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O Julgamento de Roku: Não estão sozinhos

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Malaya afiou sua adaga na escuridão enquanto esperava debaixo dos galhos baixos e espalhados da antiga árvore balete. Ela havia completado sua parte do plano ao se infiltrar na vila e espalhar discretamente pedaços de manga, a comida favorita dos macacos-porcos selvagens. A julgar pela comoção à distância que surgiu poucos minutos depois, Gyatso havia feito sua parte usando sua dobra de ar para espalhar o cheiro da fruta pela floresta, atraindo o maior número possível de criaturas para a vila. Tudo havia se acalmado desde então, e ela esperava Gyatso e o Avatar a qualquer momento.

Logo, Malaya ouviu ruídos na vegetação rasteira. Confiante de que a aproximação era barulhenta demais para ser Amihan, ela guardou a pedra de amolar e colocou sua adaga na bainha de madeira aberta presa à sua coxa. Depois, colocou as mãos em concha sobre a boca e imitou os rápidos e baixos arrulhos de uma pomba do vale para confirmar. O sinal de resposta veio logo depois — um eco pobre de sua imitação experiente, apesar de todo o treino.

Movendo-se com silêncio ágil, Malaya foi ao encontro deles antes que se perdessem na floresta ao redor. Ela viu Gyatso e Roku antes que a vissem. O Avatar parecia muito mais saudável do que da última vez que ela o havia espionado de longe, apoiado em Ulo, mas seus movimentos ainda eram rígidos e laboriosos.

Roku e Gyatso se assustaram quando finalmente notaram Malaya se aproximando. Roku apressou-se a recompor-se para fingir que não havia sido pego desprevenido, enquanto Gyatso se iluminou de uma maneira que fez Malaya corar. Graças ao espírito da caverna pela escuridão.

— E eu pensei que Dobradores de Ar eram silenciosos — disse Gyatso — Promete que nunca vai se tornar uma assassina?

Malaya deu de ombros.

— Vai depender do pagamento.

— Você deve ser Malaya. — O canto da boca de Roku se levantou em um pequeno sorriso, aparentemente divertido com a facilidade que compartilhavam — Gyatso não me contou absolutamente nada sobre você. — Então, ofegante pela fuga apressada, ele se sentou em um recanto formado pela raiz contraforte da árvore e recostou-se. — Eu sou Roku. Mas você já deve saber disso.

Gyatso jogou um cantil para Roku. O Avatar bebeu profundamente e devolveu. Então, produziu uma pequena chama na palma da mão que iluminou a clareira sob a árvore.

— Pronto, agora podemos ver direito — disse ele, lembrando Malaya da visão ruim dos forasteiros.

Era estranho estar diante de Roku. Nas noites mais escuras, Ulo gostava de contar histórias ao clã que havia reunido em suas viagens sobre os diferentes Avatares. Eram na maioria contos assustadores e de advertência sobre os perigos do poder descontrolado. Gyatso havia confirmado as suspeitas de Malaya de que havia pouca verdade nisso, mas a imagem do Avatar como um carrasco glorificado permanecia em sua mente enquanto devolvia o olhar do garoto.

— Então, o que aconteceu com você? — Gyatso perguntou a Roku.

Roku balançou a cabeça em descrença e rapidamente resumiu como havia acabado na cabana do chefe do clã. Quando terminou, Gyatso contou a Roku sobre os eventos desde que se separaram.

— Então você percebeu estar errado? — Roku perguntou.

Gyatso zombou.

— Percebi que você não teria chance sem mim.

Havia uma tensão nas palavras deles, mas algo mais suave amorteceu a troca. Apesar dos ressentimentos persistentes, eles se importavam profundamente um com o outro. Malaya se perguntou como seria compartilhar um vínculo tão mútuo com alguém e esperava que um dia pudesse saber.

Com todos atualizados, Roku virou-se para Malaya.

— E você acha que seu clã vai me matar?

Malaya hesitou. Ela havia conhecido Gyatso, mas Roku ainda era um estranho para ela.

— Vamos, — Gyatso incentivou, intuindo a fonte de sua hesitação. — Eu respondo por ele.

Roku arqueou uma sobrancelha.

— Você responde?

— Por algum motivo.

E então Malaya contou ao Avatar sobre suas responsabilidades como uma das batedoras do clã, terminando com a descoberta inquietante de uma parte do trabalho que antes era desconhecida para ela… matar todos os forasteiros que invadissem a ilha.

Roku acariciou alguns pelos ralos que brotavam de seu queixo como se fossem uma barba de verdade.

— Então por que Ulo está me mantendo vivo? Ele teve muitas oportunidades de me matar se realmente quisesse.

Eu tenho tentado descobrir isso, ela disse.

— Mas sei que Ulo está determinado a fazer o que for necessário para manter a ilha em segredo do mundo exterior.

— E quanto aos Dobradores de Terra? Estou na sua vila há dias. Eu não saberia se houvesse algum tipo de luta?

— Não necessariamente, — disse ela, e contou-lhe sobre Amihan.

Ele olhou para Gyatso.

— Isso esclarece essa parte da história de Oh Wen. Falando nisso, ele estava bem quando você o deixou?

Gyatso assentiu.

— Eu o limpei, troquei suas ataduras e garanti que ele tivesse muitos mantimentos. Ele não estava ansioso para encontrar Amihan novamente, então disse que voltaria ao navio e esperaria o resto do grupo terminar seus negócios.

— Fico feliz em ouvir isso, — disse Roku. — Mesmo que ele tenha tentado nos matar. Mas temos que garantir que os Dobradores de Terra saiam sem terminar seus negócios. — E ele explicou uma teoria de que a busca da Companhia Comercial do Reino do Oeste por algum mineral ou pedra especial era uma fachada para a busca do Reino da Terra pelo poder da caverna.

— Isso faz sentido, — disse Malaya, odiando admitir. Ulo pode ter estado certo, afinal, sobre a ameaça que a curiosidade de Yuming e Qixia representava. Ainda assim, isso não significa que ele estava certo sobre a solução. E ainda havia a questão de por que Ulo estava mantendo Roku vivo.

Gyatso olhou nervosamente para Malaya antes de respirar fundo e virar-se para Roku.

— E se sua teoria estiver certa, o poder da caverna também pode ser a verdadeira razão do interesse de Sozin na ilha.

A chama na mão de Roku se intensificou, fazendo Gyatso e Malaya recuarem um passo do surto de calor.

— De novo, não — disse o Avatar. Ele extinguiu o fogo, depois se levantou e se virou para o tronco emaranhado da árvore balete enquanto a escuridão retornava.

— De novo, sim — disse Gyatso. — Sei que você não quer ouvir isso porque ele é seu melhor amigo, mas você é o Avatar, e não pode esquecer nem por um momento que ele também é o futuro líder da Nação do Fogo.

Roku girou em volta.

— O que você tem contra Sozin?

Gyatso passou uma mão pela cabeça enquanto olhava para Malaya, que o ajudara a se barbear naquela manhã com sua adaga. A outra mão estava segurando seu cajado com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. Ela podia sentir que ele estava a segundos de se afastar furiosamente e sabia que desta vez ele não voltaria para o Avatar. Com os olhos, Malaya implorou ao Nômade do Ar para tentar novamente.

— Conte a ele sobre Yama, — Malaya sugeriu, sabendo que Gyatso havia revelado menos sobre sua irmã para Roku do que para ela.

Roku esperou.

A mandíbula de Gyatso se contraiu, então ele relaxou o aperto no cajado e deu um passo em direção ao Avatar. Quando falou novamente, sua voz estava baixa e suave.

— Ela era dois anos mais velha que eu, — disse Gyatso. — No ano passado, ela estava em uma missão de ajuda no sudoeste do Reino da Terra. A Companhia Comercial do Reino do Oeste, a mesma companhia que enviou esses Dobradores de Terra para cá,  estava minerando perto de uma vila há anos. Eles arruinaram o solo, envenenaram a água, destruíram a terra. Aqueles que não podiam se mudar continuaram trabalhando nas minas. Eles começaram a adoecer. E quanto mais trabalhavam, mais doentes ficavam. Logo, quase toda a vila estava morrendo. Yama e os outros Nômades do Ar basicamente foram cuidar dessas pessoas antes que morressem.

Gyatso respirou fundo e se apoiou no cajado, como se estivesse sobrecarregado pelo peso de sua história.

— Os mineradores moribundos não importavam para a companhia. Eles haviam superado sua utilidade. O carvão ou minério, ou o que quer que fosse estava quase acabando, e a companhia estava se preparando para sair. Mas devem ter cavado demais ou muito fundo. Um sumidouro se abriu. Engoliu uma grande parte da encosta da montanha — incluindo a vila onde Yama e alguns dos outros Nômades do Ar estavam ajudando. — Gyatso fez uma pausa — Não houve sobreviventes.

A luta saiu dos olhos de Roku. Ele descruzou os punhos.

— Sinto muito, Gyatso.

— Não estou te contando isso para ganhar sua simpatia — disse Gyatso. — Quero que entenda que eu entendo. Não apenas a tristeza que você carrega pela morte de Yasu, mas também a raiva. — Ele balançou a cabeça. — Tenho estado tão zangado por tanto tempo. Com a Companhia Comercial do Reino do Oeste, que só se importava com seus lucros. Com o Conselho de Anciãos, que decidiu que não havia nada a ser feito além de meditar sobre a tragédia. Comigo mesmo, por não estar naquela viagem com ela porque pedi permissão para ficar para trás para focar no meu treinamento de dobra de ar para dominar o próximo nível.

Roku ficou atônito. Malaya imaginou que ele estava pensando em todas as formas como a raiva ecoou em sua própria vida após a morte de seu irmão gêmeo. Incluindo a maneira como deve ter moldado suas reações à acusação que Gyatso fez contra Sozin.

— Você me disse que eu precisava aprender a amar Yama de uma nova maneira agora que ela se foi, e acho que consegui, — Gyatso acrescentou. — Contei a Malaya tudo sobre ela, e me senti melhor. Mais leve. Mais livre. E depois que tudo isso acabar, adoraria te contar mais sobre minha irmã do que como ela morreu. E adoraria ouvir mais sobre Yasu.

Roku engoliu em seco, depois assentiu.

— Eu também gostaria disso.

— Você me ajudou a ver minha situação com mais clareza. Só quero ajudar você a fazer o mesmo. Você conhece o Príncipe Sozin melhor do que qualquer outra pessoa no mundo, Roku. Por favor. Seja honesto conosco, e consigo mesmo. Há alguma chance de que ele tente usar o poder da Caverna Sagrada se souber sobre ele?

Roku desviou o olhar.

— É possível… Mesmo que eu não queira acreditar. Mas prometo que o confrontarei sobre isso quando for a hora certa.

Gyatso não se vangloriou. Não insistiu no assunto. Ele simplesmente assentiu. Confiou.

Roku deu um passo à frente e abraçou Gyatso. Eles se abraçaram por um longo tempo. Malaya se sentiu uma intrusa naquela intimidade, mas era algo bonito de se testemunhar. Em seus dezesseis anos, ninguém jamais a havia abraçado daquele jeito.

— Que a chama de Yama ilumine nosso caminho — disse Roku, ainda segurando Gyatso.

— E que a de Yasu faça o mesmo — disse Gyatso.

Eles se separaram e se olharam.

— Sinto muito. Eu não teria chegado tão longe sem você — disse Roku. — E não acho que irei muito mais longe a menos que você fique ao meu lado. Você não é um Dobrador de Ar fracassado. Sua dor e raiva continuam frescas. Como você disse, eu entendo isso. Mas também entendo como é ansiar por cura, e estou feliz que você esteja encontrando um caminho.

Gyatso assentiu.

— Eu também sinto muito. Seu cabelo não é tão estúpido assim. — Eles riram, então Gyatso continuou, — Em toda seriedade, sinto muito por dizer que você não era o Avatar certo. Nossos anciãos nos ensinam que o Avatar é sempre a pessoa exata que o mundo precisa naquele momento. A luz de Kyoshi te encontrou por um motivo específico, mesmo que você ainda não consiga ver qual é. Eu tenho fé nisso. Tenho fé em você.

— Isso significa muito para mim — disse Roku. — Pena que a Irmã Disha não compartilhe dessa fé.

— Do que você está falando?

— Quando estávamos discutindo, você disse que ela estava certa.

Gyatso fez uma pausa por um momento, lembrando-se.

— Ah… Eu não quis dizer que ela estava certa ao dizer que foi um erro você ser o Avatar. Quis dizer que ela estava certa ao dizer que você não poderia realmente se ver como o Avatar até parar de se ver primeiro como um Cidadão do Fogo.

— Sério?

— Sério.

Roku brilhou de alívio. Então a determinação se instalou em seu rosto, e sua atenção se voltou para Malaya.

— Quanto aos Dobradores de Terra, na outra noite Ulo disse ter que lidar com assuntos urgentes do clã, — disse Roku. — Algo sobre uma infestação de besouros no bosque do outro lado do vale. Parecia uma mentira, mas talvez tivesse algo a ver com os Dobradores de Terra.

— Há um bosque do outro lado do vale, — disse Malaya, — então talvez seja onde eles estão.

— Você acha que eles ainda estão lá? — Gyatso perguntou. E então acrescentou tentativamente, — Vivos?

Malaya reajustou o arco pendurado em seu ombro.

— Espero que sim. Não há sinal de Amihan, então talvez ela ainda esteja tentando caçá-los. A única maneira de saber com certeza é ir até lá ver o que encontramos.

Roku disse:

— Então vocês dois vão para lá.

— O que você vai fazer? — Malaya perguntou.

— Voltar para a vila.

Malaya e Gyatso trocaram um olhar confuso.

Roku esclareceu.

— Se eu ficar com vocês dois, Ulo tentará me encontrar. Mas se eu voltar, isso deixará vocês livres para ir ao bosque investigar.

— Parece bom… mas você esqueceu que ele está planejando te matar? — Gyatso perguntou.

— Não tenho certeza sobre isso, — disse Roku. — Ele me convidou para encontrar o espírito da caverna quando o sol atingir seu zênite durante o equinócio de amanhã.

Os olhos de Malaya se arregalaram pela segunda vez, quando a última peça do quebra-cabeça se encaixou; com tudo o que estava acontecendo, ela havia esquecido que amanhã era o equinócio.

— O que foi? — Gyatso perguntou, reconhecendo seu olhar de súbita percepção.

— O que vocês sabem sobre a aranha fantasma? — ela perguntou.

— Absolutamente nada — disse Roku.

Gyatso cutucou Roku com o cotovelo.

— Ele gosta mais de dragões.

Roku estreitou os olhos para o Nômade do Ar.

Malaya ignorou o que quer que fosse aquilo.

— Ao contrário da maioria das outras aranhas, a aranha fantasma não prende sua presa com uma teia. Em vez disso, ela se pendura no dossel da floresta, desce sobre seu alvo e então crava suas presas na pobre criatura, injetando veneno. O veneno não mata, e sim paralisa a criatura enquanto transforma seus órgãos em mingau.

Roku franziu o nariz. Gyatso ouviu, fascinado pelas infinitas maravilhas do mundo.

Malaya continuou.

— A aranha fantasma então puxa a presa paralisada de volta ao seu ninho para alimentar seus filhotes, um processo possibilitado pelas entranhas recém-liquefeitas.

Roku olhou para o próprio estômago.

— Você acha que Ulo vai derreter minhas entranhas, depois me comer?

— De certa forma — disse Malaya. — Ninguém em nosso clã além de Ulo sabe muito sobre o ritual do equinócio que supostamente é responsável por manter a boa vontade de Yungib. Exceto que requer sacrifícios. Estou me perguntando se ele não está planejando levar nenhum porco-galinha ou vaca-porco com ele amanhã.

Roku apontou para si mesmo.

Malaya assentiu. Isso explicava por que ele estava mantendo Roku vivo.

Roku soltou um longo suspiro, depois se virou para Gyatso.

— Você provavelmente sabe mais sobre o Mundo Espiritual do que eu, já que é um Nômade do Ar. Existem espíritos que aceitam sacrifícios humanos assim?

— Não acho que seja provável. — Gyatso passou uma mão pela cabeça. — Mas definitivamente existem humanos por aí que acreditam erroneamente que sacrifícios de sangue podem ganhar o favor de certos espíritos.

Roku suspirou.

— E o que poderia ser um sacrifício mais suculento do que o Avatar?

— Ele provavelmente acredita que isso lhe permitirá acessar ainda mais o poder de Yungib — Malaya observou.

Um silêncio se instalou sobre o grupo enquanto consideravam a realidade da situação e a dificuldade de descobrir o que fazer a seguir.

Gyatso virou-se para Roku.

— Ainda quer voltar para a vila sozinho?

— Não. Mas tenho que ir se vocês forem encontrar os Dobradores de Terra. — Roku virou-se para Malaya. — Talvez eu possa até encontrar uma maneira de persuadi-lo a parar de matar forasteiros.

— Prometa-me que não vai matá-lo, — Gyatso disse.Roku hesitou. — Só vai piorar as coisas.

— Eu prometo — Roku eventualmente disse, mas não parecia concordar. Malaya certamente não concordava. Como seu clã poderia se livrar da influência de Ulo de outra forma?

— Obrigado. — Gyatso virou-se para Malaya. — O que você acha? Roku lida com Ulo enquanto encontramos os Dobradores de Terra?

A pergunta a pegou de surpresa. Ele estava esperando sua aprovação como se ela fosse parte da equipe. E Roku estava olhando para ela da mesma maneira. Ela pensou na filosofia de harmonias de Gyatso, sobre como cada um deles estava vibrando e ressoando. Ela havia sido cética a princípio, mas talvez houvesse algo nisso. Enquanto ambos esperavam sua resposta, ela sentiu um senso de pertencimento desconhecido, uma compreensão de quem ela deveria ser.

Ela assentiu.

— Então está decidido. — Roku se moveu entre eles e descansou uma mão sobre cada um dos ombros deles. — Não é bom saber que não estamos sozinhos?

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Capítulo 31