Yangchen piscou e olhou em volta, embora soubesse que procurar ajuda seria um sinal claro de sua derrota. Boma não conseguia vê-la. Ele estava a par de toda sua atividade até agora como Avatar, mas seu guardião estava fora de alcance naquele momento. Ambos estavam. O que Noehi havia dito não era uma ofensa; era um simples fato.
Sidao provavelmente deveria ter dito algo para preservar a dignidade do Avatar. Yangchen era nominalmente sua empregadora afinal. Mas ele se viu entre seu dinheiro e seu dever.
Foi Henshe o pacificador, seu suposto contraparte, que se compadeceu por ela.
— Avatar, sua sabedoria é de grande valor — ele disse com a graça de um diplomata. Um que estava do lado vencedor. — Refletiremos sobre seu conselho e buscaremos incorporá-lo em nossas vidas.
Conselhos. Poderia existir um dote tão inútil quanto esse? Conselhos são como abanar o céu e reivindicar responsabilidade pelo clima. Sentada em seu grandioso assento, Yangchen viu o futuro tão claramente quanto viu o passado. Ela deixaria Bin-Er, para cumprir a próxima de suas infinitas tarefas. E os Shangs virariam um para o outro e diriam: bem, isso foi interessante, não?
— Com certeza… com certeza conseguem ver longe… a longo prazo… — Yangchen respirou fundo. Ela precisava oferecê-los algo, mas o quê? — Com certeza conseguem ver o benefício a longo prazo de investir no povo dessa cidade. Os espíritos sorriem sobre aqueles que cuidam dos vizinhos.
Os Shangs no recinto, não só Noehi, lutavam para esconder os próprios sorrisos. Estamos trocando insultos com o Avatar e saindo na frente. O que mais podemos fazer? Voar?
— Se os espíritos têm um problema com Bin-Er, eles ainda não mostraram — disse Noehi. — A não ser… — Ela faz uma performance ridícula procurando em volta, sobre sua cabeça, pelo fantasma que havia mencionado.
Risadas. Estavam rindo do Avatar. Não tinha importância. Yangchen os deixaria zombar dela, dar para eles tudo que podia, status igual em qualquer que seja a tabela imaginária que eles queriam.
— Por favor, — ela disse, usando o único recurso que lhe restava — aquele que se unir a mim nesta luta entrará para a história. Eu imploro, junte-se a mim no companheirismo e no dever.
Status como companhia de um Avatar não valia de muita coisa naqueles tempos. Mas ela não convenceu ninguém.
— Nosso dever é administrar o fluxo de comércio entre as Quatro Nações, — Teiin disse — não jogar ossos para qualquer animal que latir nas ruas. Contanto que o Rei da Terra Feishan receba sua porção do lucro, ele não dá a mínima para como lidamos com o nosso negócio.
Teiin bufou e jogou seu manto sobre seu corpo. Como ela ousava desperdiçar seu tempo.
— Henshe disse o necessário, — disse o homem que achava mais fácil bater nas pessoas do que pagar suas dívidas — seu conselho foi ouvido. Acho que terminamos aqui.
Os dedos de Yangchen forçavam contra os braços da cadeira como garras. A única pessoa que pressentiu o perigo foi Boma.
Teria sido fácil culpar uma vida passada, fingir que uma memória ruim de ter sido menosprezada havia empurrando-a para além do seu limite. Mas foi Avatar Yangchen sozinha quem decidiu que já não ia mais dar conselhos. E que eles não tinham terminado.
Ela se levantou antes que Teiin pudesse fazer o mesmo.
— O Rei da Terra se importa se é enganado, — ela disse — com traições.
O silêncio que caiu sobre o salão rolava para frente e para trás, pressionando os ocupantes pela barriga, deixando-os sem ar. As palavras de Yangchen sugaram o sangue das faces, jogou mandíbulas ao chão, transformou os membros de sua audiência em pedra.
— O que — Por que diria isso? — Sidao perguntou, o choque apagando os floreios agudos de suas palavras.
Henshe limpou a boca com sua mão.
— Avatar, você conhece tão bem quanto nós as complicações de utilizar uma linguagem tão indelicada em assuntos envolvendo Sua Majestade o Rei da Terra. Poderia se explicar?
Ela poderia.
— De acordo com suas cartas mais recentes, os Shangs desta cidade têm permissão para transportar carga com vinte e oito juncas autorizadas específicas. Mas eu posso confirmar pessoalmente o fato de que quarenta e quatro navios distintos aportaram no último mês.
A ausência de resposta dizia que os números estavam corretos o suficiente.
— É mais fácil contá-los do alto, — Yangchen explicou, apontando para cima — eu estive monitorando a cidade por semanas.
Revelando aos Shangs que a data oficial de sua chegada era falsa, e que ela esteve secretamente os observando, a arranjou um bom negócio. Ela disse a si mesma que essa era uma provocação estratégica. Não uma tentativa de se juntar a um grupo de homens e mulheres que a haviam mostrado desdém.
Pule de um penhasco e você poderá até bater seus braços.
— Subornar chefes de porto a ponto de executar tráfico oculto deve ser caro, — Yangchen disse — o que significa que o retorno deve ser significante. Seria possível que Bin-Er está gerando grandes quantidades de dinheiro sem que o Rei da Terra saiba? Justo quando nós todos sabemos o quão sensível Sua Majestade é sobre não receber sua parte, graças à maravilhosa palestra de Zongdu Henshe?
Sensível era eufemismo. O homem havia esculpido sulcos sangrentos no mundo por causa de dinheiro.
— Ou pior, — Yangchen continuou — qualquer navio não contabilizado podia estar carregando espiões e outros riscos ao reinado de Sua Majestade.
Ninguém mais estava rindo, nem mesmo em defesa.
— Se realmente existir um excesso de dinheiro na cidade, talvez seja apenas um erro de logística que pode ser contornado redirecionando provisões a aplicações mais caridosas, — ela falou — em algum momento antes da próxima vez que eu falar com o Rei da Terra.
Boma limpou sua garganta.
— Avatar, eu acredito que você tenha uma audiência agendada com a Sua Majestade para daqui três meses.
— É mesmo? — disse Yangchen — Muito bem então.
Os Shangs não disseram nada. Henshe olhou para o lado e fez uma cara que Yangchen não pudesse ver. Outra bagunça que ela teria de arrumar.
— Obrigado, Avatar, — ele disse de forma ríspida, sua voz já muito gasta — estou certo de que uma reconciliação pode ser atingida.
Comeu eles com farofa 😋