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O Julgamento de Roku: Infestado com tanta decadência

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O Nômade do Ar não calava a boca enquanto ele e Malaya seguiam o caminho pelas colinas ensolaradas. Ele falava conforme as coisas vinham à mente, tecendo narrativas desordenadas intercaladas com seus próprios pensamentos, opiniões ou sentimentos sobre os eventos, ou as pessoas que descrevia. E ele falava sem esperar nada em troca, nem mesmo a atenção dela.

Malaya, por sua vez, mantinha a boca fechada. Ele não precisava de perguntas para manter seu ritmo, e ela estava determinada a não revelar nada caso tudo isso fosse um truque para fazê-la relaxar. No entanto, ela achava sua abertura refrescante, mas desorientadora. Era exatamente o oposto de ouvir Ulo, cujas histórias eram serpentes deslizando pela vegetação: bonitas, lisas e insidiosas.

Gyatso contou a ela sobre o novo Avatar do Fogo chamado Roku, que não era um cara ruim, mas talvez nunca fosse bom se não aprendesse a parar de compensar sua óbvia falta de autoconfiança tomando decisões precipitadas e tentando parecer um grande e perigoso Dobrador de Fogo. Ele contou sobre Roku recebendo um pedido do Príncipe Sozin para viajar para uma ilha e persuadir os Dobradores de Terra a saírem, e sobre como eles haviam fugido no bisão voador de Gyatso e, eventualmente, conseguido encontrar a ilha.

Enquanto subiam a última colina antes do vale, Gyatso contou como haviam seguido a trilha dos Dobradores de Terra, encontrado um dos guardas chamado Oh Wen e, após uma breve luta durante a qual Gyatso salvou o Avatar de ser esmagado até a morte, descobriram que o grupo trabalhava para uma empresa que procurava um tipo raro de rocha na ilha. Ele contou sobre a discussão com Roku porque o pedido do Príncipe Sozin era obviamente uma armadilha que Roku se recusava a ver porque o príncipe era seu amigo mais próximo.

Gyatso contou sobre como seguiram caminhos diferentes, mas sua culpa por abandonar Roku aumentou ao longo daquela noite chuvosa. Após uma longa conversa com Oh Wen na manhã seguinte, ele decidiu ir atrás de Roku enquanto Oh Wen voltava para seu navio. No entanto, Gyatso não foi muito longe antes de chegar a um ponto onde a trilha havia sido completamente lavada pela tempestade da noite anterior.

— O que você fez? — Malaya perguntou, finalmente cedendo à curiosidade.

— Eu pulei do penhasco. — Gyatso ergueu seu bastão e abriu e fechou as asas. — Mas, em vez de encontrar Roku, encontrei você.

— Por que você veio com o Avatar Roku em primeiro lugar? — ela perguntou.

Gyatso parou de caminhar e se virou para Malaya. Ele hesitou, como se não fosse responder, então respondeu.

— Algo está errado com minha dobra de ar há um tempo. Mas percebi que funciona sempre que preciso ajudar Roku.

— Por que você acha isso?

Ele coçou a cabeça.

— Você já ouviu falar da filosofia das harmonias dos Nômades do Ar?

Malaya balançou a cabeça.

Ele estendeu a mão.

— Posso ver seu arco?

Malaya hesitou, depois tirou a arma do ombro e a entregou a Gyatso, empurrando a aljava de flechas para trás caso fosse um truque.

Gyatso encostou seu bastão em uma árvore, segurou o arco na frente do rosto com uma mão e puxou a corda tensa com a outra. A corda do arco ressoou enquanto vibrava. Gyatso explicou:

— Basicamente, é a crença de que tudo está constantemente vibrando. Esta corda do arco. As folhas das árvores. As próprias árvores. O chão. As raízes. As pedras. Toda a encosta. Até a ilha.

Malaya olhou ao redor.

— Isso é ridículo.

— Certo. Não podemos ver ou sentir a maioria das vibrações — elas são muito pequenas.

Malaya focou em um talo de grama próximo. Parecia completamente imóvel, mas quanto mais ela observava, mais começava a notar seu leve tremor. Talvez houvesse algo nisso.

— E quanto a nós?

— Até nós — disse Gyatso seriamente.

Malaya estendeu as mãos, tentando e falhando em mantê-las perfeitamente imóveis.

— Segundo os filósofos, as vibrações naturais de cada pessoa criam um ritmo tão único quanto suas impressões digitais. — A corda do arco parou finalmente de vibrar, então Gyatso a puxou novamente. — E assim como duas ou mais notas complementares na música podem criar harmonias, os filósofos acreditavam que nossas vibrações às vezes ‘harmonizam’ com as dos outros. — Ele devolveu o arco a ela. — É por isso que podemos nos sentir atraídos por certas pessoas mais do que por outras, mesmo antes de realmente conhecê-las.

Malaya achou que viu algo nos olhos do Nômade do Ar, mas ele pigarreou e se virou antes que ela pudesse ter certeza. Quando ele se virou novamente, segurava duas folhas juntas pelos caules. Ele soprou nelas até que tremulassem rapidamente uma contra a outra, emitindo um assobio suave e agudo.

— Então, isso é você e Roku? — ela perguntou.

— Talvez? Isso pode explicar minha dobra de ar. Tipo, talvez, quando estou perto dele, meu espírito se lembra do seu ritmo, de quem eu deveria ser. Cada um de nós perdeu alguém muito próximo, então talvez tenha algo a ver com isso. — Ele estendeu as folhas na palma aberta e deixou o vento levá-las embora. — Mas se o encontrarmos, nunca diga que eu disse isso.

— Humm.

Gyatso abriu um sorriso.

— Você não parece convencida.

— Preciso pensar mais sobre isso — disse ela, impressionada com a sabedoria que ele tinha apesar de sua juventude. — Nunca me senti assim perto de ninguém. Mas entendo a ideia básica. É como andar num gorila-társio.

— Um gorila o quê?

— Um gorila-társio.

O rosto de Gyatso permaneceu inexpressivo.

Malaya lembrou-se de ouvir Yuming e Qixia dizerem que os animais que saltam entre as árvores não existiam em nenhum outro lugar do mundo, então ela os descreveu para Gyatso da melhor maneira possível, ainda esperando que Kilat estivesse em algum lugar seguro. Ele ouviu, espantado. Quando ela terminou, ele perguntou com uma maravilha infantil:

— Posso andar num?

Malaya riu.

— Isso me leva ao ponto: um gorila-társio só deixa certas pessoas montarem neles. Ninguém sabe por quê. Mas talvez seus filósofos Nômades do Ar estejam certos.

— Então, você está dizendo que posso montar em um, mas preciso encontrar o certo?

— Exatamente. Eles são vegetarianos e geralmente dóceis, mas se você tentar subir no errado, seria provavelmente a última coisa que você faria.

— Justo. — Gyatso examinou as árvores ao redor.

— Você está procurando um agora?

— Talvez.

Ela riu e assumiu a dianteira. Eles continuaram andando e logo chegaram ao lado leste do vale enquanto o sol brilhava alto no céu, o solo ainda cheirando à chuva. Malaya mordeu o lábio inferior enquanto parava para admirar a rara visão. As encostas em terraços se estendiam sob o céu azul. Os talos de arroz balançavam como ondas em um mar de verde-pálido e amarelo. O grupo de cabanas que compunha a aldeia de seu clã esperava abaixo como sementes numa palma em concha.

— Precisamos voltar um pouco e encontrar um lugar para nos escondermos até que a névoa volte ou a noite caia — ela disse.

— E então?

— E então você vai me esperar — ela disse ao Nômade do Ar.

Ele se apoiou em seu bastão.

— Ainda não confia em mim?

— Não — disse Malaya. — Mas esse não é o problema. Nosso chefe não vai ficar feliz em me ver por algumas escolhas que fiz, então preciso descobrir o que aconteceu com os Dobradores de Terra e com seu amigo sem ser vista. Seria muito mais difícil fazer isso com você na minha cola, tagarelando incessantemente sobre vibrações e harmonias e seu novo melhor amigo Roku.

— Ele não é meu melhor amigo — corrigiu Gyatso.

— Ainda não — disse Malaya com um sorriso.

— Chega de falar sobre mim. Que tipo de escolhas você fez?

Malaya se virou.

— Do tipo que não dá para desfazer.

 


 

Malaya retornou apenas algumas horas depois do pôr do sol. Encontrou Gyatso exatamente onde ela havia lhe dito para esperar, atrás de uma formação rochosa longe do caminho. O Nômade do Ar estava sentado de pernas cruzadas, meditando profundamente a ponto de não perceber sua aproximação. Sem o sorriso bobo que ela já tinha visto tantas vezes em seu rosto, ele parecia mais velho, sombrio. Como se a meditação não estivesse trazendo a paz que ele esperava.

Apesar de acreditar que suas histórias desordenadas e sem filtro eram verdadeiras, ela não conseguia se livrar do medo de ter colocado sua confiança na pessoa errada novamente e voltar para encontrá-lo desaparecido. Mas ali estava ele. Ele até havia obedecido ao pedido de não acender uma fogueira, caso alguém na aldeia visse a fumaça.

Ela cutucou o ombro de Gyatso com seu arco. Assustado, seus olhos se abriram de repente, e ele girou rapidamente, ficando de pé e pegando seu bastão ao mesmo tempo.

— Ah, é você. — Ele relaxou. — Você me assustou.

— Isso não parece difícil.

— Isso foi uma piada?

Malaya deu de ombros, jogou-lhe uma bolsa de cogumelos secos que havia pego dos estoques da aldeia, e se sentou em um tronco caído.

Gyatso cheirou a bolsa e fez uma careta.

— Eles têm um gosto melhor do que o cheiro— ela disse.

Ele colocou um na boca e mastigou pensativo.

— Isso é discutível. — Ele devolveu a bolsa. — Algum sinal dos Dobradores de Terra ou de Roku?

Ela balançou a cabeça.

— Nada.

— Sério?

— Sério. Nem sei para onde minha gorila-társio foi. — Malaya estava tão perplexa quanto Gyatso parecia. Depois que Yuming e Qixia a deixaram amarrada na montanha, o grupo deveria ter continuado pelo caminho. A trilha levaria os Dobradores de Terra pelas colinas, até o vale e até a aldeia. No entanto, não havia nenhum sinal dos Dobradores de Terra na aldeia, nenhuma vegetação pisoteada que sugerisse que eles se desviaram do caminho, e nenhum sinal de luta ao longo do trajeto que sugerisse que Amihan os havia alcançado e emboscado.

Ela também não tinha visto Ulo, mas isso não era incomum. Ele frequentemente ficava em sua cabana por longos períodos ou ia até a Caverna Sagrada para rezar ou meditar, especialmente quando o equinócio se aproximava.

O resto do clã parecia inquieto enquanto realizavam suas tarefas típicas da noite de cozinhar, limpar e lavar, ansiosos sem a neblina durante o dia e preocupados com o que o amanhã poderia trazer. Mas, pelo que ela ouviu, aceitaram… ou, pelo menos, não questionaram abertamente, a explicação atípica de Ulo, que simplesmente havia instruído os Dobradores de Água a pararem de dobrar a neblina alguns dias antes do festival do equinócio para que relaxassem nas fontes termais e todos aproveitassem o sol extra.

Mais cedo do que de costume, os aldeões apagaram suas fogueiras de cozinha e desapareceram em suas cabanas para a noite. O zumbido dos insetos tomou conta enquanto a quietude se instalava sobre o vale.

— No que você está pensando? — Gyatso perguntou depois que Malaya ficou em silêncio por um longo tempo.

— Eles desapareceram no ar — disse Malaya. — Como a neblina.

— Você acha que estão seguros?

Ela deu de ombros.

— Qual é a história dessa neblina, afinal? — Gyatso perguntou, numa tentativa óbvia de desviar a conversa para uma direção menos sombria. — Ela não é natural, é?

Ela balançou a cabeça.

— Dobradores de Água.

— Humm — disse Gyatso, absorvendo a primeira informação sobre a comunidade dela que ela havia revelado a ele. — Seus Dobradores de Água devem ser mais poderosos do que qualquer outro de que já ouvi falar.

— Eles normalmente não fazem esse tipo de coisa? — Malaya perguntou. Segundo Ulo, a Tribo da Água frequentemente travava guerras convocando ondas de maré destrutivas, nevascas implacáveis, ondas de frio intenso ou tempestades de gelo fatais.

— Tanta neblina por tanto tempo em uma ilha deste tamanho… definitivamente não. Talvez centenas deles trabalhando juntos. Mas sua aldeia não parecia tão grande.

— Temos apenas alguns — disse Malaya, sem surpresa ao descobrir mais uma das mentiras de Ulo. Era como encontrar uma árvore que parecia perfeitamente bem por fora, mas descobrir que estava podre e sem vida por dentro. E então perceber que toda a floresta estava infestada com essa decadência.

— E vocês têm pessoas aqui que podem dobrar os outros elementos? — ele perguntou.

Malaya assentiu.

— Mas a maioria do clã são não-dobradores, como eu.

— Para ser honesto, se seus Dobradores de Água são tão poderosos, temo o que seus outros dobradores conseguem fazer.

— Não somos selvagens assassinos — disse ela, sem total confiança.

— Nem mesmo sua Dobradora de Ar? — Gyatso perguntou, referindo-se ao ataque a Oh Wen. — Isso não é nada que qualquer Nômade do Ar faria… mas suponho que seja possível se ela fosse criada por pessoas que não conhecem nossos costumes.

— Ela deve manter a ilha segura — disse Malaya. — Como eu.

— Preciso me preocupar com minhas orelhas?

— Apenas com o tamanho delas.

Gyatso riu.

Malaya conseguiu manter a expressão séria.

— Amihan, nossa Dobradora de Ar, e eu somos batedoras do clã. — Malaya explicou suas responsabilidades. — Eu não sabia até recentemente que parte dos deveres incluía matar forasteiros.

— Ah — disse Gyatso. — Você se recusou. E é por isso que seu chefe não ficará feliz em vê-la.

Malaya assentiu, então descreveu como incapacitou Amihan e tentou avisar os Dobradores de Terra, apenas para acabar com mãos e pés amarrados com pedra.

— Isso não me surpreende — disse Gyatso sobre a recusa de Yuming e Qixia em sair. — Afinal, eles trabalham para a Companhia Comercial do Reino do Oeste. — Ele disse a última parte com um ressentimento pouco característico. Então respirou fundo, como se para se acalmar. — Você tomou a decisão certa, no entanto. Eles não merecem morrer.

— Eu sei. Eu disse que não podia voltar na decisão. Não que eu queria.

Gyatso assentiu.

— Então, nossos objetivos estão alinhados.

— Parece que sim — disse ela.

— E agora?

Malaya pensou por um momento.

— Você caça?

— Definitivamente não — ele disse com óbvio desgosto.

Ela continuou de qualquer maneira.

— Caçar não é sobre o quão preciso você pode atirar uma flecha ou lançar uma lança. Não é sobre quão forte ou rápido você é, ou quão afiada é sua lâmina. Não me entenda mal, essas coisas importam. Mas ainda mais importante é a paciência. A maior parte de uma caçada é esperar, observar o momento certo.

— Então, esperamos? — perguntou o Nômade do Ar.

— E observamos.

— Mas e se algo aconteceu com Roku ou com os Dobradores de Terra? — Gyatso perguntou.

— Então, já saberíamos.

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Capítulo 26