— Eles estão à frente no bosque de bambu de fogo — sussurrou Malaya por cima do ombro para Gyatso, cujas mãos estavam firmemente enroladas em sua cintura enquanto Kilat os levava pelo caminho.
Embora os Dobradores de Terra tivessem tido uma vantagem inicial, os gorilas-társios e os cães-enguias provaram ser rápidos o suficiente para alcançá-los.
— Bosque de bambu de fogo? — Gyatso semicerrava os olhos. — Eu não sei o que é isso, mas não vejo nenhum bambu.
— Está mais adiante — disse Malaya. — Depois da próxima curva.
— Então, como você sabe que os Dobradores de Terra estão lá?
— Você não consegue ouvi-los?
— Você consegue?
Malaya sabia que seus ouvidos eram muito mais sensíveis que os dos outros devido ao seu treinamento, mas supôs que o som dos Dobradores de Terra fosse óbvio para todos. Eles estavam se movendo desajeitadamente pela selva, pisando forte no chão, fazendo barulho na vegetação rasteira, pisando em galhos caídos, empurrando pedras para abrir caminho.
— E a entrada do túnel não está muito além do bosque — acrescentou.
De fato, ao virarem a esquina, os três guardas Dobradores de Terra surgiram a cerca de trinta passos à frente. Eles haviam sido forçados a caminhar em fila indiana pelo caminho estreito que cortava a densa floresta de bambu vermelho. As hastes pálidas se estendiam até onde se podia ver de ambos os lados. Elas balançavam e rangiam ao vento enquanto suas folhas estreitas, vermelhas como sangue, farfalhavam no alto, bloqueando o sol.
Kilat se aproximou do bosque tão silenciosamente que os Dobradores de Terra não perceberam ninguém atrás deles a princípio. Foi apenas quando os cães-enguias se aproximaram com seus bufos e passos pesados que os guardas se viraram.
— Parem! — gritou o guarda mais próximo, com os punhos cerrados nos quadris em posição de Cavalo. Era um homem alto, calvo, com mandíbula quadrada.
— Ou vamos enterrá-los como seus amigos — ameaçou o terceiro guarda do fim da linha, um jovem atlético com bigode e cabelo castanho longo preso em um coque bagunçado.
A fúria de Malaya explodiu ao ver aqueles que haviam atacado seu clã, diante da ameaça arrogante. Gyatso estava segurando-a para se manter em Kilat, mas parecia que ele a estava segurando para lembrá-la da promessa que fizera de não buscar vingança. Se não fosse por ele, ela talvez já tivesse lançado sua adaga no coração vazio do homem calvo.
— Ah — disse Sozin, ignorando a ordem —, os comedores de terra.
Como o caminho era estreito demais para qualquer um dos animais. Malaya, Gyatso e os outros desmontaram. Os cães-enguias se afastaram, provavelmente para encontrar um caminho alternativo, e Malaya ordenou que Kilat fizesse o mesmo.
A guarda do meio, a mais alta dos três, olhou com raiva para Sozin com olhos verdes brilhantes.
— Estamos apenas procurando o seu chefe — disse ela, confundindo o príncipe com um membro do clã. — Voltem e não machucaremos vocês.
Kozaru sorriu ao lado de Dalisay, como se estivesse animada para entrar em um confronto.
— Eu gostaria de ver você tentar.
Gyatso deu um passo à frente, com o bastão em uma mão enquanto a outra fazia um gesto de calma.
— Não há necessidade de lutar, podemos resolver isso pacificamente.
— Eu não acho que eles estejam interessados nisso — disse Malaya, puxando a adaga que havia pegado de Amihan.
Eles superavam os Dobradores de Terra em cinco contra três, mas o cenário reduzia a vantagem. O chão entre o bambu vermelho pálido estava limpo, exceto por folhas mortas e bainhas de colmo, mas as hastes cresciam muito próximas umas das outras para permitir a passagem. Assim, o único caminho adiante era essencialmente um corredor estreito, com o grupo de Dobradores de Terra esperando a uma dúzia de passos de distância.
— Eu posso liderar — disse Sozin.
Mas antes que ele pudesse, Malaya entrou no bosque. Gyatso se colocou à frente de Sozin, ficando atrás de Malaya. Kozaru e Dalisay seguiram atrás do príncipe.
— Faça do seu jeito — disse o Dobrador de Terra calvo, então lançou um punho para cima, levantando um pedaço de terra do chão.
Ele se abaixou, e a mulher alta com os olhos verdes lançou as mãos para a frente, propelindo a massa adiante.
Malaya deslizou por baixo, e Gyatso balançou seu bastão. O vento atingiu a rocha, quebrando-a enquanto as folhas caídas balançavam contra o bambu.
— Um pequeno impulso, por favor! — chamou Malaya enquanto avançava em direção aos Dobradores de Terra, que já estavam levantando mais pedaços de terra.
— Eu cuido disso — disse Gyatso.
Malaya saltou, e uma rajada de ar a carregou para frente. Ela passou por cima dos Dobradores de Terra e pousou atrás do último guarda, o jovem com bigode. Antes que ele pudesse se virar, ela cortou a parte de trás de sua perna. Ele gritou, então ficou abruptamente silencioso e imóvel, indicando a Malaya que o veneno paralisante de centopeia-basilisco com o qual havia coberto sua lâmina havia feito efeito. Colocando o corpo congelado do Dobrador de Terra com os olhos arregalados de lado, ela lançou sua adaga na guarda mais alta.
Metal chocou-se contra pedra quando atingiu um escudo feito de terra condensada e caiu no chão. O escudo então voou para frente, colidindo com Malaya e a derrubando enquanto se despedaçava. Ela se levantou de um salto, atordoada e empoeirada.
A guarda alta levantou outro pedaço de terra que se dividiu em uma dúzia de discos lançados para frente. Malaya deslizou para dentro do bambu e eles passaram voando. Ela voltou para o caminho, chutou a Dobradora de Terra no peito e pegou sua adaga envenenada do chão enquanto a guarda tropeçava para trás em seu companheiro calvo, que estava ocupado se defendendo de Sozin e dos outros.
Ela se moveu para atacar a guarda antes que a mulher recuperasse o equilíbrio, mas algo afiado perfurou o ombro de Malaya, fazendo-a deixar cair a adaga.
— Desculpa! — exclamou Dalisay do outro lado enquanto puxava de volta seu dardo de corda.
Malaya ignorou a sensação de ardor no ombro e pegou a adaga novamente. Ela se levantou e girou, mas o punho da Dobradora de Terra atingiu seu estômago. Enquanto Malaya se curvava, sem fôlego, a mulher acertou o rosto de Malaya com o joelho, enviando-a para trás. A dor irradiava de seu nariz sangrando enquanto ela rolava de quatro, ofegando por ar, a cabeça zunindo, a visão turva. A Dobradora de Terra avançou para terminar o trabalho enquanto Malaya procurava desesperadamente a adaga.
Antes que ela pudesse encontrá-la, houve um clarão de calor e brilho, um grito angustiado, o cheiro de madeira e carne chamuscadas. A Dobradora de Terra se virou e se abaixou enquanto uma labareda passava sobre suas cabeças. Ambas se protegeram com os braços enquanto o chicote de fogo cortava uma vasta área de bambu, fazendo com que hastes cortadas caíssem pelo caminho.
Outra passada do chicote ardente enviou uma segunda onda de bambu caindo.
Quando tudo se acalmou, Malaya finalmente encontrou sua arma, pegou-a e se levantou com considerável esforço. Com as costas da Dobradora de Terra agora viradas para ela, Malaya avançou e tentou atacar a mulher.
Um barulho ensurdecedor abalou o bosque quando uma súbita rajada de ar balançou o bambu, agitou as folhas mortas e desequilibrou todos, inclusive Malaya. A adaga de Malaya até voou de sua mão e desapareceu no céu, sumindo como uma pipa cuja linha escorregou por entre dedos frouxos.
Malaya suspirou e amaldiçoou Gyatso interiormente.
Seus olhos caíram sobre os postes de bambu cortados que estavam próximos no caminho, que o chicote de fogo deve ter cortado. Ela rapidamente os avaliou, pegou dois segmentos do comprimento do braço, então os bateu e girou para testar seu peso e equilíbrio. Eles não eram adagas envenenadas, mas serviriam.
Mesmo que a dobra de ar de Gyatso devesse ter sido para poupar a vida de alguém, o conflito recomeçou assim que todos estavam de pé novamente. Chamas ondulantes e terra roncando soavam do outro lado sobre os pedidos de paz de Gyatso e rajadas de vento neutralizadoras periódicas. A Dobradora de Terra com quem Malaya estava lutando antes avançou, com os punhos agora revestidos de pedra. Malaya entrou em posição de luta e levantou os bastões.
Bambu e pedra batiam juntos ritmicamente enquanto Malaya bloqueava a chuva de socos e chutes da Dobradora de Terra e a Dobradora bloqueava os golpes cortantes e giratórios de Malaya. A cada poucos segundos, a Dobradora de Terra acertava um golpe de raspão ou o bastão de Malaya atingia um braço, costela ou perna, mas nenhuma das duas tinha uma clara vantagem. E à medida que a luta se prolongava, a respiração delas ficava ofegante, a pele escorregadia de suor, e os movimentos e reações começavam a diminuir.
Malaya concentrou todas as suas forças em mais um golpe, planejando girar e se afastar em seguida para ganhar fôlego. Mas quando a Dobradora de Terra levantou o punho de pedra para bloquear, rachaduras finas se espalharam pela rocha.
Os olhos das duas foram para a pedra rachada.
Em vez de recuar, Malaya pressionou o ataque, forçando a Dobradora de Terra a se manter na defensiva. Os golpes incessantes foram quebrando a rocha, pedaço por pedaço, até que a luva de pedra se desfez. Malaya não parou. A guarda tentou absorver a maioria dos golpes com o punho ainda envolto em terra endurecida, mas não conseguia acompanhar a constante barragem dos dois bastões balançando de todos os ângulos. Logo, sua segunda luva de terra se desfez.
— Pare, por favor! Pare! — a mulher gritou, enquanto tentava se proteger com os braços ensanguentados e machucados.
Malaya continuou a atacar. A mulher caiu e se encolheu em uma bola, cobrindo a cabeça com os braços enquanto os golpes choviam sobre ela.
Malaya pensou nos mortos e feridos que haviam retirado dos escombros enquanto seus bastões batiam repetidamente contra carne e osso. Quando Ulo havia ordenado que Amihan acabasse com os Dobradores de Terra antes, Malaya tentara ajudá-los porque acreditava que eles não mereciam a morte. Agora mereciam.
— Malaya! — chamou Gyatso. — Pare! Ela já está derrotada!
Quando Malaya não parou, Gyatso a afastou com uma leve rajada de ar e então se colocou entre ela e a guarda Dobradora de Terra espancada. Furiosa com a interrupção, Malaya tentou passar por ele. Mas a maneira como ele olhava para ela — como se ela fosse um monstro — a deteve. Ela abaixou os braços, deixou os bastões caírem de suas mãos e olhou ao redor como se estivesse despertando de um pesadelo.
Gyatso se virou, largou seu bastão e se ajoelhou para ajudar a mulher. O guarda com o bigode, que Malaya havia paralisado com a adaga, ainda estava vivo, enfiado no bambu onde ela o deixara. Na outra extremidade do caminho, o guarda calvo estava inconsciente no aperto vigoroso de Kozaru, e Sozin estava olhando para Malaya, impressionado. Não havia sinal de Dalisay.
Sozin se aproximou de Malaya.
— Você tem metade do tamanho de Kozaru — disse ele —, mas é duas vezes mais feroz. Eu poderia colocar esses talentos em bom uso se estiver interessada em ganhar algum ouro.
Malaya não disse nada e olhou além do príncipe da Nação do Fogo para Gyatso, que já estava rasgando tiras de tecido de suas vestes para limpar e enfaixar a guarda alta.
Sozin deu de ombros.
— Pense nisso. Mas agora que lidamos com os comedores de terra, continuaremos procurando Roku. Quanto falta para esta caverna?
— Logo após o bosque — respondeu ela vagamente.
— Então vamos seguir em frente. — Sozin passou por ela. Kozaru o seguiu, esbarrando em Malaya ao passar.
— Eu… sinto muito — disse Malaya quando estavam apenas ela, Gyatso e a mulher que ela havia espancado além do necessário. — Eu não consegui me controlar.
Gyatso não respondeu e não se virou. Quando terminou de limpar o sangue, deu um pouco de água à guarda e a ajudou a se sentar à beira do bambu. Seus movimentos estavam cheios de gentileza e compaixão — em nítido contraste com as ações de Malaya momentos antes.
— Vai doer por um tempo, mas você vai ficar bem — disse ele à Dobradora de Terra.
Malaya imaginou que as palavras eram para ela.
Então Gyatso pegou seu bastão, levantou-se e seguiu atrás de Sozin e dos outros sem dizer nada a Malaya.
Malaya pediu desculpas à mulher e então alcançou o Nômade do Ar.
— Eu não sei o que deu em mim…
As folhas vermelhas farfalharam acima. Seus pés ressoaram no caminho. Após alguns momentos, Gyatso acelerou, deixando Malaya para trás. E ela não tentou acompanhar seu ritmo.
Talvez ela não fosse melhor que Ulo ou Amihan.
Talvez ela estivesse quebrada. Talvez fosse impossível ser diferente, considerando como ela havia sido criada e a vida que havia levado. Ou talvez ela estivesse apenas criando desculpas.
Ela e Gyatso estavam se dando melhor do que ela jamais se dera com alguém antes. Ela até estava tentando reunir coragem para perguntar se poderia partir com ele e Roku depois de tudo isso. Mas isso estava fora de questão agora. Ele provavelmente nunca mais olharia para ela da mesma maneira.
Ela havia revelado que algo feroz e brutal vivia dentro dela, algo que era antitético a tudo que o Nômade do Ar representava, tudo que ela havia passado a admirar nele.
Talvez essa fosse sua verdadeira natureza.
A cabeça de Malaya virou para a esquerda ao ouvir alguém se movendo na floresta de bambu. Poucos momentos depois, Dalisay, a companheira de Sozin, surgiu à vista, serpenteando entre as hastes ao longe. Quando se aproximou, Malaya percebeu que a mulher segurava a adaga que o vento de Gyatso havia soprado durante a luta.
Malaya ficou tensa.
Mas quando Dalisay alcançou Malaya, ela estendeu a lâmina em forma de gota, oferecendo o cabo.
— Eu me senti mal por acertar você acidentalmente com meu dardo de corda, então fui procurar sua adaga.
— Não é minha — disse Malaya, mas não estendeu a mão para pegá-la.
— É extremamente bem feita — disse Dalisay, olhando para o metal preto-avermelhado. — Que tipo de aço é esse?
— É feita de elementos locais — disse Malaya, então se virou para seguir Gyatso. — Pode ficar com ela.
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