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O Julgamento de Roku: Faca afiada

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Malaya protegeu os olhos contra o brilho enquanto olhava para os fragmentos de azul visíveis através da densa copa da floresta. A luz do sol salpicada passava pelas folhas, já aquecendo o ar.

Ela não deveria conseguir ver o céu ou a luz do sol. Ela não deveria conseguir ver toda a floresta ao redor, cada cipó e folha e árvore inacreditavelmente verde cobertos de musgo expostos em todas as direções até onde podia ver. Mas, depois de uma noite de chuva forte, a névoa havia surgido – e depois desaparecido.

Malaya não era a única incomodada pelo ar claro.

Os animais corriam como insetos debaixo de uma pedra virada. Pássaros voavam nervosamente pelas árvores, seus cantos estranhos ou desafinados. Até as folhas pareciam se enrolar ou se mover, como se não soubessem o que fazer na ausência do abraço diurno da umidade.

A névoa se levantava durante o dia apenas duas vezes por ano – durante cada equinócio, quando os Dobradores de Água deixavam a Caverna Sagrada para que Ulo pudesse encontrar Yungib sozinho. No entanto, o próximo equinócio ainda estava a vários dias de distância. Houve algumas ocasiões ao longo da vida em que um dos Dobradores de Água adoeceu, mas a névoa apenas afinou, já que ainda havia outros dois para dobrar a névoa.

Algo devia ter acontecido com eles.

E provavelmente tinha a ver com os Dobradores de Terra.

Depois que Yuming e Qixia enganaram Malaya e amarraram suas mãos com pedra e seus pés à montanha, levou horas para Malaya desgastar a rocha o suficiente para se libertar. Quando conseguiu, a noite havia caído, a chuva pesada havia começado, e os Dobradores de Terra já haviam partido há muito tempo. Assim como Amihan. Assim como Kilat. Malaya esperava que sua gorila-társio estivesse segura, mas não tinha tempo para procurar a criatura. Ela precisava alcançar os Dobradores de Terra antes que Amihan os encontrasse, ou antes que chegassem à aldeia – se já não tivessem chegado. E, uma vez que os encontrasse, tentaria convencê-los novamente a partir.

Embora a traição de Yuming ainda doesse, Malaya não desejava a morte da mulher ou de seus companheiros. Confiar nela havia sido um erro de cálculo, mas o truque foi uma maneira humana de atrasar Malaya, sem um traço da sede de sangue que Ulo alegava que todos os forasteiros possuíam. Yuming e Qixia só queriam desvendar os segredos da ilha. A curiosidade nunca deveria ser uma sentença de morte.

Enquanto Malaya corria pelo caminho íngreme e estreito que descia a montanha e serpenteava pela densa vegetação, tentava se convencer de que o desaparecimento da névoa significava que ainda havia tempo para intervir.

Ela estava fora das montanhas e subindo a colina do outro lado do vale de sua aldeia quando notou algo ainda mais estranho voando pelo céu azul. A princípio, ela confundiu a figura de asas largas que fazia loops amplos com algum falcão gigante à caça. Mas ficou óbvio, em uma passagem particularmente baixa, que não era um pássaro, mas um humano. Um garoto careca e magro, mais especificamente. Ele vestia túnicas laranja e amarelo que flutuavam ao vento enquanto se agarrava a um conjunto de asas de madeira e papel, escaneando o chão abaixo, as sobrancelhas franzidas de preocupação.

Ela havia ouvido o suficiente das histórias de Ulo para reconhecer que o garoto era um Nômade do Ar. E, com as outras mentiras de Ulo agora desmascaradas, ela duvidava de suas alegações de que eles não eram nada além de extremistas nômades em uma missão interminável para livrar o mundo daqueles que consideravam impuros.

Mas o que ele estava fazendo aqui? Ela só sabia sobre os Dobradores de Terra, havia perdido a chegada de outros? E agora, sem a névoa, quantos mais viriam?

Instintivamente, a mão de Malaya foi para o arco pendurado em seu ombro. Ulo iria querer que ela o derrubasse. Para acabar rapidamente com uma ameaça óbvia. Em vez disso, ela deixou a arma e simplesmente observou.

O Dobrador de Ar a avistou um momento depois. Seu rosto se iluminou, e ele tirou uma das mãos de seu planador para acenar, fazendo-se balançar antes de recuperar o controle. Pega de surpresa, Malaya não retribuiu o cumprimento. Ela havia esquecido que, com o ar claro, se ela podia ver o garoto, o garoto também podia vê-la.

Apesar de sua resposta fria, o garoto fez uma curva e começou a descer.

O pânico se instalou. O instinto de Malaya era recuar, esconder-se na névoa. Mas não havia névoa. Para piorar, as árvores eram baixas desse lado da colina gramada, e não havia afloramentos rochosos atrás dos quais ela pudesse facilmente desaparecer.

Ela poderia correr, mas sem Kilat, não tinha chance de escapar do planador. Então, em vez disso, Malaya se manteve firme e puxou sua adaga. Por mais que duvidasse das histórias de Ulo, não iria correr riscos.

O Dobrador de Ar pousou a vários metros de distância, aterrissando tão desajeitadamente que quase caiu. As asas de madeira e papel desapareceram com um movimento de seu pulso quando seu dispositivo de voo se converteu em um simples bastão. Ele soltou um suspiro de alívio, então ergueu as mãos e se aproximou cautelosamente.

— Faca legal — ele disse.

— Faca afiada — ela respondeu.

O garoto parou, então abriu um largo sorriso enquanto mantinha distância. Ele tinha um rosto gentil e um olhar sonolento. Ela imaginou que ele tivesse mais ou menos sua idade, talvez um pouco menos. Amihan era a única outra Dobradora de Ar que ela já havia conhecido, mas a energia do garoto parecia consideravelmente mais suave.

— Eu sou Gyatso — ele disse, sem se deixar abater.

Malaya não respondeu, mesmo que sentisse vontade de retribuir o sorriso.

O Nômade do Ar chamado Gyatso continuou.

— Estou procurando meu amigo… bem, não meu amigo. — Ele passou a mão sobre a cabeça raspada. — Meu… colega? Companheiro de viagem? Sim, companheiro de viagem. Enfim, o nome dele é Roku. Você o viu por aí? Um cara alto e magro com túnicas laranjas e amarelas como as minhas. Cabelos pretos como os seus. Mas mais longos. E mais brilhantes. Não que haja algo de errado com o seu cabelo – na verdade, acho que cabelo curto e bagunçado fica ótimo em você. Prático. Intimidante. — Ele corou. Olhou para baixo. Limpou a garganta. — Enfim, Roku: solta fogo das mãos e dos pés, especialmente quando está com raiva, o que é, tipo, muitas vezes. Você o viu?

Malaya passou a mão livre pelo cabelo, distraída. Ela não sabia o que pensar desse garoto. E, aparentemente, havia pelo menos outro forasteiro na ilha do qual ninguém mais no clã estava ciente. Em vez de responder à pergunta dele, ela reajustou a pegada na adaga e esperou que ele revelasse mais.

— Desculpe, foi muita coisa — disse Gyatso. — Eu costumo divagar quando estou nervoso. Deixe-me recomeçar. — Ele limpou a garganta novamente.— Eu sou Gyatso, um Nômade do Ar do Templo do Ar do Sul. Sem ameaça para você. Sou pacifista. Meu amigo, quer dizer, companheiro, que provavelmente não é pacifista… viemos para a ilha juntos há alguns dias, mas nos separamos e estou tentando encontrá-lo.

Malaya não disse nada. Uma brisa quente agitou a grama alta que cobria a encosta. Um bando de pássaros voou preguiçosamente ao longe, uma visão rara que quase desviou a atenção de Malaya.

Gyatso corrigiu a postura, ombros relaxados. Seus olhos irradiavam uma calorosa desarmante e gentileza, apesar da lâmina em forma de lágrima que ela apontava para ele. Ele não parecia uma ameaça, mas ela pensara o mesmo sobre Yuming e Qixia.

— Por que você e seu amigo vieram aqui? — ela finalmente perguntou.

Gyatso hesitou.

— É complicado.

— Como vocês se separaram?

— Hum. Isso também é complicado.

Malaya estava perdendo a paciência. Sua mente foi para o restante do veneno de centopeia-basilisco em uma das pequenas bolsas amarradas ao cinto.

— Como você encontrou a ilha?

— Ah, essa é fácil — disse Gyatso. — Um mapa! — Ele pensou por um momento. — Mas estava meio que escrito em um código secreto que Roku disse lembrar como ler, mas, na verdade não lembrava, então talvez tenha sido mais por sorte.

Malaya tinha muitas outras perguntas que imaginava que o Dobrador de Ar seria incapaz de responder. Ainda assim, por mais que precisasse alcançar os Dobradores de Terra antes que fosse tarde demais, seria extremamente irresponsável correr e deixar esse Dobrador de Ar fazer o que quisesse na ilha.

— Eu sou Malaya — ela disse.

— Você mora aqui?

Ela assentiu.

Ele assentiu.

Malaya abaixou um pouco a adaga, aliviada por a informação não parecer mudar a maneira como ele a olhava. Quando ela admitiu o mesmo para Yuming e Qixia, elas fixaram a curiosidade nela como se ela fosse outro animal exótico que descobriram e planejaram desenhar e depois nomear.

Gyatso sorriu novamente enquanto gesticulava para o chão.

— Se importa se eu sentar? Voar me cansou muito.

— Vá em frente.

Gyatso colocou seu bastão no chão e sentou na grama de pernas cruzadas. Ele assentiu para o espaço ao lado dele.

— Quer se juntar a mim?

— Não.

— Justo. — Ele tirou uma bolsa de sua sacola, desatou o cordão que a fechava e despejou um punhado de frutos redondos e roxos escuros na palma da mão. Ele olhou para Malaya. — Esses são seguros para comer?

— Maçãs-estreladas? — ela disse. — A casca é tóxica, mas você pode cortá-las ao meio, tirar as sementes e comer a polpa.

— Ainda bem que perguntei primeiro. Posso? — Ele estendeu a mão. Demorou um pouco para Malaya perceber que ele estava pedindo a adaga.

Ela balançou a cabeça.

— Mais tarde, então — disse Gyatso, jogando as maçãs-estreladas de volta na bolsa. — Eu me pergunto se dariam um bom recheio de torta.

— Torta?

— Sim, torta. — Então Gyatso entendeu. — Ah, entendi. Vocês não têm tortas por aqui. Que pena. Vocês estão perdendo. Falando em estar por aqui, nunca vi ninguém da Nação do Fogo vestido como você antes.

Malaya se perguntava por que todos pareciam pensar que ela era da Nação do Fogo enquanto olhava para sua túnica sem mangas, cinto e saia tolgè modificada. Talvez fosse pelo vermelho no tecido.

— Esta ilha não pertence a nenhuma nação — disse ela, olhando para cima. — Apenas ao Clã Lambak.

— Interessante. — Gyatso acariciou o queixo. — Você realmente pode embainhar essa adaga. Prometo que não vou te machucar.

Malaya não a guardou.

— Como se você pudesse.

Ele deu de ombros.

Os olhos de Malaya se voltaram para o caminho ainda enlameado, sem saber o que fazer. A cada momento que ela perdia conversando com o garoto, os Dobradores de Terra estavam se afastando mais.

Gyatso notou sua agitação.

— Estou te impedindo de fazer algo?

— Sim — disse ela.

Gyatso se levantou, limpou a grama que grudou em suas roupas e pegou o bastão.

— Então vamos nos mover. — Ele gesticulou para ela liderar o caminho. Ela apontou a adaga na direção dele — Certo.

Sem confiança, facada, facada. Ele passou por ela de lado no caminho e começou a andar, aparentemente despreocupado com a possibilidade de uma lâmina em suas costas.

Ele era irritante, mas não tanto. E não havia melhor opção do que mantê-lo à vista enquanto ela alcançava os Dobradores de Terra. Malaya embainhou sua adaga e seguiu.

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Capítulo 24