabiam e não havia nenhuma necessidade de revelar uma confissão detalhada como reflexo de acusações vagas. 

 

— Chaisee sabe que você está aqui?

 

— Não. —  Kalyaan disse. — E ela não sabe quem é Kavik, então vocês podem relaxar em relação a isso. Não sou um monstro que trairia seu próprio sangue. — Ele se inclinou para frente na cadeira. — Considere isso uma visita de cortesia entre dois profissionais no mesmo negócio.

 

Dois, não três. Outro desdenho contra Kavik. Uma vez, Yangchen solidarizou-se com Kavik, sobre a natureza complexa de irmãos mais velhos, mas na duração de algumas palavras ela concluiu que Kalyaan e Jetsun não eram nada parecidos.

 

— Eu sei o seu rancor contra as cidades shangs. — Kalyaan falou. — Eu sei da sua pequena aventura essa tarde. Falir Iwashi em seu jogo favorito? Muito bom. Tem um certo charme em deixar seu inimigo se trucidar. — Ele balançou a cabeça em apreciação, como se todo o trabalho tivesse sido feito para seu bel prazer. Todos podiam ficar aliviados, o cliente estava feliz.

 

Se Kalyaan achava que o jogo do Sparrowbone foi toda a missão, então ele perdeu a movimentação no barco de Iwashi. Ou então ele estava usando a mesma tática que ela, se demorando dentro do seu domínio de conhecimento comum até que o outro lado dissesse mais do que deveria.

 

— Que bom que eu me qualifiquei. — Yangchen falou com uma leve reverência de cortesão.

 

Kalyaan rangeu os dentes e balançou a cabeça, ela presumiu demais. 

 

— No entanto, eu queria te avisar, artimanhas assim não funcionarão com Chaisee. Você precisa sair do rastro dela antes que alguém se machuque. 

 

— Como em Bin-Er? —  Yangchen disse. —  Como Henshe se machucou?

 

— Exatamente! —  O sorriso de Kalyaan brilhou radiantemente e puro, como se ele não tivesse nada a ver com esses eventos. — Henshe, que ele esteja com os espíritos bondosos, criou aquela bagunça porque ele colocou o nariz onde não deveria. Há muitas lutas que você pode escolher, sendo o Avatar. Deixe Chaisee ganhar e mantenha alvos como Iwashi e os shangs de Bin-Er. Os adultos podem cuidar do resto do mundo.

 

Kalyaan falava mais elogios do que Ayunerak, tinha um lema diferente, mas a sua tática era a mesma. Todo mundo queria escrever na histórias, mas havia um tanto limitado de tinta para usar.

 

— Eu não vou ser controlada pela sua chefe. —  Yangchen disse.

 

Seus olhos se estreitaram. 

 

— Você deveria. Ela pode ter mais Dobradores de Fogo do que os três que você já conheceu. Aquela mulher é boa em manter segredos. 

 

Yangchen inspirou rápido demais e ele notou.

 

— Você está blefando. — Ela falou para disfarçar. —  Você não tem um plano para sair daqui. — Ela deu um passo à frente. Uma lufada de ar em direção ao teto iria nocauteá-lo com o mínimo de barulho, o único problema seria evitar um dano permanente em seu pescoço.

 

— Antes de me atacar, porque não olha pela janela? — Kalyaan disse. —  Não vou fugir. Nós dois sabemos que eu não conseguiria escapar das suas garras só com minha dobra.

 

Yangchen fechou a cara, as adulações trabalhavam bem para mantê-la fora de equilíbrio. Ela andou cuidadosamente em volta de Kalyaan, observando-o. Ele continuou sentado, cumprindo sua palavra. 

 

— Dois blocos abaixo, lado direito. Os bancos perto do vendedor de vinho doce.

 

Ela alcançou a janela. As lojas da vizinhança estavam ocupadas se arrumando abaixo das luzes das lanternas. Vapor flutuava das carroças de dumpling[1] enquanto vendedores ambulantes de macarrão arrumam suas pilhas em suas parelhas de transporte[2] e misturavam remessas novas de molho. Alguns dos vendedores de comidas e bebidas arrastavam bancos e mesas longas para a rua, para que seus patrões tivessem um local de descanso.

 

[1] Dumpling é um bolinho de massa cozido geralmente enrolado em um recheio, encontrado em países ocidentais.

 

[2] Em inglês, este objeto é chamado de: carrying pole. É uma vara de madeira onde se penduram jarras ou cestas nas duas pontas, para que os vendedores ambulantes transportem a comida.

 

Um pequeno grupo se formou perto de um cartaz que anunciava uma mistura com sabor de gengibre para afastar o calor, e, quando Yangchen passou os olhos pelos clientes que a bebiam, seu primeiro impulso foi esperar ver Thapa fornecendo a vigia. A ameaça mais a distância era igual à Dobradores de Fogo robustos a encarando, prontos para destruir o primeiro andar.

 

O que ela viu foi bem pior.

 

— Não é irritante quando amadores tentam jogar o jogo da inteligência? — Kalyaan disse atrás dela. — Ele provavelmente se vê como o herói de uma peça. O nobre disfarçado que caminha sem ser reconhecido entre seus cidadãos. Deve deixar os sangue correndo com adrenalina.

 

Sentado em um banco, com roupas de plebeu, estava o Rei da Terra Feishan. 

 

O homem mais poderoso do continente bebia sua bebida e lançava seu olhar pela rua, irreconhecível, com os pedestres circulando à sua volta. Yangchen praguejou, livremente e sem medo.

 

— Não é? — Kalyaan disse. — Sua majestade não deveria estar aqui tão cedo. Ele está bisbilhotando a cidade disfarçado, procurando por sinais de colaborações contra ele. Está de olho nos shangs, nos zongdus, no Senhor do Fogo, no Chefe da Tribo da Água. Coitadinho, está tão envolvido pelo manto da paranoia que ele pensa que todos estão contra ele e então precisa confirmar por si próprio todo tipo de provas imaginadas.

 

A pessoa que começou a jogar primeiro ganhou. O Rei da Terra dividia a mesma mentalidade do Avatar, os dois mais parecidos que Yangchen gostaria de admitir. 

 

— Tenho um homem no encalço de Feishan agora. — Kalyaan falou. — Um que não se importa em derramar sangue real. Você acha que estou blefando sobre isso?

 

Ele poderia estar, mas não importava mais neste momento. O Rei da Terra era uma responsabilidade muito grande. Se Feishan desaparecesse anonimamente na sarjeta de Taku, um buraco se formaria no mapa, começando por Ba Sing Se.

 

Alguém, Yangchen implorou para o vazio. Qualquer um. Por favor. Me dê um descanso. Pelo menos uma vez.

 

— Sifu está procurando por encrenca. — Kalyaan disse, desfrutando de sua angústia. — Se ele nos ver brigando, ambos perderemos. O que acha de uma trégua? Eu sei que essa mansão não é sua única base. Consigo achar seu abrigo secreto em Taku rapidamente e destruí-lo, junto com o time que você provavelmente esconde lá dentro. — Ele jogou a cabeça de lado. — Mas não vou.

 

Sua arrogância pura era uma arma. Poucas palavras extremamente confiantes e ela precisava duvidar de seu esquema, reexaminar o quão bem ela cobriu seus rastros. 

 

— E o que você quer em troca desse ato de boa vontade?

 

— Quero que você pare de bagunçar com a cabeça do meu irmão.

 

Kalyaan se inclinou para frente. A casualidade e a genialidade que ele tinha com ela, como uma brincadeira entre zongdus, escorreu com essa proposta.

 

— O que você está fazendo com ele não se distingue da chantagem. Você está segurando uma faca em sua consciência e eu não gosto quando pessoas ameaçam minha família, de qualquer jeito.

 

Yangchen olhou na direção de Kavik, mas ele se tornou ilegível, forjando suas feições a ser um vazio determinado. Ela nunca pensou seriamente no fato dele desejar seu perdão. Ele sempre trabalhou com um lado de barganha, primeiro para ela e depois para o Lótus Branco. Ela aceitou isso. Ela precisava acreditar nisso.

 

Porque se Kavik estava se arriscando por mera culpa, então seu irmão estava certo e ela realmente estava extorquindo-o sem fim.

 

Eu protegi Kavik de todos os jeitos que você não o fez. — Kalyaan disse. — Eu o deixei bem longe de Chaisee, longe do perigo, como um irmão mais velho deveria fazer. Só para você puxá-lo de volta para a boca do monstro! Você é uma hipócrita, Avatar. Se você fosse digna de alguma coisa, então seus companheiros a seguiram por escolha. Não porque eles te devem alguma coisa.

 

Yangchen procurou por uma resposta para atirar, mas encontrou sua aljava vazia, sua língua roubada. Kalyaan se levantou da cadeira e se alongou, protegido por uma armadura mais impenetrável que qualquer camada de elementos. Ele foi para perto de Kavik e colocou um braço em volta de seus ombros, dando a Yangchen uma comparação lado a lado dos irmãos. Os dois eram bonitos, mas o queixo quadrado de Kavik concedia sinceridade para seu rosto, uma suavidade atenuada. Kalyaan era só facas. Pegue pelo lado errado e você terá o que merece.

 

— Esse sujeito aqui é o real motivo por eu pedir uma audiência com você esta noite. — Kalyaan disse para Yangchen, balançando seu irmão de um lado para o outro. — Se você tem alguma decência, não vai mais usá-lo como uma peça em seu jogo.

 

Kavik encarou o chão, tremendo. Nenhum escudo dura para sempre.

 

— Espere até que eu passe de Feishan e vire na esquina para que você ou o Avatar se movam. — Kalyaan sussurrou em seu ouvido. — Tael está lá fora me esperando. Você lembra do Tael, não é? Você sabe como ele é nervoso. Assim!

 

Kalyaan deu um soco no estômago dele.

 

Yangchen se sobressaltou, surpresa. Demorou demais para ela perceber que o soco fora falso, o punho de Kalyaan parado atrás de seu ombro.

 

Mas Kavik nem hesitou. Sua falta de resposta deveria ser o resultado de um condicionamento, anos de  brincadeiras de crianças com regras desiguais mas familiares. Eu faço o que quero. Se você quer fazer o mesmo, você perde.

 

Kalyaan desapareceu pelo corredor, na direção oposta que ela e Kavik haviam feito, um ato ultrajante. Os andares de baixo estavam cheios de funcionários. Eles notaram o intruso. Ela estava até tentada à chamá-lo de volta e ajudá-lo a escapar. Ao invés disso, ela esperou perto da janela e observou o Rei da Terra, a única pessoa que a reação era importante. 

 

Contra qualquer tipo de lógica, Kalyaan apareceu na rua de baixo, completamente desimpedido. Ninguém o perseguiu ou levantou a voz. Ele deve ter seguido seus alojamentos melhor do que ela, movendo-se entre os pontos cegos das pessoas. O irmão de Kavik tinha habilidades que ela só poderia desejar.

 

Ele passou por Feishan sem chamar atenção. Logo após ele desaparecer no próximo bloco, um homem magro que se sentava atrás do Rei da Terra se levantou, deixou umas moedas na mesa para pagar pela bebida intocada e o seguiu.

 

Kalyaan e Tael, quem quer que fosse, conseguiram chegar bem perto do governante do Reino da Terra. O sonho de um assassino. Só então Yangchen acreditou que a visita havia sido uma questão pessoal para Kalyaan, escondido de sua chefe, porque Chaisee teria se aproveitado da oportunidade.

 

Yangchen andou em voltas. 

 

—Nós precisamos segui-lo. — Ela disse para Kavik. — Ele tem uma vantagem, mas se trabalharmos juntos—

 

— Não faz diferença. — Kavik disse calmamente. — Ele se foi. Nunca vamos achá-lo, a não ser que ele queira. 

 

Eles não tinham tempo para isso. 

 

— Tenho meu cajado agora, posso seguí-lo pelo ar! Você acreditou.

 

— Mas ele não vai! — Ele socou a parede. Suas juntas encontraram a madeira maciça e sólida com um estrondo. Ele socou a parede de novo, mais forte e mais uma vez para ter certeza.

 

Yangchen o jogou no chão com um rajada de ar, lenta demais para protegê-lo de si mesmo. Ele se encolheu de lado, embalando sua mão, segurando o motivo de sua dor.

 

Ela puxou a água mais próxima dela com tanta força que o vaso de porcelana com flores estilhaçou-se no lugar. Caindo de joelhos ao lado dele, ela puxou seu pulso. Ele lutou contra ela até que a agonia ficou demais para aguentar e ela conseguiu segurar sua mão machucada. 

 

Seus dedos já estavam muito inchados. A deslocação das suas juntas a chocaram profundamente. Mais cedo, ela viu um show de destreza magistral e sem atenção imediata, ele nunca conseguiria performar nesse nível novamente.

 

A água brilhou quando ela começou a remendar os machucados e reparar as fraturas. Ela não poderia parar no meio do caminho. Se existia alguma chance de seguir Kalyaan, ela já teria passado.

 

Enquanto curava Kavik, precisou considerar a possibilidade dele ter se machucado de propósito para que seu irmão escapasse. Ela não sabia no que acreditar, não depois que ela arriscou o bem-estar de uma cidade pela chance de recuperar uma pequena conexão com Jetsun. Não havia nenhuma vulnerabilidade tão grande quanto a família.

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Capítulo 20