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A Aurora de Yangchen: Conversas

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Eventualmente o segurança da porta e mais dois homens vieram para retirar os perseguidores que Yangchen desmaiou. Ela foi levada para dentro do qarmaq. A primeira coisa que fez foi ir até o qulliq e se sentar. Sem prestar atenção em quaisquer outros detalhes do interior, e antes que pudesse se controlar, ela cochilou, indefesa contra sua fadiga.

 

Ela acordou gritando uma maldição, sem saber ao certo onde estava ou se seu navio havia içado as velas.

 

— Relaxe — disse uma mulher que estava próxima dos pavios de musgo da lâmpada de óleo. — Você cochilou por apenas uma hora. O mundo não vai acabar antes do nascer do sol.

 

Fácil para ela falar.

 

— Os navios — Yangchen disse de forma mal pronunciada. Ela deu um tapa em suas bochechas com ambas as mãos até que estivesse completamente acordada. — Algum navio deixou o porto no horário do pôr do sol?

 

— Nenhuma embarcação partiu depois do meio-dia. Nenhuma partida está marcada para amanhã inclusive, se é com isso que está preocupada.

 

Yangchen já havia dito mais do que gostaria na frente dessa mulher que já estava se intrometendo. Unanimidade continuava no Porto Tuugaq, o que significava que ela tecnicamente poderia descansar por um tempinho. Tecnicamente.

 

— O que aconteceu com os homens que eu trouxe?

 

— Eles estão sendo mantidos em um lugar seguro até que você decida o que fazer. — A mulher havia percebido a necessidade da Avatar do Ar de mantê-los calados, mas não machucados. Ela se aproximou mais da lâmpada de fogo, deixando Yangchen prestar atenção em seu velho rosto, seus claros olhos azuis.

 

— Você pode me chamar de Mama.

 

Yangchen sabia que Mama estava conferindo se o Avatar a reconhecia. E a única razão pela qual ela faria isso seria se elas já tivessem se cruzado anteriormente. Mas Yangchen não havia visto essa mulher em nenhum lugar de que se lembrasse, ao menos não de perto.

 

Vantagem para sua anfitriã.

 

— Obrigada, Mama.

Estavam sozinhas no quarto. A mulher colocou um pote de cozinhar sobre o fogo. Um pouco de sopa esfumaçou numa tigela, a qual deu a Yangchen.

 

— Sem carne — disse ela.

 

Yangchen certamente teria sido perdoada pelo Templo do Ar do Oeste nesse caso, mas estava grata pela acomodação de qualquer forma. Era a primeira refeição que comia em dias.

 

— Os caminhos da Ordem do Lótus Branco e do Avatar normalmente só se cruzam durante momentos de importação geracional — disse Mama. — Não porque alguém precisa esconder alguns corpos. Eu não sei como uma de suas vidas passadas teve acesso aos nossos códigos de reconhecimento, mas foi um erro permitir que isso acontecesse.

 

— Como você sabe que não fui eu que obtive acesso a eles?

 

Mama a fitou com os olhos.

 

— Porque você é uma amadora. — Ela encheu uma xícara com chá e a empurrou para as mãos de Yangchen. — Você é o tipo mais grosseiro de amador que existe. Você é muito ativa, faz muitas coisas sozinha na operação, e espera resultados rápido demais. Você não tem capacidade para esperar, de jeito nenhum.

 

Esse era o motivo pelo qual ela não pedia favores para a Ordem do Lótus Branco. Mama ter dito aquilo significava que eles haviam assistido à sua dificuldade após Tienhaishi. Nada durante seus trabalhos naquela época sugeriu que uma organização dos mestres mais sábios do mundo estivesse ajudando secretamente por trás das cenas. A Lótus Branco, como todo mundo, desviou os olhos do sofrimento imenso e não fez nada. Ela não poderia perdoar isso.

 

Talvez Mama estivesse se referindo às suas ações acerca da Unanimidade, e ela havia estado sob observação esse tempo todo, como um inseto induzido a achar que um pauzinho e uma folha em um potinho correspondiam ao seu ecossistema todo.

 

— Você não é a guardiã local de depósito — disse Yangchen. — Pelo que posso deduzir, você é uma Lótus de posição altíssima no ranking. E você é do Norte, não do Sul. Isso significa que você desceu até o Porto Tuugaq para realizar uma tarefa importante que não poderia ser confiada a mais ninguém. Você está investigando algo, não está?

 

Mama não respondeu.

 

— Poderíamos fazer uma troca de informações — ofereceu Yangchen. — Isso é o que vocês profissionais fazem o tempo todo, não é? Se você acha que sou tão boba, vamos comparar lideranças e ver quem se aproximou mais de seu objetivo.

 

— Pare — disse Mama, parecendo exasperada como qualquer anciã do Templo do Oeste. — Apenas pare. Pare de brincar e pense de uma vez sobre qual tipo de Avatar você quer ser.

 

Você quer dizer qual tipo de fachada, Yangchen pensou. Como eu deveria posar para minha estátua? As pessoas ao meu redor já ficaram admiradas o suficiente com a minha presença? Por quanto tempo, inclusive, a admiração sustentou uma pessoa? Por quanto tempo ela as manteve aquecidas?

 

Mama percebia que não estava sendo convincente.

 

— Você acha que espionagem e inteligência e decepção são bons usos de seus poderes. Um desperdício quando você, mais do que qualquer pessoa na história conhecida, poderia inspirar pessoas com a verdade no lugar.

 

— E o que você quer dizer com isso?

 

— Praticamente todo Avatar tem dificuldade de comungar com suas vidas passadas — Mama disse. — Mas você! A riqueza de conhecimento e sabedoria nas suas mãos! Se você abraçasse seu dom, caminhasse com seus antepassados pelos caminhos de suas vidas para a largura e profundidade que você sozinha dentre as gerações parece ser capaz de atingir, aí não haveria nenhum limite para suas conquistas! Você poderia guiar as Quatro Nações para uma nova era dourada, porque você esteve nas antigas!

 

— Como você sabe do meu dom?

 

A pergunta de Yangchen foi afiada e rápida o suficiente para que a mulher mais velha percebesse que cometeu um deslize. As luzes escureceram levemente. As emoções dos dominadores de fogo podiam se manifestar em chamas próximas e nesse momento a Avatar estava prestes a explodir.

 

— Como você sabe do meu dom? — Yangchen repetiu devagar.

 

Somente as anciãs do Templo do Oeste entendiam de verdade seu relacionamento com suas vidas passadas. Elas mantiveram bem o segredo, assim como haviam prometido umas às outras. Para um membro da Lótus Branco saber…

 

Isso significava que Yangchen tinha sido espionada desde sua infância. Desde antes de ser revelada ao mundo como a Avatar.

 

— Vocês tinham alguém no Templo do Ar do Oeste — ela murmurou. — Vocês tinham um infiltrado na minha casa, me avaliando como uma posse. Na minha casa.

 

— Você era a criança mais importante do mundo. — Mama não a olhava nos olhos. — E você era desequilibrada. Teria sido irresponsável não te monitorar.

 

A luz da lâmpada se dividiu em cruzes, embaçadas pelas lágrimas de Yangchen. A hipocrisia pura de ter dito a ela que não se preocupasse com espiões, para depois explicar que ela havia sido o alvo de espiões desde antes que pudesse se lembrar.

 

— Aquela era a minha casa, está entendendo? Era a minha casa!

 

Ela estava segurando chá por algum motivo. Ela o colocou para baixo e se levantou. O movimento a deixou atordoada e seu ombro encontrou uma parede para se apoiar.

 

— Aquela era a minha casa — disse novamente, como se repetições suficientes pudessem forçar Mama a entender a dimensão total da violação, que Yangchen não estava falando sobre um lugar, mas sim um período de sua vida, sua própria vida.

 

Sua infância no Templo do Oeste deveria ser a parte de si que era real. A parte livre de manipulações e motivações ocultas. E agora estava perdida. Havia sido pintada com a mesma tinta suja de todas as outras operações que se deram na história das Quatro Nações.

 

Teria sido Dagmola ou Tsering respondendo à Lótus Branco? Ela deveria suspeitar de Boma para sempre? E Jetsun. Se Jetsun tinha mestres fora do templo, fingindo irmandade com Yangchen para ter um resultado mais adequado às suas necessidades…

 

Aí não existiria uma Yangchen. Não existiria uma pessoa preenchendo as vestes. Ela seria como as enguias-fênix disseram. Uma casca vazia sem gema por dentro.

 

Ela deslizou na parede, as costuras de seu casaco rasgando em contato com a áspera pedra talhada.

 

— Aquela era a minha casa — ela disse, asfixiando na falsidade daquilo tudo.

 

Yangchen se recolheu no canto. Mama se aproximou e ajoelhou ao lado dela.

 

— Sinto muito — disse ela, com uma planicidade que reconhecia a inutilidade do pedido de desculpas. Ela virou Yangchen para que ela não ficasse torta e colocou uma manta dobrada entre ela e a parede.

 

A confissão anterior de Mama roubou o calor do gesto. Ela não estava tentando confortar Yangchen, ela estava garantindo que o Avatar não batesse a cabeça. O agente da Lótus Branco havia falado sobre a responsabilidade. A posse deveria ser protegida.

 

Melhor não saber quem foi. Melhor nunca perguntar.

 

— Eu já tentei — Yangchen sussurrou. Sua garganta estava arranhada e em carne viva, como se uma doença comum tivesse escolhido atingir seu ponto mais fraco.

 

— Tentou o quê?

 

— Eu já tentei sua sugestão. — Ela arrepiou e puxou as pontas da manta ao seu redor. — Eu busquei os Avatares das eras passadas. Em um determinado ponto eu pensei, por que não ir no ataque, sabe? — As tempestades emocionais vindas das memórias de suas vidas passadas tão vívidas que ela não sabia quem, onde ou quando estava, não excluiu tentar se comunicar da forma mais digna.

 

— Eu só deixei as anciãs saberem sobre uma fração do meu sucesso — disse Yangchen. — Eu conversei com dúzias de Avatares anteriores. E dúzias. E dúzias.

 

Ela observou Mama franzir as sobrancelhas Você não gosta disso realmente, não é? Eu fiz exatamente o que você propôs. Dizer a Yangchen que se enterrasse na história provavelmente tinha soado como um conselho sábio na cabeça da mulher mais velha, mas realizado? Isso barateava um componente sagrado da Avataridade.

 

— Eu enxerguei através de seus olhos, assisti ao desenrolar de suas vidas — Yangchen disse. — O tempo não passa da mesma forma dentro de uma visão como passa no mundo físico. De início eu estava sobrecarregada com o barulho daquilo tudo. Como alguém que aprecia inteligência, tenho certeza que você entende. A enorme quantidade de informações que você tem que peneirar para achar algo relevante. E então eu comecei a notar padrões ao longo das eras que eu observava. Repetição. Eu sentei humildemente na frente dos meus antepassados, fiz muitas perguntas, ouvi muitas respostas. Sabe o que eu aprendi? —Yangchen fechou os punhos em volta da manta. — Suas vidas são cheias de arrependimento, chances perdidas de tornar o mundo um lugar melhor. Para mim, é isso que mais prevalece em suas memórias. Seus arrependimentos das vezes em que não fizeram nada.

 

Por que você é assim? A resposta aqui.

 

— Eu senti a vergonha de Avatares passados — ela disse. — Vivi falhas não registradas na história. E posso te dizer com certeza absoluta: nenhuma das vidas passadas com as quais eu me conectei desejam que tivessem esperado mais para resolver um problema.

 

Agir apenas em casos de momentos de importação geracional. Quem decidiu quais momentos eram importantes? E quantas pessoas sofreram no meio disso? Nunca houve uma era dourada, pelo menos até onde Yangchen tinha visto.

 

Mama pegou um atqun e foi até o qulliq para cuidar do pavio. Alguns toques do pequeno palito e as chamas foram recuperadas na borda da lâmpada de pedra-sabão.

 

— Venho do Norte frequentemente para encontrar meus colegas — disse ela. — Mas dessa vez estou na cidade para investigar um possível distúrbio espiritual. Luzes brilhantes e barulhos altos foram relatados pela tundra fora da cidade.

 

Yangchen estava tão inabalada com o motivo de Mama estar no Porto Tuugaq que levou um tempo para perceber que sua proposta de troca de informações foi aceita.

 

— É isso? — Perguntou. — Luzes e barulho? — Aquilo não era muito, em comparação a outras testemunhas.

 

– Tenho que admitir, é uma pista mais interessante agora que a Avatar está aqui. — Mama moveu a cabeça como para dizer agora é a sua vez. Ela obviamente esperava obter a melhor informação dessa troca.

 

Poderia Yangchen confiar na Lótus Branco? E mais importante, ela precisava de sua ajuda? Três homens feridos pendurados contra suas vontades disseram sim. Sua exaustão, sua falta de conhecimento do local, disseram sim. Ela não poderia deixar que seu orgulho fosse a razão de seu fracasso, não nessa conjuntura.

 

Espero não me arrepender.

 

— Não estou investigando atividades dos espíritos. — Disse Yangchen. Ela contou a Mama tudo que sabia sobre Unanimidade.

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Capítulo 32