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A Aurora de Yangchen: Sonhos Dentro de Sonhos

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Yangchen teve que ser cuidadosa durante sua viagem. Tempestades do Sul poderiam surgir rapidamente no horizonte, e quando o tempo ruim a pegava no ar, a sacudia e jogava no mar.

 

Era em tempos como esse que a dificuldade de dormir de Yangchen tinha um lado positivo. Ela cochilava quando podia. E confiava em Nujian para rosnar caso visse pessoas na água abaixo, e quando ele precisava descansar ela vigiava enquanto ele flutuava. Eles comeram moderadamente a ração de vegetais secos e beberam água das nuvens condensadas que ela dominou, mas ela sabia que seu companheiro estava queimando suas reservas de gordura sem a chance de se alimentar em terra.

 

Quando passaram por um muro invisível de uma frente fria e a névoa rastejando sobre as ondas enviou um arrepio por sua espinha, uma parte de Yangchen gostaria de ter escutado Kavik e não ter ido sozinha.

 

As visitas anteriores de Jetsun ao Mundo Espiritual a haviam preparado bem para guiar Yangchen por sua primeira. A monja mais velha atravessou com passos firmes um riacho cristalino e Yangchen só precisou seguir os passos dela.

 

 — O Mundo Espiritual é diferente para diferentes pessoas em momentos diferentes. — Disse Jetsun. — Mas é seguro enquanto você mantém respeito no seu coração. Quanto mais você puder perguntar, escutar e agradecer ao seu redor antes que seu impacto seja sentido, melhor. Até mesmo manter a boa intenção em sua mente é algo seguro. – Yangchen olhou para baixo para o estranho cruzamento entre a terra e água girando em seus tornozelos, joias líquidas frias ao toque.

 

 — Podemos dominar aqui?

 

— Não. Pois nossos corpos estão no mundo físico; a abadessa e Tsering estão cuidando deles. Se sentirmos que precisamos, podemos nos lembrar de onde estamos, pensar em acordar e iremos.

 

Jetsun não usou a palavra “simplesmente” em sua explicação. Ela sabia que Yangchen tinha problemas em acordar, trazendo-se para o momento certo no tempo e espaço. Yangchen olhou para suas mãos, as quais podia abrir e fechar. Pareciam com sua carne sangue, até os calos. Se todos os seus sensos lhe diziam que seu corpo estava ali, em meio a essas cores brilhantes e rodopiantes, ela teria que desafiar sua mente para escapar.

 

O pensamento a deixou um pouco nervosa, e a água ao redor dela tremeluzia, ameaçando mudar, mas ela viu Jetsun parada na margem do riacho e sabia que nada poderia dar errado enquanto estivessem juntas. Yangchen juntou suas vestes e pisou em terreno mais firme. Nenhum de seus sentidos percebeu o aviso de Jetsun. Coisas diferentes para pessoas diferentes.

 

Absortas, elas caminharam em direção a uma floresta solitária, os limites visíveis sobre a terra plana como um bolo colocado sobre a mesa. Talvez aí estivesse o erro. Nômades do Ar não temem florestas. Dominadores de Ar observam as linhas das árvores abaixo deles do alto de suas montanhas, e nenhuma fera com garras ou dentes tinha a habilidade de subir ao topo.

 

Elas estavam avançando há pouco tempo neste caminho quando Yangchen ouviu uma bufada. A expulsão de ar de um poderoso par de pulmões, maiores que o de um humano. Ela cresceu rodeada de bisões voadores, mas esse não era o ruído de um  sonolento herbívoro. Esta foi uma rápida limpeza de narinas, para melhor saborear o ar em busca de presas.

 

A respiração de Yangchen condensou, embora estivesse perfeitamente quente segundos atrás. Como se as árvores não estivessem distantes e fossem apenas peças de vestuário para um palco, uma criatura saiu por detrás delas. Parecia um Tigredillo, vestido de azul. Ou usava um chapéu pontudo na cabeça ou possuía um chifre que parecia exatamente como o de um. Lábios pintados de vermelho se curvaram para trás para revelar fileiras de presas brancas e irregulares, apontando para direções aleatórias, mais como espinhos de sebe do que dentes. Um segundo e um terceiro espíritos apareceram.

 

— Shishi. — Jetsun sussurrou olhando para eles. — Eles parecem intimidantes, mas são brincalhões. — Quando ela não obteve resposta, se virou. A Avatar estava congelada no lugar. — O que há de errado? — Jetsun perguntou. — Você não tem medo de animais. Você já deixou um Urso-cão-Polar do Chefe do Sul comer na sua mão quando tinha oito anos.

 

Verdade. Yangchen não tinha medo de animais. Os animais amavam ela e ela os amava. Mas Yangchen não era a pessoa cujo terror os Shishi estavam sentindo.

 

As monjas do Templo de Ar do Oeste erraram. Dagmola, Tsering, Jetsun e até a própria Yangchen. Todas acreditavam que uma visita ao Mundo Espiritual podia ajudá-la a estabelecer uma identidade sólida, fortalecer sua mente jovem contra a antiga angústia. Uma corda extra em que ela poderia se apoiar quando os fantasmas das Quatro Nações se tornassem muito fortes.

 

Mas elas nunca consideraram uma forte memória acontecer dentro do Mundo Espiritual, provocada pelo medo de um Avatar anterior do reino além do físico. Os Shishi lamberam seus lábios. Seus olhos  que a princípio pareciam meros borrões em um pergaminho aberto, ganharam profundidade e foco. Seus rostos se enrugaram com contornos humanos e malvados.

 

— Yangchen. — Disse calmamente Jetsun. — Você não precisa ficar. Você pode acordar. – Ela sentiu gosto de sangue. Ela tinha mordido o interior da bochecha. Seus joelhos travaram. O bando de espíritos se dividiu numa formação de caça. Jetsun agarrou a Avatar, jogou-a por cima do ombro e correu.

 

Jetsun segurava Yangchen tão perto, que não conseguiu ver a criança que ela havia se tornado. As mangas de Yangchen ficaram de uma cor não tingida. Suas mãos encolheram para uma forma mais jovem e menor e ela chorava de um jeito desconhecido. Aam, aam. Não ma ou mamãe ou am-ma. Os espíritos eram chamas negras lambendo a grama, perseguindo-as, aproximando-se.

 

O rosnado e a respiração ofegante ficavam mais altos. Alguma vez existiu uma história tão repetida? Uma mulher correndo por segurança, segurando uma criança, perseguida por predadores.

 

— Acorde. — Jetsun murmurou em seu ouvido. Yangchen não sabia como ela tinha fôlego para correr e falar ao mesmo tempo. — Eu não vou deixar você aqui. Acorde para mim primeiro, e então eu estarei bem atrás de você.

 

Elas pararam. O riacho se transformou num rio, furioso e agitado. A liberdade poderia estar do outro lado, mas as joias com contas haviam sido substituídas por um alcatrão escuro e denso que assobiava quando respingava ao longo da margem. Elas nunca conseguiriam atravessar, Jetsun decidiu algo. Yangchen podia sentir sua determinação passar por seu peito, dois corpos espetados pela mesma lança.

 

Em um movimento rápido, Jetsun arrancou seu xale laranja dos ombros e o enrolou sobre a cabeça de Yangchen. Ela não queria que a Avatar visse seu destino. Ela pegou Yangchen pelos braços e a empurrou o mais forte que pôde no ar.

 

— ACORDE! — Jetsun gritou.

 

Yangchen caiu e caiu, mas nunca aterrissou. Não na margem do rio ou no fluxo denso. Ela abriu os olhos, de volta em sua própria pele. Ela viu a Abadessa Dagmola balançando o corpo caído de Jetsun, tentando despertá-la. Tsering olhou para Yangchen como um músico que não tocou a última nota da peça.

 

Yangchen se lembraria para sempre do momento, como a primeira vez que lhe fizeram uma pergunta para além de sua idade, implorando por uma resposta que ela não podia fornecer.

 

— Avatar. — Sussurrou Tsering. — O que aconteceu?

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Capítulo 30