Qualquer pessoa com meio cérebro poderia dizer que os Dobradores de Areia que Sozin havia contratado para levar Kozaru, Dalisay e ele até a Biblioteca de Wan Shi Tong planejavam roubá-los. A única dúvida era se os Dobradores de Areia planejavam matá-los também.
Era um golpe comum, arquitetado pelas mentes de criminosos desesperados em todo o mundo. Em casa, na Nação do Fogo, isso tomava a forma de pescadores pobres das ilhas externas, oferecendo-se para levar nobres em férias a praias remotas e privadas – apenas para tomar seus pertences e deixá-los presos. Sozin não podia culpar ninguém por fazer o que era necessário para sobreviver. Enquanto houvesse pobreza, a criminalidade seria inevitável. Para fazer seu povo se sentir seguro, ele eventualmente teria que encontrar maneiras de garantir que os recursos da nação servissem a todos os cidadãos da Nação do Fogo, não apenas aos nobres. Mas, enquanto isso, atividades ilegais precisavam ser punidas. Tal era a base da civilização – uma verdade que sempre escapou ao Reino da Terra.
Então, quando um dos Dobradores de Areia olhou por cima do ombro enquanto guiava seu veleiro de areia pelas dunas para dizer a Sozin que iriam parar em uma formação rochosa à frente para passar o meio-dia na sombra, Sozin simplesmente assentiu. Então, discretamente, cutucou Kozaru e Dalisay. Suas duas companheiras se sentaram casualmente, mas seus olhos ficaram alerta, seus músculos tensos.
Eles haviam partido no dia anterior, ao pôr do sol, e viajado durante a noite para escapar do calor. Mas agora, a temperatura estava rapidamente se tornando insuportável à medida que o sol subia – especialmente sob todas as camadas extras de pano que usavam enroladas em torno de seus rostos e mãos, no estilo dos Dobradores de Areia, para proteger a pele dos raios do sol. As dunas ondulantes do deserto se estendiam em todas as direções sob uma vasta cúpula azul riscada no horizonte com as menores nuvens. Bem acima, vespas-abutre circulavam.
Mas qual seria exatamente o plano dos Dobradores de Areia? Talvez insistissem para que Sozin, Kozaru e Dalisay descessem do veleiro primeiro, e então imediatamente navegariam para longe. Ou talvez esperassem até que Sozin e suas companheiras se sentassem na sombra e começassem a almoçar.
Não, esses dois não estavam trabalhando sozinhos. Muito provavelmente, seus amigos malandros estavam à espera nesta formação rochosa, prontos para usar sua dobra de areia para subjugar, roubar e talvez até matar.
Sim, pensou Sozin, é isso que eu faria.
Depois de algum tempo, a formação rochosa apareceu no horizonte. Era uma coleção imponente de lajes irregulares de pedra escura que emergiam da terra em ângulos agudos. Arbustos espalhados com pequenas folhas verde-claras brotavam nas áreas rasas de areia ao redor da base da formação. Entre as rochas, havia muitos cantos sombreados onde uma pessoa poderia se refugiar do sol implacável.
Os Dobradores de Areia cessaram seus movimentos de dobra, e o veleiro deslizou até parar a poucos metros das rochas, silenciando o ruído branco das quilhas cortando a areia. Sozin e seus companheiros trocaram olhares cautelosos enquanto se levantavam e se espreguiçavam.
— Vamos parar aqui — disse o outro Dobrador de Areia enquanto começavam a abaixar e enrolar a vela. — Almoçar. Descansar. Então, quando nossas sombras atingirem a metade, continuamos nosso caminho.
— Ótimo plano. — Sozin pulou para baixo, com Kozaru e Dalisay seguindo.
Era difícil adivinhar quantos Dobradores de Areia compunham os dentes dessa armadilha evidente. Mas Sozin não estava nem um pouco preocupado, mesmo que estivessem cercados por areia. Os dois que haviam guiado o veleiro de areia talvez tivessem percebido que Sozin e suas companheiras eram da Nação do Fogo pela maneira como falavam ou se comportavam. No entanto, eles não sabiam que ele e Kozaru eram Dobradores de Fogo, mais fortes quando o sol estava no ponto mais alto, e que Dalisay era quase tão mortal com seu dardo de corda.
Os dois Dobradores de Areia rapidamente enrolaram e amarraram as cordas, depois penduraram suas sacolas nos ombros e desceram. Um deles gesticulou para Sozin em direção a uma ampla fenda sombreada entre duas das pedras mais altas à frente deles.
— Lá dentro.
Sozin ergueu as sobrancelhas para Kozaru e Dal, como se dissesse: poderia ser mais óbvio?
O calor seco era sufocante. Ele desenrolou o pano que havia enrolado em torno de seu rosto e removeu a tira de couro com fendas para os olhos que os Dobradores de Areia haviam dado a eles para proteger a visão da luz ofuscante do deserto. Apertando os olhos contra o brilho, ele examinou as rochas imponentes enquanto avançavam. Nenhum movimento. Nenhuma sombra errante. Ou os outros Dobradores de Areia estavam escondidos atrás dos picos, ou na escuridão na fenda.
Quando se aproximaram da entrada, Sozin sussurrou para Kozaru:
— Espere aqui. Vigie nossas costas.
Kozaru assentiu e ficou para trás enquanto Sozin, Dalisay e os dois Dobradores de Areia prosseguiam.
O frescor os atingiu assim que entraram nas sombras, mas a mudança repentina de iluminação dificultou a visão na escuridão. Por isso, no momento em que ouviu passos se aproximando de dentro, Sozin usou sua dobra de fogo para produzir uma linha de fogo de cada punho, que ele lançou para frente como dois chicotes flamejantes. As chamas iluminaram a passagem, revelando quatro Dobradores de Areia esperando com espadas ou punhais. Eles gritaram surpresos ao recuar, suas armas caindo no chão.
Um dos Dobradores de Areia que estava caminhando ao lado deles começou a gritar com Sozin. Mas o dardo de corda de Dalisay cortou o ar, enrolou-se em torno de seu pescoço e o derrubou. Ela puxou de volta, e o corpo do homem virou enquanto a corda desenrolava, retornava a ela e então era redirecionada com um chute giratório gracioso em direção ao outro Dobrador de Areia que gritou de dor quando o dardo se alojou em sua coxa.
Enquanto Dalisay lidava com esses dois, Sozin arqueou os braços e estalou seus chicotes de fogo novamente, estendendo seu comprimento para não errar dessa vez. Eles voaram pela escuridão estreita e cada um estalou contra um Dobrador de Areia diferente, chiando enquanto queimavam tecido e carne.
— Por favor! — implorou um dos outros Dobradores de Areia (um homem velho) enquanto corria em direção a Sozin com as mãos levantadas. — Por favor, não machuque meu marido!
Sozin recuou para reunir seus chicotes e atacar o atacante geriátrico quando algo no chão brilhou à luz das chamas que passavam. Não espadas, não punhais. Xícaras de chá.
Xícaras de chá de cobre. Uma bandeja. Talheres espalhados.
Sozin abaixou os braços. Deixou as chamas se dissiparem.
Essas pessoas não eram ladrões – eram servos, esperando com refrescos para reabastecer os viajantes em sua jornada.
— Espere — ordenou Sozin a Dalisay, cujo dardo letal ainda cortava o ar em arcos precisos.
Dalisay parou em uma rotação e deixou sua corda enrolar em torno de seu antebraço enquanto Kozaru vinha correndo, com o rosto caindo de decepção ao perceber que a luta havia terminado antes que ela tivesse a chance de participar.
— Houve um mal-entendido. — Sozin acendeu uma chama que iluminou o serviço de chá espalhado. Então, ele se voltou para os dois Dobradores de Areia gemendo com quem Dal estava lutando. Um estava recostado na rocha, segurando a coxa sangrando, o outro estava se contorcendo no chão empoeirado. Ele se sentiu mal, mas não ia demonstrar. — Vocês realmente deveriam ter nos contado sobre seus amigos.
Na manhã seguinte, eles chegaram à biblioteca de Wan Shi Tong. Era real. Meio enterrada no meio de algum deserto esquecido pelos espíritos, mas real.
Suas torres em cúpula atravessavam a areia e alcançavam o céu com uma simetria impressionante. Quatro torres altas e estreitas nos cantos exteriores enquadravam quatro torres menores e mais largas no meio. No centro, erguia-se a torre mais alta, brotando de uma vasta cúpula.
O nível de areia alcançava alguns pés abaixo da base da cúpula central, quase cobrindo completamente uma fileira de janelas altas e intrincadamente trabalhadas. Mais cem anos e o lugar inteiro provavelmente estaria coberto pelo deserto.
Sozin não conseguia parar de sorrir. Ele desejava que o Senhor do Fogo Taiso estivesse ali para ver. “Você estava errado”, ele teria dito a seu pai, que então admitiria isso antes de se desculpar por desconsiderar a coleção da coruja espiritual como mera lenda.
Ok, o Senhor do Fogo Taiso nunca admitiria que estava errado.
E certamente nunca se desculparia. Especialmente para seu filho.
No máximo, ele teria uma expressão azeda no rosto – que Sozin ainda poderia ver quando voltasse para casa e compartilhasse um tesouro de novos conhecimentos, conhecimentos que certamente dariam à Nação do Fogo uma vantagem por décadas, se não séculos. Seu pai poderia até parar de incomodar Sozin sobre continuar seus estudos e começar a lhe dar algumas responsabilidades reais.
Sozin entregou aos seus guias Dobradores de Areia feridos o dobro do pagamento acordado; um pedido de desculpas que não exigia uma admissão explícita de culpa.
— E eu vou dobrar a outra metade também, depois que nos levarem de volta ao oásis. — Então ele se voltou para Kozaru e Dal.
— Esperem com nossos amigos para que eles não sejam tentados a navegar embora por conta daquele mal-entendido anterior.
Kozaru assentiu obedientemente, mas Dalisay cruzou os braços.
— Viemos até aqui com você, e você nem vai nos deixar entrar?
— Exatamente — disse Sozin.
Era possível que os Dobradores de Areia estivessem esperando para abandoná-los de verdade desta vez, mas Sozin não achava isso provável. Contudo, era uma desculpa conveniente. Ele queria que Kozaru e Dalisay esperassem do lado de fora porque não confiava nelas – especialmente em Dalisay. Como cientista, ela era curiosa demais. Qualquer informação útil na biblioteca era dele para descobrir, dele para possuir, dele para controlar.
Dalisay começou a protestar, mas Sozin a cortou com um olhar que lembrava seu lugar. Ela bufou e se sentou na borda do veleiro de areia.
— Mas lembre-se de procurar qualquer coisa sobre metalurgia. Se pudermos encontrar…
— Sim, sim, eu sei — disse Sozin, interrompendo-a com um aceno de mão desdenhoso. Ele juntou suas coisas, pulou do veleiro de areia e caminhou pela areia em direção à biblioteca, em direção ao seu futuro, que a cada passo brilhava mais do que o sol acima.
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